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5.1 CAMPO DE AÇÃO ESTRATÉGICA

5.1.3 USE na rede

Outro ponto que foi avaliado durante as entrevistas foi a presença da USE na rede, com a ideia de verificar como a própria Unidade se posiciona nesse campo e como as demais unidades percebem o papel da USE no sistema de saúde.

A USE já foi apresentada em seção anterior neste trabalho, mas destaca-se aqui os trechos das entrevistas que abordam esse tema. E1 cita que a “A USE está inserida como um Serviço de média complexidade/atenção especializada, onde recebe pacientes referenciados de todos os pontos de atenção à saúde de São Carlos e microrregião, além de serviços sociais e de educação. Oferta serviços compostos por 11 ambulatórios médicos, 10 especialidades em Fisioterapia, 4 especialidades em Terapia Ocupacional, além da assistência em Psicologia, Serviço Social, Enfermagem, Fonoaudiologia e Farmácia”. E2 complementa que “A relação dela [USE] é como prestadora de serviços, ela não é uma unidade da rede, ela integra a rede, mas não pertence à rede”. Além disso, E2 explica que a questão financeira também é relevante na presença da USE na rede: “Uma questão também é financeira porque a gente tem a questão de que a Universidade, ela não tem vindo recursos, a gente tem muita dificuldade, são processos eternos na pró-reitoria”.

Outro objetivo destacado para a presença da USE na rede é a necessidade de ter os usuários para atendimento como forma de preparar os profissionais em formação. Nesse aspecto, E2 destaca uma relação mútua em que a rede também precisa da Unidade para atender

as demandas de saúde da população: “Exercer o papel social da Universidade. Possibilitar o desenvolvimento das ações de ensino, pesquisa e extensão porque sem esse público não tem como ser realizado. A gente precisa, eu acho, que é uma relação assim mútua, a rede precisa da gente e a gente precisa da rede. Então, acho que um objetivo é esse, de poder ter o público para suas ações” (E2).

Entre os diferenciais da USE, as entrevistadas destacam o trabalho interprofissional, a formação dos alunos e as ações de pesquisa e extensão, conforme essas falas enunciam: “Assistência de qualidade, serviço humanizado, acolhedor e gratuito. A educação e a pesquisa acontecem de forma integrada com assistência aos usuários do SUS e por meio de capacitação de recursos humanos que atuam na área da saúde. Ainda, integra ações de docentes e alunos dos cursos de engenharias e de Libras, para fortalecer a integralidade do cuidado em saúde. Os atendimentos são realizados por docentes, profissionais de saúde da Unidade e, principalmente, por estagiários dos cursos da UFSCar como Fisioterapia, Gerontologia, Medicina, Psicologia e Terapia Ocupacional. Ressalta-se que a USE é o único serviço de Fisioterapia na atenção especializada de São Carlos e microrregião. Devido a presença dos profissionais e alunos/estagiários dos diferentes cursos da área de saúde é possível o trabalho interprofissional. Isso promove o olhar ampliado em saúde, com foco no modelo biopsicossocial, favorecendo a identificação de necessidades dos pacientes e de seus cuidadores”. (E1); e “Trabalho interprofissional, acolhimento com escuta qualificada, presença de estagiários e estudantes de pós-graduação, trabalhando com prática baseada em evidência. Além disso, o serviço de Fisioterapia é o único serviço na atenção especializada de São Carlos e microrregião” (E2).

