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As condições de saúde do trabalhador rural, evidenciam uma situação mais precária se comparada com a da população urbana. No campo e na floresta, ainda existem limitações de acesso e qualidade nos serviços de saúde, bem como uma deficiência na área de saneamento ambiental (ULBRICHT, 2003).

O trabalho, sendo ele urbano ou rural, pode provocar acidentes ou doenças de forma mais freqüente do que se imagina, dessa forma ações destinadas à promoção, a proteção, a recuperação e a reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho devem ser enfocados. A Saúde do Trabalhador é uma área técnica da que busca intervir na relação entre o sistema produtivo e a saúde, de forma integrada com outras ciências da saúde, que visa à preservação da saúde dos trabalhadores com a finalidade de desenvolver ações que promovam a melhoria dos processos e ambientes de trabalho, e a redução das doenças e acidentes do trabalho (MENDES, 1995).

Todos os trabalhadores urbanos e rurais das cidades grandes e pequenas, do setor formal ou informal e até mesmo os desempregados deverão ter acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde do trabalhador. Este aspecto é de grande significado, pois,

tradicionalmente, as ações do setor trabalho e da previdência social restringiam-se aos trabalhadores do setor formal, especialmente nos maiores centros urbanos.

Os serviços de saneamento oferecidos à população do meio rural apresentam déficit de cobertura, pois apenas 32,8% dos domicílios rurais estão ligados à rede de distribuição de água, enquanto a maior parte dessa população (67,2%) capta água de chafarizes e poços (protegidos ou não) diretamente de cursos de água sem nenhum tratamento ou de outras fontes alternativas, geralmente insalubres.

De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2006, esse cenário contribui, direta e indiretamente, para o surgimento de doenças de veiculação hídrica, de parasitoses intestinais e de diarréias, as quais são responsáveis pela elevação da taxa de mortalidade infantil (BRASIL, 2012a).

Conforme o Plano Nacional de Saúde:

[...] no campo brasileiro são encontrados os maiores índices de mortalidade infantil, de incidência de endemias, de insalubridade e de analfabetismo, caracterizando uma situação de enorme pobreza decorrente das restrições ao acesso aos bens e serviços indispensáveis à vida (BRASIL, 2005, p. 86).

De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 88% dos casos de doenças diarréicas são decorrentes do abastecimento de água insalubre, de esgotamento sanitário inadequado e de higiene deficiente. Assim, a melhoria do abastecimento de água reduz entre 6% a 21% a sua morbidade; a melhoria do esgotamento sanitário reduz a sua mortalidade em 32%; as medidas de higiene podem reduzir o número de casos em até 45% e, por fim, a melhoria da qualidade da água para o consumo, por meio de seu tratamento doméstico, pode reduzir de 35% a 39% os episódios dessa doença (BRASIL, 2012a).

Outros aspectos - como a dispersão física dessa população, problemas socioeconômicos aliados à ausência ou à insuficiência de políticas públicas de saúde e de saneamento e a escassez de recursos aplicados nessas comunidades – têm contribuído para consolidar este grave quadro de carências, característico da área rural do País. A saúde dos trabalhadores também é condicionada a fatores sociais, raciais e de gênero, econômicos, tecnológicos e organizacionais relacionados ao perfil de produção e consumo, além de fatores de risco de natureza física, química, biológica, mecânica e ergonômica presentes nos processos de trabalho particulares.

Os acidentes e as doenças relacionados ao trabalho são agravos previsíveis e, portanto, evitáveis. As dores osteomusculares também podem estar associadas a uma sobrecarga do trabalho braçal. O setor agrícola participou com 3,9% do total de acidentes registrados em 2008, conforme o Anuário Estatístico da Previdência Social. Entre as doenças relacionadas ao trabalho, as mais frequentes são as lesões por esforços repetitivos/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Ler/Dort), as formas de adoecimento mal definidas e o sofrimento mental, que convivem com as doenças profissionais clássicas como a silicose e as intoxicações por metais pesados e por agrotóxicos (BRASIL, 2008).

Destaca-se, assim, a importância de informações específicas sobre a saúde das populações do campo e da floresta nos sistemas de informação do Sistema Único de Saúde (SUS), possibilitando a identificação dos agravos relativos a essas populações. Um aspecto importante, quando se trata da saúde da população do campo e da floresta, diz respeito ao uso de agrotóxicos. De acordo com os dados apresentados nos Dossiês da Abrasco (2012a; 2012b), o processo produtivo agrícola brasileiro está cada vez mais dependente dos agrotóxicos e fertilizantes químicos. Enquanto o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o mercado brasileiro cresceu 190% nos últimos dez anos. Se o cenário atual já é suficientemente preocupante, do ponto de vista da saúde pública, as perspectivas são de agravamento dos problemas nos próximos anos. Os impactos à saúde pública são amplos e podem atingir vastos territórios e envolver diferentes grupos populacionais, como trabalhadores de diversos ramos de atividades, moradores do entorno de fábricas e fazendas, além de todos os consumidores de alimentos.

