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5.1 Brasil e Espanha: dimensões culturais e institucionais

5.1.2 Brasil

A análise sobre o Brasil será desenvolvida com mais detalhes, uma vez que se trata do país hospedeiro da joint venture. O ambiente institucional do país hospedeiro tende a estabelecer as principais restrições e apresentar maiores impactos pela influência cultural nas práticas de gestão e de comercialização.

O Brasil tem uma população de 169,6 milhões de pessoas (IBGE, 2003), sendo que 25 milhões vivem abaixo da linha de pobreza. Dessa população, mais de 90% concentra-se na região litorânea, ou seja, em 10% do território nacional. A composição étnica do Brasil é de 55% de descendentes de europeus (principalmente portugueses), 38% de uma mistura de culturas (africanos, alemães, japoneses, índios etc.), 6% de africanos e 1% de índios.

A língua oficial é o português, embora outras línguas sejam faladas em pequenas comunidades formadas por imigrantes europeus na região sul do país. Não existe uma religião oficial, no entanto, aproximadamente 90% da população assumem-se como católicos. Em torno de 16% praticam religiões afro-brasileiras, as quais combinam crenças católicas e tribais. Os evangélicos representam 9%. Protestantes, judeus, budistas e outras religiões representam menos de 9%. A prática simultânea de rituais de religiões diferentes expressa uma peculiaridade brasileira.

O Brasil tem uma população jovem, com 50% abaixo da faixa etária de 20 anos. É um país com um forte setor industrial, com grande produção agrícola e muito rico em recursos naturais. O Brasil responde por mais ou menos 5% da biodiversidade mundial, o que o torna atraente para as indústrias de extração de óleos essenciais para aplicação na indústria de cosméticos.

Segundo Peixoto (1999), o Brasil foi significativamente influenciado pela cultura européia na constituição do seu estado. Historicamente, assim como a Espanha, o Estado brasileiro sempre exerceu um papel ativo na economia, forjando o desenvolvimento econômico através de intervenções diretas como legislador e investidor. Segundo Bethlen (1999), historicamente o governo brasileiro sempre foi muito influente no desenvolvimento econômico e empresarial, o que vem desde os primórdios da sua existência. O autor salienta, ainda, que, em nome de uma individualidade como nação, o governo brasileiro tornou-se empresário, passando a ser, até o início dos anos 1990, a principal força econômica, representando a economia não socialista com a maior participação do Estado.

A mudança do papel do Estado na economia, segue uma tendência internacional, atingindo o seu auge na década de 90. Essa mudança se expressa através da abertura da economia, da modernização do Estado e da privatização em vários setores.

A abertura econômica na década de 90 levou o governo brasileiro a desenvolver programas voltados para melhoria da qualidade e para o aumento da produtividade industrial. Objetivou, com isso, romper com a ineficiência e a falta de escala de produção das empresas locais para enfrentar os concorrentes externos e, ao mesmo

tempo, criar as bases para a internacionalização dessas empresas. Apesar desses esforços e do tamanho da sua economia, o Brasil ainda ocupa uma posição secundária quando avaliado em termos de volume de negócios internacionais (pesquisa Fundação D. Cabral).

Em 1996, cresceram os investimentos estrangeiro diretos no Brasil, passando da 5ª posição, em 1994, para a 2ª posição, em 1996, ficando atrás apenas da China (Oliveira, 1999). Para o editor da Corporate Location, Philip Swinden, diversos fatores contribuíram para o aumento do interesse estrangeiro. Dentre eles, pode-se citar: a) a possibilidade de planejamento de médio e longo prazo, proporcionado pelo Plano Real; b) a qualidade dos investimentos que as grandes companhias presentes no país, de uma forma ou de outra, nunca deixaram de fazer; c) mão-de-obra qualificada e um mercado consumidor bastante considerável.

