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5.1 CAMPO DE AÇÃO ESTRATÉGICA

5.1.2 Atenção Básica

Esse nível primário da atenção à saúde de São Carlos carece de profissionais e recursos para atender a demanda de saúde da população, que vem crescendo com maior velocidade a partir das crises econômicas que ocasionaram a migração de muitas pessoas dos planos de saúde particulares para o SUS. A fala de E3 evidencia isso: “A Atenção Básica está fragilizada, ela não está dando conta do cuidado que ela deveria cuidar, tendo que passar para a média complexidade pra dar conta daquele usuário”. Um trecho da resposta de E7 também aborda essa questão: “Eu acho que um estressor muito importante é a falta de profissional. Lá na rede. E falta de vagas. Eu acho que esse ponto é muito importante, por quê? Gera um estresse muito grande. Como eu, fisioterapeuta, dou conta do problema da Vila São José e da Vila Nery, um só, 30 horas semanais? Não dá. Tem um profissional da Vila Isabel que não tem sala pra trabalhar, que não tem equipamento. Então, essa falta de profissional ela dificulta, dificulta muito”. No próximo trecho, essa questão também fica clara: “Por sobrecarga de trabalho, a

gente tem muito, assim, a demanda aumentou bastante. A gente não conseguiu ampliar o número de unidades no nosso município e isso é uma realidade. A gente está bem aquém do que a gente deveria ter. Então, eu tenho unidades, assim, extremamente lotadas de pessoas, de usuários e, agora com essa situação também nossa, de Brasil, cada vez mais as pessoas deixando o plano para utilizar o SUS. E, aí, equipes no mesmo formato de anos, não conseguem ampliar” (E12).

Mendes (2011) e Oliveira (2016) defendem a importância de fortalecer a Atenção Básica e reforçam que esse nível é que vai ordenar todo o fluxo do atendimento ao usuário, inclusive nos demais níveis de complexidade (média e alta), além de estabelecer a proximidade com o paciente.

Na visão dos entrevistados, essa fragilidade da AB, que reflete a situação geral de toda a rede de saúde pública de São Carlos, é fruto de questões múltiplas que precisam ser repensadas de forma efetiva para ampliar o acesso da população a um serviço de saúde de qualidade. Spedo et al. (2010) já citavam a importância de um “conjunto articulado de ações que devem incorporar condução política, análise de situação e planejamento, com o objetivo de viabilizar o acesso do usuário aos serviços, visando à integralidade e à resolutividade do sistema de saúde” (SPEDO, et al., 2010, p. 967). Nesse contexto, a primeira percepção a ser destacada das entrevistas está relacionada à gestão. Aponta-se para a necessidade um olhar mais técnico para a saúde municipal com levantamento das necessidades de saúde da população que busca o atendimento, das principais carências e especialidades e da distribuição das unidades pelo município. Esse trecho da entrevista de E3 traz esse apontamento: “Então, eu acho que tem uma fragilidade de gestores, no sentido de compreender como a gente vai trabalhar, onde precisa ser fortalecido. E aí, profissionais extremamente desmotivados, desmobilizados, isso vai acabar impactando no usuário. É um assunto muito complexo, muito complexo”. A exposição de E17 também evidencia esse problema: “É o que eu sinto que não funciona em rede e não tenho muita esperança que funcione em rede. A não ser que venha alguém muito técnico, que mude a SMS para técnica mesmo, que tenha equipe técnica e que olhe para a parte técnica. Aí, a gente consegue uma progressão”. E12, representante do Departamento da Regulação, também aponta a necessidade de ampliar o contato da gestão: “As três partes estarem juntas [em reuniões e decisões]. O gestor tem um conhecimento do fluxo que está acontecendo para orientar, mas as pontas[unidades] estariam se falando”.

Outro fator a ser analisado também à luz da fragilidade da Atenção Básica está relacionado com o compromisso dos profissionais frente à toda a linha de cuidado do usuário. Vale reforçar, nesse sentido, a fala de E3 citada no parágrafo anterior, que relata a desmotivação

e desmobilização desses profissionais na rede. Spedo et al. (2010) apontam sobre a necessidade de qualificar e preparar as equipes de profissionais, inclusive para executarem encaminhamentos corretos que garantam o fluxo adequado de atendimento às necessidades dos usuários. Nas entrevistas, a questão do comprometimento dos profissionais da rede foi bastante mencionada. “O básico é compromisso pessoal para tudo. Desde fazer um encaminhamento perfeito, fazer o contato com os profissionais da rede, para atender o paciente, o usuário com responsabilidade e organização. Tudo para mim vem do compromisso pessoal” (E8); “Também é um problema a falta de compromisso profissional. Eu acho que a corresponsabilidade é de todos” (E12); “Fisioterapia porque a fisioterapeuta...a gente tem duas aqui, uma só manda porque a outra não manda? Eu tenho duas profissionais, uma atende tudo aqui e a outra não atende quase nada aqui, o mais fácil é referenciar...” (E19).