Na avaliação da USE pelos representantes das unidades da rede pode-se observar que a gestão da saúde no município faz uma análise positiva da Unidade. Os trechos a seguir reforçam isso: “Eu sou meio suspeito em falar porque eu conheci a USE. A qualidade do trabalho, o dimensionamento, o referenciamento das pessoas, o trato às pessoas, a resolutividade do tratamento é crucial[...]A nossa intenção com a USE é expandir, melhorar e ampliar, dentro das nossas possibilidades orçamentárias. A USE, hoje, é uma realidade na cidade de São Carlos, eu tenho um... através da nossa Regulação, nós tivemos contato com pacientes que lá vão e o grau de satisfação é, se não for 100% é 99%[...]A USE, por ter o aporte de uma universidade federal, ela tem uma dinâmica um pouco diferente dos outros segmentos do mesmo setor. Então, você observa que é uma coisa diferenciada, né? Você percebe que o paciente com a mesma patologia, tratado, não menosprezando os setores, mas a UFSCar é uma referência mundial, ela não é uma coisa….então, a gente percebe que o tratamento, a evolução do tratamento é muito mais rápida, você vê o avanço dos pacientes no trato, nas patologias,

principalmente, na questão de deficiente, pessoas com certa gravidade de lesões, você percebe que a USE tem sido objeto de sucesso no trato a esses tratamentos” (E11). “[A USE] atende bastante, muitas das nossas necessidades. Apesar da gente saber que é, às vezes, específico, tem todo um protocolo de encaminhamento, não é todo caso que a gente consegue, mas ainda a gente, pelo o que o Departamento coloca, mesmo às vezes não estando no protocolo, tem uma facilidade no sentido de conversar com alguém lá, rever, conseguiria dar um apoio. Muitas vezes, parece que isso é possível, é o que eles me apontaram lá” (E12).

Para as demais unidades da rede que encaminham pacientes para a USE, a avalição dos serviços prestados pela Unidade é suficiente, mas há uma insatisfação sobre a interrupção dos atendimentos durante as férias acadêmicas que, na visão dos entrevistados, não é positiva. “O que eu sinto aqui é que esses períodos de recesso o paciente fica perdido e não tem para onde ir. Então, aí ele tem que ficar em casa esperando até voltar o atendimento porque não tem mais para onde encaminhar. Então, eu sinto que prejudica. Eles sentem isso, ‘Ah, mas eu liguei lá e volta só dia tal, e agora? Para onde eu vou? Eu tenho que ficar esperando? Não tem para onde ir” (E14); “A gente não tem tido problema. Todos os pacientes que a gente encaminha não voltam reclamando que não conseguiram agendamento. Acho que todo mundo consegue passar no Acolhimento e acho que consegue agendar a consulta no dia e horário” (E20); “Se a atuação [da USE] é suficiente? Dentro do propósito dela, sim. A demanda do município, se a gente for tratar o município, mas pelo propósito dela, eu acredito que se enquadra” (E16); e “A USE sabe que tem todo um cuidado, que a Psicologia e a Fisioterapia de lá é de excelência, só que a gente sabe que não dá pra lotar. Então, a gente acaba mandando, dependendo do caso, seleciona alguns mais complexos e manda para a USE e os casos mais simples para as outras unidades, sabendo que a USE tem um grau de complexidade para atender um grau de complexidade maior” (E17). Por fim, E18 relata que “O atendimento tem bastante resolutividade, é bom o atendimento, mas a questão é essa, a demora para começar o atendimento” (E18).

Em relação à essa questão de seguir o calendário acadêmico, representantes da USE afirmam que a Unidade tem sua força de trabalho principal nos estagiários e, por isso, seu atendimento é consideravelmente reduzido nos períodos de férias letivas, devido à ausência dos alunos. Mas, como expõem os entrevistados, isso é característica da Unidade e está atrelado ao seu papel de formação dos futuros profissionais. Os trechos extraídos das entrevistas com os representantes da USE demonstram isso: “Somos uma unidade escola, que a gente não tem corpo técnico aqui. Quem toca os serviços são os alunos. São 40 alunos e temos três fisioterapeutas, uma da área de cardiovascular, um de respiratória e um de ortopedia. Qual é a capacidade de atendimento? 40 alunos x 3 profissionais? Claro que vai ater oscilação sim, nos

meses de férias, a gente tem que seguir a lei do estágio” (E2) e “E acaba sendo o plano A para suprir, e a USE não deveria ser, porque a gente aqui é ensino, a gente tem um período que oferta a maioria das ações, que é o período letivo. Não tem como oferecer quando não é letivo. E isso é um impacto na rede, isso é um impacto na rede porque a USE não atende nas férias. Não atende mesmo, aqui também tem interesse de pesquisa, aqui é ensino. Então, nossas sessões duram 50 minutos, nossas ações são individuais, em duplas, algumas coisas são em grupo. A gente preza pelo ensino, então aqui tem um jeito de funcionar que não deveria suprir a necessidade da rede. Seria um algo mais” (E7).