Hoje o Brasil é o país líder na América Latina no recebimento de investimentos diretos do exterior (IDE), representando 3% do total – US$ 17 bilhões em 2003 – ocupando assim a 10ª posição no cenário internacional. A balança comercial acumulou, nos primeiros nove meses de 2003, um superávit de US$ 17,8 bilhões, contra um superávit de US$ 7,86 bilhões registrado de janeiro a setembro de 2002 (sinopse econômica, 2003, BNDES).

No que concerne às dimensões empregadas por Geert Hofstede para analisar culturas de diferentes países, suas pesquisas indicaram que o Brasil é um país com elevada evitação de incerteza, ou seja, com baixo nível de tolerância à incerteza. O Brasil tem uma ligeira superioridade na dimensão individualismo, quando comparado com a média dos países latinos. No entanto, é considerado um país coletivista (Fig. 8).

DP IND MASC FI LTO

FIGURA 8: BRASIL

Ainda que a pesquisa de Hofstede classifique o Brasil como coletivista, Bethtlen (1999) acredita que há uma mistura de coletivismo e de individualismo decorrente da influência das práticas trazidas pelas empresas multinacionais e pelo padrão burocrático implementado pelas empresas estatais. O autor alerta que, ainda forte e disseminado, o nepotismo, nas empresas estatais, não é dominante e, nas multinacionais, é difícil de encontrar. Dessa forma, Bethlen (1999) acredita ser difícil, sem pesquisas adicionais, confirmar ou não o perfil coletivista da empresa brasileira.

De acordo com a Figura 8, a distância do poder (DP) apresenta um escore bastante elevado, indicando o grande nível de concentração de poder. Ainda que se reconheça e se perceba evidente tal dimensão, Bethlen (1999) entende que vem ocorrendo uma diminuição de DP causada pela 'aculturação' brasileira, principalmente decorrente da internacionalização das empresas brasileiras e dos meios de comunicação. Pode-se levantar três hipóteses a respeito dessa tendência: 1) estruturas achatadas, com menor concentração de poder, são estruturas impostas por pressões isomórficas institucionais, decorrentes da disseminação e da consolidação de valores democráticos; 2) essas estruturas são adotadas como respostas mais eficientes em termos de retorno às pressões do ambiente técnico; 3)

a adoção desse tipo de estrutura resulta de uma combinação de pressões institucionais isomórficas e competitivas.

De forma ampla, referindo-se ao Brasil até o final da década de 90, Wood Jr. (1998) apresenta um quadro com as características institucionais e culturais do Brasil e de suas organizações (Quadro 3).

Quadro 3: Características institucionais do Brasil e de suas organizações

INSTITUCIONAIS CULTURAIS ORGANIZACIONAIS

Baixo grau de instituciona- lização dos organismos de controle e de coordenação.

Personalismo: o indivíduo acima da comunidade.

Estratégia pouco focada em decorrência da pequena tradição no tratamento da questão e das condições ambientais instáveis.

Baixa intensidade de com- petição, com presença de monopólios, oligopólios e setores com cartel.

Ambigüidade: nada é o que parece ser, quando é, pode ser algo mais.

Presença ainda significativa de estruturas hierárquicas pesadas e de formas primitivas de organização do trabalho. Regulamentação precária da atividade empresarial, excesso de regulamentação em outras atividades.

Alta distância do poder: relações sociais marcadas pela herança escravocrata.

Estilo gerencial marcado pelo autoritarismo, alta distância do poder e centralização das decisões.

Comunicação imperfeita no mercado.

Plasticidade e permeabili- dade: abertura e fascinação pelo estrangeiro.

Sistemas de informação ainda incipientes, com retenção da informação no topo das empresas.

Relações conflitantes entre clientes e fornecedores, dificultando alianças e par- cerias.

Formalismo e ‘faz-de-conta’: convivência entre o ‘mundo do direito’ e o ‘mundo de fato’ mediada pela ambigüidade e pelos comportamentos de fa- chada.

Sistemas de apoio pouco desenvolvido.

Fonte: WOOD JR., 1998, p.60.