Em um olhar ampliado do SUS em São Carlos, há um fator muito destacado nas entrevistas relacionado à interferência da política no contexto da saúde pública. Na pesquisa de Spedo et al. (2010) “a conjuntura política representa mais um importante entrave à organização do sistema de saúde”. (SPEDO et al. 2010, p. 960). Nas entrevistas, a questão política foi algo bastante mencionado, como destaca-se nos trechos a seguir: “A gente tinha uma parceria bastante efetiva no passado, com a Universidade Federal, que eu acho que teve uma desconstrução e a gente sabe que permeiam questões políticas, atravessam bastante, e isso foi uma coisa que eu acho que desconstruiu bastante nos últimos tempos. Isso foi uma coisa perceptível, muito pela gente, que está na rede há muitos anos” (E12); “a questão política, da composição das secretarias, tem atrapalhado muito o trabalho técnico[...]Essa é a frustração que eu tenho, a dificuldade nossa de diálogo é muito grande porque as ações tendem a não ter continuidade na Atenção Básica” (E6); “Aí, depende da vontade política de contratação e de organização desse serviço, de organização de salas de atendimentos, de profissionais, de rodízio de profissional [...] Depende da unidade, depende da gestão. Isso é um problema porque as unidades deveriam ter uma engrenagem construída não por questões políticas. Tinha que ser uma política de estado e não de governo, muda o governo, muda a forma de organização. E isso acaba engessando porque as questões políticas interferem muito” (E16); “Eu acho que é uma questão política. Política também daquilo que está sendo oferecido para a cidade, o que é importante” (E7); “Até por ser serviço público, questões políticas mesmo, partidárias. Porque a USE, acho que tem 14 anos. Em 14 anos quantos partidos políticos já passaram? E até a prioridade governo, né? Será que a saúde é uma prioridade, será que estamos envolvidos?” (E5); e “Eu acho que é difícil quando muda de gestão. Pelo fato de a cada quatro anos...você tem essa mudança. Dependendo de quem entra, não dá seguimento naquilo que começou” (E22).

Outro ponto que se insere na análise da rede de saúde de São Carlos é a tecnologia da

informação. Atualmente, o sistema conta com a Central de Regulação da Oferta de Serviços

de Saúde (CROSS), sistema por meio do qual a AB pode agendar as consultas e alguns exames nas demais unidades para os usuários. As vagas são disponibilizadas pelas unidades que ofertam o serviço e as demais fazem o agendamento da primeira consulta pelo sistema (possíveis retornos para acompanhamento do caso serão agendados posteriormente pela unidade que recebeu o paciente encaminhado). E18 conta como esse fluxo acontece entre a AB e a média complexidade: “existe um fluxo...paciente é atendido na rede básica, primeira consulta é lá. O clínico encaminha, eles é que agendam a primeira consulta. Nós marcamos o retorno. Ele sai da consulta, vai até o balcão e agenda o retorno. Mais de seis meses, o retorno passa a ser dado pela unidade básica de novo. Ele vai entrar numa lista da unidade básica e não daqui”. Para a gestão da saúde, a CROSS foi importante para a facilitar o agendamento de consultas e exames, mas ainda é um gargalo na atenção terciária e urgência e emergência. Esse trecho da entrevista de E11 reforça isso: “o CROSS na Atenção Básica ele é fundamental, mas quando você pega o CROSS na urgência e emergência você tem dificuldade. Do resto, na Atenção Básica, ele se tornou uma ferramenta crucial para reorganizar. Não existe furar fila, não existe um político influenciando pra você passar na frente, não pode, entendeu? Na questão dos hospitais, por exemplo UTI, você não sufoca as UTIs. A pessoa só vai quando tem leito de UTI disponível. Então, o CROSS na Atenção Básica foi maravilhoso, mas na urgência e emergência o feedback demora muito e acaba sacrificando o paciente” (E11).

O Departamento de Regulação da SMS também avalia a importância da CROSS para a rede, principalmente na AB, que fazia os agendamentos manualmente, mas reforça que ainda é preciso um sistema que congregue as informações de cirurgias. “Ainda, a gente não está com as cirurgias, mas é o próximo passo nosso também, que a gente tenha a lista de cirurgia, a gente tem um sistema interno, mas a gente também tenha isso para que possa visualizar nas unidades como está essa lista. Na hora que o usuário chega e quer saber como está, ele possa ser orientado” (E12). Para as unidades de AB – UBS e USF – a CROSS facilita o agendamento dos pacientes, mas não permite muita flexibilidade. Esse trecho da entrevista mostra isso: “Ele [CROSS] funciona engessado. Você vai marcar, mas as duas pernas engessadas. Ele tira minha autonomia. Apesar de falar você tem autonomia para tudo, eu perco isso” (E19).

