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5.1 CAMPO DE AÇÃO ESTRATÉGICA

5.1.4 Relação da USE com as demais unidades da rede

Como apontam Oliveira (2016), Mendes (2011) e Paulillo et al. (2016), a interação entre os integrantes da rede é fundamental para analisar o funcionamento da estrutura. Com foco na análise deste trabalho, a relação entre USE e os demais atores do sistema de saúde é importante para levantar os possíveis gargalos para os quais a comunicação, no seu âmbito, possa sugerir um caminho de resolubilidade.

Na visão da Secretaria Municipal de Saúde, a relação entre a USE e os outros equipamentos de saúde é adequada: “Eu acredito que é boa sim, eu nunca ouvi nada” (E11). Na visão da USE, a relação dela com as unidades acontece especialmente para tratar questões de referência e contra-referência de usuários e discutir, em poucas oportunidades, os casos de alguns pacientes: “A maior parte é isso mesmo, referência e contra-referência, mas já aconteceu de eu ligar na unidade para conversar com enfermeira de uma demanda de um paciente que está aqui, e que está aqui por ser uma unidade especializada, mas não é referência do cuidado, que é na unidade, para discutir o caso, ver como a gente pode articular esse cuidado aqui e lá na

Atenção Básica com o paciente” (E5). Para E9, a relação mais próxima com alguma unidade acontece quando há alguém da Universidade na rede: “Quando tem uma proximidade maior com a rede, que vai além disso, por exemplo ‘Vamos discutir o caso de um paciente’, é quando tem alguém nosso, da Universidade, na rede. Não é a rede, em si, vamos pensar, a rede municipal de saúde. Então, assim, pensando no cuidado, no plano terapêutico no usuário, se dá em alguns momentos, na minha experiência, quando tem alguém da Universidade, no caso, algum professor, lá na rede. Ou no HU, que tem quem já foi daqui e está lá e aí a gente tem acesso ao profissional, mas você vê que é... não é institucional, é pessoal”. E7 cita também canais de contato criados informalmente para agilizar a troca de informação entre as unidades: “A equipe do Acolhimento é um contato mais pontual, pessoal. Então, a gente liga nas unidades, a gente conversa com a enfermeira da unidade, com os demais profissionais. Nós temos também um grupo de WhatsApp que foi criado pelos fisioterapeutas da rede e esse grupo foi unindo muitas pessoas, inclusive a equipe do Acolhimento, de todas as especialidades. Agora a questão mais gerencial, né? Aí, a gente pressupõe que a direção faz essa comunicação, tá?” (E7).

A relação entre a USE e as demais unidades da rede foi algo bastante presente nas entrevistas. A USE entende que as unidades sabem da sua existência, mas desconhecem o seu papel, o que realmente executa e oferece ao cuidado em saúde da população. Essa fala de E3 exemplifica a colocação: “Olha, eu acho que às vezes compreender que a gente é um serviço de média complexidade. Esse é ponto principal. Eu acho que muitos serviços acreditam que a gente tem que atender tudo e alguns perfis de usuários não são perfis para média complexidade. Eu acho que umas das dificuldades é essa, os profissionais que estão fazendo o cuidado em saúde entenderem o que é a USE, pensando na sua essência de atendimento. E aí eu cito muito a questão da Fisioterapia porque é onde eu acho que tem mais problema de compreensão” (E3). Já para E8, a rede ainda conhece pouco o que a USE realmente desenvolve, e o que se sabe parte de pessoas que já estiveram na USE e hoje estão atuando na rede: “Algumas pessoas que já passaram, alguns preceptores, alguns médicos que estão na rede, já passaram de alguma forma por aqui ou conhecem a UFSCar, sabem da USE. Temos também, por exemplo, pessoas aqui da USE, profissionais que participam dos Conselhos Municipais. Mas, ainda há muito desconhecimento também por falta de vontade, que eu sinto. Mas, as pessoas que conhecem, assim, nós temos feito grande propaganda, tentando veicular informações sobre a nossa unidade, melhorando o site, eu sei que a gestão tem feito isso. Divulgando nossos números, nossos atendimentos, nossas atividades...tem sido feito esse esforço" (E8). Para E4, o desconhecimento da rede sobre o papel da USE tem ligação com todas das unidades envolvidas: “O desconhecimento é porque falha dos dois lados. Acho que se são serviços que, de certa

forma, são complementares, eu acho que deveria ter mais interfaces. Mais vivências, mais comunicação, mais acertos, né? E não tem” (E4).