A descrição do ambiente institucional e das características das organizações brasileiras apresentada por Wood Jr. (1998) evidencia um país com fortes dificuldades para o estabelecimento de negócios por empresas estrangeiras, as quais podem ver arranjos cooperativos como uma forma eficiente de agilizar sua entrada. Por outro lado, Child e Rodrigues (2000) apresentam uma perspectiva distinta, que mostra um conjunto positivo de aspectos para investimentos externos

diretos no Brasil. Para esses autores, o Brasil, comparado com a China – principal destino dos investimentos internacionais – dispõe de um ambiente institucional mais propício para formação de alianças do tipo joint venture por uma série de aspectos.

Child e Rodrigues (2000), baseados no Global Competitiveness Report de 1999 – período relevante para essa pesquisa, uma vez que marca o despertar do interesse da empresa espanhola para ingressar no mercado brasileiro na perfumaria semi-seletiva –, analisam a relação entre ambiente econômico e institucional na escolha da estrutura de governança em joint ventures internacionais no Brasil e na China. Comparando os dois países com os EUA, Child e Rodrigues (2000) verificaram que Brasil e China apresentam baixos escores nos sistemas legais, na instabilidade institucional, na liberdade de atuação sem interferência governamental, na ética, na qualidade educacional, no desenvolvimento do sistema financeiro e na efetividade da cadeia de suprimento. Tais escores indicam um elevado risco econômico para investidores externos.

No entanto, comparado com a China, o Brasil apresenta ambiente legal mais favorável, maior sofisticação do mercado financeiro e qualidade da atividade gerencial. Outra vantagem brasileira é a abertura para estabelecimento de todo o tipo de estrutura de governança encontrada em países desenvolvidos. Há existência de leis que regulam o funcionamento das estruturas corporativas, assegurando inclusive direitos significativos aos acionistas minoritários, garantindo assim maior segurança aos investidores externos.

Quanto à estrutura de propriedade das firmas brasileiras, Child e Rodrigues (2000) apontam uma grande variedade, na qual vários grupos e instituições podem participar, como: indivíduos, investidores institucionais, empregados, indivíduos e companhias estrangeiras e fundações governamentais. No entanto, tradicionalmente, a governança corporativa, no Brasil, tem seguido o tipo concentrado, normalmente baseado na propriedade familiar, na qual o proprietário tem controle sobre os aspectos estratégicos e operacionais. Essa tendência parece estar mudando, conforme pesquisa realizada por Siffert (1999), verificando que uma nova forma de controle das corporações no Brasil – controle compartilhado – tem despontado como modelo em parcela significativa das grandes empresas, tendo como acionistas principalmente investidores institucionais, tanto nacionais como

estrangeiros. Essa mudança é associada à abertura econômica do país na década de 90, tendo deixado evidente a fragilidade das empresas locais frente ao mercado internacional.

Para Bethlen (1999), a competição se instalou no Brasil pela abertura relativa do mercado brasileiro naquele período, trazendo a concorrência estrangeira e a necessidade de haver competitividade global. Para o autor, as empresas brasileiras são ainda muito pequenas, quando se considera o seu volume de vendas e se compara com o de firmas americanas. Afirma, também, que algumas características das empresas e do ambiente brasileiro devem ter limitado o seu crescimento, como, por exemplo, a ausência de mercado de capitais desenvolvido, tanto para ações como para empréstimos a longo prazo, e a cultura familiar das empresas. Sessenta por cento dos grandes grupos são de propriedade de um indivíduo, 90% de um indivíduo ou de um pequeno grupo de pessoas.

Tais características descritas por Bethlem (1999) podem ser interpretadas não só como fatores limitadores do crescimento econômico do país, como também barreiras para a formação de alianças internacionais. Culturalmente, o padrão de propriedade aceito pelo empresariado brasileiro é o da empresa familiar, restringindo a alternativa de estruturas híbridas tais como joint ventures. Somente com fortes alterações no ambiente institucional, conduzidas pelo governo, as empresas passaram a buscar alternativas novas de sobrevivência.