A USE não tem todos os seus serviços disponíveis na CROSS, mantendo apenas as vagas de alguns ambulatórios e teste ergométrico. Nas entrevistas com as unidades da rede, essa questão não foi destacada como um problema. Para algumas entrevistadas da USE, a participação parcial da Unidade na CROSS é explicada pela especificidade das linhas de

cuidado e serviços oferecidos na Unidade. E7 relata isso: “Cada ação tem seus critérios para ser inscrito, mas nem o Acolhimento consegue fazer isso. Se eu pudesse inscrever, eu inscreveria todo mundo. E não é claro para mim enquanto Acolhimento. Ou está fechado para mim. Agora, se tiver uma maneira de saber de tudo o que acontece, nos pormenores, que tem um projeto…por exemplo, projeto de artrose, artrite com um tratamento de homeopatia e orientação de exercício é para pessoa entre 40 e 70 anos”. E8 tem a mesma compreensão: “[CROSS] não dá conta da complexidade. Porque ele precisa respeitar a ordem de chegada. Aqui, muitas vezes, não há um respeito pela ordem de chega. Por quê? A área de interesse”; e “a USE é um misto, não é só ambulatório médico que você marca consultas. Algumas especialidades aqui, de alguns ambulatórios, têm sim uma reserva de vaga no CROSS, mas como a gente vai deixar a cargo da SMS agendar os atendimentos se a gente não sabe que atividade que o professor vai trabalhar aquele semestre com os alunos? Tem casos que são interessantes para o professor atender porque ali é a prática do aluno. Se colocar todo mundo vai aparecer só dor no ombro. Porque acho que o CROSS é por chegada” (E4).

Para a gestão da USE compartilhar a agenda para a SMS inserir os serviços da Unidade na CROSS também envolve a questão das especificidades, mas abarca a autonomia dos docentes na oferta das atividades na USE. Neste trecho, E1 fala sobre isso: “Não temos governabilidade direta sobre isso [abrir agenda para a CROSS], pois depende da disponibilidade de cada profissional/docente que propõe atividade de ensino, pesquisa ou extensão na USE. Além disso, os docentes dependem do número de alunos presentes a cada trimestre/semestre na USE. Além disso, muitas áreas não possuem grande rotatividade de pacientes, como acontece na Fisioterapia e Terapia Ocupacional, por não terem locais no município para contra- referenciarem os casos crônicos, por exemplo, de saúde mental e pacientes neurológicos” (E1). No entanto, para uma das entrevistadas da USE-UFSCar, seria possível pactuar melhor essa questão da CROSS e inserir mais serviços no sistema, o que seria positivo para a imagem da USE no sistema: “A extensão, a assistência, a gente poderia colocar ações que são mais regulares, por exemplo, as de ensino, que ficam o ano todo e tal, poderiam estar no CROSS, e extensão, entendo que sim[...]Eu acho que isso é uma das coisas que poderia melhorar, melhoraria nossa imagem, inclusive. Mas eu acho que poderia, mas eu acho que o problema é que depende de uma pactuação. ‘Vamos colocar fisioterapia no CROSS, mas tem 10 subáreas, cinco querem e uma não...’” (E2).

Ainda sobre essa questão da CROSS, foi observado um desconhecimento/desalinhamento de informações sobre o sistema entre as profissionais do Acolhimento da USE. Enquanto, umas têm mais informação sobre isso, outras desconhecem o

procedimento. Há também um desencontro de informações sobre a conduta de atendimento dos pacientes que chegam via CROSS. Para algumas dessas entrevistadas, o usuário agendado via CROSS não passa pelo Acolhimento: “O Acolhimento é só para a gente fazer a inscrição do paciente para aquilo que não é direto. É só para gente entender quais são as atividades que ele poderia ser encaixado de acordo com os critérios de inclusão daquele estágio, daquele projeto. O que é CROSS nem passa pelo Acolhimento” (E5). Em contraponto a esse entendimento, outra profissional do Acolhimento afirma que o usuário agendado pela CROSS precisa passar por esse atendimento inicial na USE: “Olha, enquanto equipe do Acolhimento, eu não tenho muito conhecimento sobre isso. O que eu vivencio é: apenas as consultas médicas estão no CROSS. Ele [paciente] passa pelo Acolhimento porque precisa fazer um cadastro das informações. Ele passa no Acolhimento” (E7).

Além da inserção da USE na CROSS, outras relações da Unidade na rede também foram analisadas e serão apresentadas na subseção a seguir.