Além das unidades de atendimento em saúde de São Carlos, a USE também se relaciona com outros atores que estão dentro da UFSCar, como os docentes, departamentos e a gestão da própria Universidade. Essa relação também foi abordada nas entrevistas e é considerada importante para avaliar esse campo em que o objeto de pesquisa está inserido. E1 explica essa relação com atores docentes e servidores da própria Unidade determina as vagas de atendimento oferecidas. “Cada supervisor/docente e servidor da USE disponibiliza o número de vagas para o acolhimento e cada um deles gerencia a abertura e fechamento da lista, com base nas altas de pacientes atendidos e/ou número de alunos durante os revezamentos de turmas de estágio”. E2 faz outras avaliações e levanta a necessidade da participação da USE em decisões referentes à graduação e estágios, por exemplo: “A gente faz essa pactuação, essa pactuação faz em negociação com os docentes. É claro, sabendo o que acontece aqui. Então, a gente sabe que vai ter um novo estágio, uma nova área, isso vai entrar na pactuação. Esse é o movimento. Como a USE, aí é uma questão interna que acho que é fundamental ser olhada...a relação da USE também com os departamentos. Isso é essencial, com os departamentos da UFSCar da área da Saúde, Psicologia, que não está na saúde, e com o CCBS. Porque eu acho que pega. Como eles não entendem? A USE não tem assento nesses conselhos, a USE não é chamada para discutir plano pedagógico, nada disso, ou mesmo grades de estágio, isso impacta bastante aqui. Todas discussões que a gente fica alheio e impacta aqui, porque a gente tem uma pactuação com eles. Então, também tem esse lado para eles. Principalmente, também, projeto de extensão” (E2).

Nesse contexto, a questão dos interesses dos atores é algo bastante citado entre os entrevistados. Reforça-se aqui a presença dos interesses dos diferentes atores dentro do campo de ação estratégica, como citam Fligstein (2001) e Candido et al. (2017). Os trechos a seguir das entrevistas mostram a existência desses interesses dentro da relação entre USE e docentes e departamento da UFSCar: “E também tem os nichos: ‘Olha, eu atendo ombro, a minha especialidade é ombro’. Então, assim, não importa que a maior parte das pessoas tem problema da coluna [...] Tem as especificidades de pesquisa e nem todo docente, profissional, aqui está interessado nessa vinculação com o SUS. Tem os interesses próprios da pesquisa, de publicação” (E7) e “A USE é composta por tantos atores com diferentes interesses. Muito forte a questão de interesses, a questão de não querer fazer o papel, de não ter tanta flexibilidade com relação a isso. Então, eu acredito que não porque a USE não é uma decisão da diretora. Como a gente não tem muito uma relação com os departamentos, apenas com os docentes que atuam

aqui com liberdade” (E2). E2, inclusive, defende a necessidade de explicitar para os docentes que é importante a USE estar integrada à rede até por questões financeiras: “Um lado nosso que a gente precisaria melhorar, até porque tentando fazer com que os docentes, principalmente, compreendessem que nós precisamos desse convênio inclusive financeiramente” (E2). E3 acredita que a própria UFSCar não compreende e reconhece o papel da USE: “A Universidade conhece a USE? Porque, às vezes, a gente fica falando da rede, ok, a gente tem as relações com o município. Mas que relação a gente estabelece com o nosso gestor local da Universidade? Então assim, são incômodos que a gente precisa provocar porque se é tão importante, se é tão necessário, que importância que os gestores, aí penso em gestor local, enquanto nosso superior direto, e gestores municipais, têm dado para isso, sabe?” (E3).

Algo que se destacou durante as entrevistas no contexto da relação entre USE e unidades foi a importância de aproximação entre todos esses atores. “eu acho que se a gestão quiser fazer diferente, eu acho que é começar por aí, é aproximar os serviços. Como aproxima serviços? Um indo para o espaço do outro, né? Para conhecer, para conversar, para propor, para ter interface, né?” (E4); “Os problemas estão centrados na dificuldade de negociação com os parceiros municipais, a demora nas tramitações e negociações de propostas encaminhadas e muitas vezes ausência de respostas; baixo reconhecimento por todo trabalho prestado à comunidade; falta de compreensão de como funciona um serviço-escola, sendo que a maior demanda de atendimentos vem da força tarefa e presença de estagiários/alunos, sendo o maior número de atendimentos ocorrendo no período letivo. Esses problemas poderiam ser resolvidos se houvesse maior aproximação e envolvimento das partes, com pactuações sólidas” (E1); “Então, essa aproximação seria muito importante para construir, para desenhar, redefinir o processo de trabalho” (E7).

Nesse contexto, E6 relata que a aproximação também ajudaria a exercer o papel formador da USE: “Eu penso que poderia ser importante. Eu acho que em primeiro lugar, a gente estaria cumprindo mais o nosso papel de universidade se a gente tivesse essa relação mais próxima. Porque a gente é uma unidade saúde escola e teria que ter esse diferencial de estar ajudando a qualificar o serviço em saúde, e não apenas reproduzir. E a gente acaba ficando soterrado pelas necessidades e pela falta de profissionais, né? E essa missão nossa pouco a gente dedica pra isso” (E6). E2 defende que a aproximação da USE com as unidades é que algo potencial que seria importante para a Unidade: “Com certeza, eu acho que isso poderia ser um diferencial que a gente não aproveita” (E2). A aproximação também tem base na literatura, por exemplo, quando Canzler et al. (2017) falam que, entre si, os atores levem em consideração uns

aos outros em suas ações para se construir regras dentro do espaço social (campo) ainda emergente.