A Tabela 1, a seguir, mostra um conjunto de fatores macroinstitucionais e econômicos do Brasil, conforme pesquisa realizada pelo Worl Economic Fórum, em 1999, citada por Child e Rodrigues (2000).

Tabela 1: Fatores macroinstitucionais e econômicos do Brasil

FATOR BRASIL CHINA USA

LEGAL

Padrões regulatórios 4,21 3,46 6,11

Proteção de propriedade intelectual 4,64 3,46 6,24

SOCIOLÓGICO

Estabilidade institucional 4,08 4,02 5,50

Favoritismo governamental 3,61 4,05 3,07

Liberdade para negociar JVIs sem

interferência governamental 4,69 4,36 6,39

Ética do trabalho 4,79 3,81 5,49

ECONÔMICO

PIB (paridade de poder de compra)

1998 em US$ bn 1.089,1 5.033,0 8.510,7

Crescimento do PIB real em 1998 (%) -1,04 6,87 2,99

Sofisticação tecnológica 2,99 3,23 6,7

Cientistas e engenheiros: qualidade 4,33 4,68 5,63

Gerência: qualidade 4,98 2,87 6,29

Educação gerencial 5,24 3,55 6,64

Adequabilidade do ensino 3,58 3,38 5,83

Educação escolar em ciência e

matemática 3,44 4,98 4,47

Sofisticação do mercado financeiro 5,14 2,70 6,77

Disponibilidade de empréstimos 2,73 2,35 4,55

Disponibilidade de fornecedores 5,20 5,18 6,42

Competitividade dos fornecedores 4,67 3,50 6,22

Competição no mercado local 5,08 5,18 5,45

Fonte: CHILD; RODRIGUES, 1999.

O ambiente institucional brasileiro, quando comparado ao espanhol, indica grandes desafios à entrada no mercado. Uma abertura rápida, conforme esperado pelos espanhóis da Antonio Puig, mostrava-se, diante da complexidade do ambiente institucional, quase impossível sem parceria. O tempo necessário para acessar canais de distribuição, para compreensão das práticas locais de comercialização, as

especificidades de comportamento de consumo, com variações significativas de região para região do Brasil, bem como a existência de um conjunto de empresas nacionais e transnacionais, com fortes ativos comerciais estabelecidos no mercado doméstico, já consistiam em um desafio significativo. Esses aspectos contribuíram para fazer de uma aliança uma melhor alternativa. Por outro lado, a existência de padrões regulatórios, leis de proteção à propriedade tecnológica e a marcas, qualidade da mão-de-obra e da gerência brasileira, assim como a existência de infra- estrutura de produção, são pontos favoráveis para um sucesso possível em uma parceria no Brasil. Os espanhóis reconheceram, na Memphis Industrial, uma possibilidade de baixo risco de oportunismo, ainda que tenham tomado o cuidado de iniciar o negócio com um montante pequeno de investimentos pelo risco do ambiente institucional, caracterizado pela instabilidade econômica e política.

Culturalmente, tanto no que concerne à dimensão nacional quanto organizacional, percebeu-se uma similaridade que facilitou a formação da aliança e, ao mesmo tempo, o gerenciamento. A proximidade cultural, conforme já destacado, facilitou a comunicação entre os negociadores das duas empresas, fazendo com que equívocos nas decisões fossem assumidos pelas duas empresas-mãe como erro coletivo de posicionamento. Mesmo existindo assimetria na participação acionária, as decisões resultaram sempre de um consenso entre as partes. O peso na decisão evidenciava-se pelo domínio de conhecimento na área da decisão. Nesse sentido, havia uma aceitação significativa nos dois primeiros anos das orientações mercadológicas da Antonio Puig, enquanto a atividade operacional, comercial e de produção ficava inteiramente sob responsabilidade da Memphis

Industrial.