É importante destacar que, entre as unidades que mais encaminham pacientes para a USE, foram citadas as especialidades de Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Pediatria como as que mais têm necessidade de atendimento na Unidade. Entre as unidades que menos encaminham os pacientes para a USE, a principal indicação para isso foi a grande distância da USE em relação às unidades e o baixo poder aquisitivo dos usuários das regiões, que teriam mais gastos para deslocamento: “Mas, aqui é bem difícil, é uma coisa, assim, às vezes, tem paciente que você poderia até encaminhar para a USE, mas você acaba encaminhando para outro serviço ou tentando resolver de outra forma por causa da distância[...]E pelo fato também de eles serem carentes, é uma população que não tem tantas condições. Então, tem essa dificuldade, a carência financeira e a distância”. (E23) e “Além dessa dificuldade [parar nas férias acadêmicas], a gente tem um pouco de resistência, apesar que as unidades fazem um trabalho de conscientização dos usuários, de distância. Eu tenho bastante dificuldade de regiões distantes, é difícil a gente conseguir a adesão de um paciente porque ele, muitas vezes, não tem condições de bancar o transporte. A gente percebe mais isso nos usuários da região mais distante” (E12).

Antes de finalizar essa subseção, há uma compreensão muito importante da USE em relação à sua presença na rede que se direciona para o fato de a Unidade precisar conhecer a realidade local e buscar ofertar serviços que atendam essa demanda, para além dos interesses de ensino e pesquisa. “[A USE] está formando profissionais para o SUS, na minha visão. Não tem como formar profissionais para o SUS dissociado da realidade local do SUS. Então, colada à realidade local até acho que, talvez, pudesse pensar em ser...um pouco mais próximo ainda dessa realidade. Eu não vejo ainda...isso não é uma questão só da USE, acho que os serviços em geral, de partir um pouco mais da necessidade local. Porque como tem a questão da Universidade, às vezes, também tem um interesse...tudo é interesse. Então, também tem um interesse, um desejo pessoal do docente, dentro da expertise dele e tudo mais, e nem sempre isso está tão articulado. Porque, eu imagino...poderia se partir de indicadores do município para

pensar em ações. Nem sempre isso ocorre. Acho que é isso” (E2). Essa análise da entrevistada vai ao encontro do que foi apresentado por Canzler et al. (2017) quando apontam que a defesa dos interesses é fator preponderante para o movimento dos atores dentro do campo e propicia que, entre si, os atores levem em consideração uns aos outros em suas ações para se construir as regras dentro campo ainda emergente. Em uma associação com as ideias defendidas por Tureta e Júlio (2016), conhecer a realidade local do SUS pode ser uma estratégia fundamental para a USE. Os autores apontam que a estratégia pode ser mais explorada ao se extrapolar a organização, saindo em direção ao campo organizacional, já que o estrategizar, assim como outras práticas sociais, está profundamente relacionado ao seu contexto.

Essa indicação de conhecer a realidade local, o que envolve o campo como um todo, incluindo seus atores e demandas, também está relacionada à habilidade social mencionada por Fligstein (2001). Para o autor, os atores hábeis – neste caso, esse ator seria a USE – se relacionam empaticamente com as situações de outras pessoas e, ao fazê-lo, são capazes de fornecer razões para que elas possam cooperar. Essas habilidades sociais permitem que os atores-chave utilizem essas compreensões para oferecer uma interpretação da situação e definam ações condizentes com os interesses e necessidades identificados.

Outro ponto abordado nas entrevistas é a relação da USE com as demais unidades da rede que será tratada na próxima subseção.