Essa abordagem da importância da aproximação entre a USE e as demais unidades da rede está bastante atrelada à comunicação entre os atores. Essa temática será analisada a seguir.

5.2 COMUNICAÇÃO

Essa parte da análise destina-se a apresentar o que foi observado nas entrevistas relativo à comunicação dentro da rede, compreendendo o fluxo de informação sobre a rede entre as unidades, os canais de contato, ações e produtos de comunicação que podem facilitar e agilizar esse fluxo.

Para Pitta e Magajeswski (2000), a comunicação é um meio de construção e implementação de políticas públicas uma vez que colabora com a tomada de decisões, amplia a participação e o debate e negocia com a pluralidade de interesses da sociedade e do território. Silva e Rocha (2013) expõem que a comunicação é uma premissa da participação dos usuários no SUS por fortalecer a cultura popular, auxiliar a construção de projetos terapêuticos comprometidos com a vida e os direitos dos usuários. Além disso, a comunicação, em seu sentido mais básico e singular, é tornar algo comum, é a troca de informação entre indivíduos por meio da fala, da escrita, de um código comum e até do próprio comportamento.

Antes de analisar os destaques levantados nas entrevistas, essa subseção destaca alguns conceitos e achados na literatura que reforçam a relevância do uso da comunicação em saúde. Montoro (2008), por exemplo, coloca que as práticas de comunicação em saúde devem se constituir em estratégias de promoção da saúde e serem mobilizadoras de ações intersetoriais. Além da difusão de informações, ela ser precisa educativa e um referencial para a mudança de atitudes e de comportamento. Nesse seguimento, Pitta e Rivera (2006) defendem a importância de a saúde estar no cotidiano das pautas, mas sempre adaptada às necessidades e contextos do público, que variam diariamente.

Nesse propósito, Araújo et al. (2009) reforçam que, atualmente, a comunicação em curso no SUS segue pela linha da transmissão da informação, sendo mais centralizada, verticalizada e unilateral, com pouco espaço para escuta. Para os autores, a dificuldade da atual comunicação em saúde estar mais próxima da realidade e das necessidades de saúde do público residem no campo das disputas políticas, ideológicas, econômicas e culturais, na falta de recursos e infraestrutura técnica, em estratégias voltadas apenas à visibilidade midiática de gestores ou organizações e ao perfil dos profissionais mais ligado à lógica de mercado.

Dellazzana (2012), cita que nas organizações de saúde a preocupação com a comunicação é constante, visto que algumas já dispõem de assessorias na área, mas focadas na comunicação interna, visando melhoria da qualidade do trabalho, e na comunicação externa, pensando na criação e manutenção de uma imagem positiva junto aos seus usuários, mas pouco voltadas para as reais de necessidade de informação em saúde dos seus públicos. Neste caso, Silveira et al. (2010) destacam que ainda há pouco preparo dos gestores de saúde em planejar a comunicação e a educação permanente dos profissionais/gestores de nível central da Atenção Básica. Além disso, Pitta e Rivera (2006) reforçam a importância das duas áreas – comunicação e saúde - trabalharem juntas na compreensão da necessidade de informação do público e executarem ações conjuntas desde o planejamento.

Iniciando a análise das entrevistas dentro da temática da comunicação, há um consenso entre todos os entrevistados de que a comunicação na rede de saúde de São Carlos é falha. Vários trechos de entrevistas podem reforçar essa avaliação dos entrevistados, mas destacamos alguns para ilustrar esse apontamento: “as comunicações são muito falhas entre as pessoas que fazem parte do serviço” (E22); “Eu acho que a dificuldade é de comunicação, né? A comunicação desde entender o papel da USE, que eu já falei, até essa comunicação da gente conseguir dizer para eles quais são as ações que a gente está oferecendo, quais são temporárias, quais não são” (E6); “Acho que é uma rede muito grande de profissionais que atuam na área da Saúde e não tem um fluxo sistematizado para essa comunicação” (E10); “A comunicação [é uma dificuldade da relação entre USE e outras unidades]. Primeiro que, assim, cada vez que a gente liga é uma pessoa, nas experiências que eu tive. Então, cada um vai propondo uma ideia. Aqui também a gente vê essa mudança. Então, acho que a comunicação é uma falha. E, assim, a ausência de uma equipe estruturada lá interfere também nesse nosso encaminhamento, na referência e contra-referência” (E8); “A gente tem necessidades também na questão da comunicação, isso é uma coisa que permeia toda a atenção, entendeu? De como se dá essas articulações porque são vários atores envolvidos” (E12); e “essencial porque a gente identifica que grande parte dos problemas, dos ruídos se originam na comunicação, na falta dela, dela ser deficiente e tudo mais. Com certeza, mas, assim, é…desafio é conseguir estruturar realmente um plano de comunicação para a unidade. E a gente conseguir viabilizar” (E2).

Diante dessa constatação por meio das entrevistas, essa parte do presente trabalho vai avaliar, a seguir, essa questão da comunicação em diferentes frentes de análise.