Quanto à utilização de agrotóxicos, ainda falta orientação técnica, segundo o IBGE (2006): mais da metade (56,3%) dos estabelecimentos onde houve utilização de agrotóxicos não recebeu orientação técnica necessária para garantir a saúde de seus usuários. Este resultado é particularmente revelador quando relacionado ao nível de instrução. Dos produtores com instrução igual ou inferior ao ensino médio incompleto, apenas 16,8% receberam assistência técnica. Nos estabelecimentos onde houve aplicação de agrotóxicos, 77,6% dos responsáveis pela direção declararam ter ensino fundamental incompleto ou nível de instrução menor. Como as orientações de uso de agrotóxicos que acompanham tais produtos são de difícil entendimento, o baixo nível de escolaridade, incluindo os 15,7% que não sabem ler e escrever, está entre os fatores socioeconômicos que potencializam o risco de intoxicação pelo produto (IBGE, 2009).

Ainda de acordo com o IBGE (2006), em relação aos estabelecimentos que utilizam agrotóxicos (quase 27%), o pulverizador costal é o equipamento de aplicação que apresenta maior potencial de exposição aos agrotóxicos e corresponde à maioria deles (70,7%). Dos estabelecimentos que utilizam agrotóxicos, 21,3% não utilizaram nenhum equipamento de proteção individual (EPI). Finalmente, mais de 25 mil pessoas declararam estar intoxicadas e 47,5 mil disseram não saber (IBGE, 2009).

A morbidade referida no meio rural aponta para uma maior porcentagem de indivíduos com diarréia, vômito e com dores nos braços ou nas mãos, em relação à área urbana. Também na área rural, a falta de esgoto e de água encanada e potável é bem maior do que na área urbana, o que pode estar associado à ocorrência de doenças caracterizadas por sintomas gastrointestinais.

A atenção a saúde dos trabalhadores rurais demonstra algumas especificidades entre elas, a dispersão e heterogeneidade e as condições de vida e dificuldades para as ações de fiscalização dos ambientes e condições de trabalho e de vigilância da saúde. Entre as políticas setoriais que focalizam a produção e distribuição de bens (vindos da transformação da natureza) e elaboração de serviços na área rural estão os Ministérios da Agricultura e Desenvolvimento Agrário, Indústria e Comércio; Desenvolvimento e Ciência e Tecnologia. (BRASIL, 2012a)

As atividades para o desenvolvimento de políticas fundiárias que garantam o acesso a terra para aqueles que querem produzir e permitam o acesso aos meios e recursos tecnológicos, assistência técnica e financiamento e garantia de comercialização são rudimentares e precisam receber apoio para que dêem conta de garantirem a qualidade de vida para a população. No contexto governamental, as políticas de saúde do trabalhador rural estão sob a responsabilidade dos Ministérios da Saúde, do Trabalho, da Previdência Social e do Meio Ambiente. Nesse panorama, o SUS adota um papel social diferenciado, pois é a única política pública de cobertura universal para o cuidado da saúde dos trabalhadores (DIAS, 2006).

No atual contexto político e social existe a presença marcante do trabalhador rural, na prestação de serviço para terceiros ou em atividade organizada como agricultura familiar. A evolução tecnológica e o aumento do consumo de agroquímicos de uso veterinário e agrícola, inseticidas, fungicidas e herbicidas, têm posto a saúde do trabalhador rural em riscos. Nas atividades exercidas pelo trabalhador rural como a agricultura, a pecuária, a silvicultura, a exploração florestal e aqüicultura, as grandes transformações tecnológicas modificam o

cotidiano laboral nesses setores, gerando os acidentes de trabalho, pela falta de treinamentos no uso desses equipamentos modernos, pela sobrecarga do turno de trabalho e com o consumo inadequado dos insumos químicos.

Para Fehlberg et al (2001) os trabalhadores rurais estão constantemente expostos a muitos agentes, como os mecânicos ou de acidentes, físicos, químicos e biológicos que podem causar lesão corporal ou perturbação funcional, permanente ou temporária da capacidade para trabalhar. Os acidentes de trabalhos que ocorrem no meio rural envolvem todos os inúmeros agentes nocivos e agressivos prescritos pela teoria de risco, mas o grau de risco varia segundo a atividade específica presente nos vários setores produtivos. Assim, a cada atividade que permeia o meio rural, seja na produção agrícola ou na criação de animais domésticos, encontram-se os agentes: químico, físico, biológico, ergonômico e mecânicos, peculiares e representativos nos agravos a saúde do trabalhador, conseqüentemente traduzidos como acidentes de trabalho

Para Barbosa Filho (2001) e Zocchio (2002), acidente de trabalho no meio rural é todo acontecimento anormal que interrompa a produção por um intervalo de tempo curto ou longo, provocando lesões corporais, perda de tempo e/ou danos materiais. A gravidade é medida pela intensidade das lesões corporais e pelo tempo de afastamento do trabalhador. É importante ressaltar que o ambiente laboral do trabalhador rural apresenta uma conotação diferenciada dos outros ambientes de trabalho, uma vez que executa suas atividades no mesmo local onde habita. Assim, a inter-relação entre o trabalho e o homem, amplia-se na medida em que o significado entre viver e trabalhar é valorizado.

Sabe-se que todo trabalhador no exercício de sua profissão, dentro das especificidades de cada uma, está sujeito à probabilidade de vivenciar um acidente de trabalho. No entanto, algumas atividades profissionais apresentam maiores incidências de acidente, isto ocorre em decorrência do descaso social e pela desinformação do trabalhador, que não percebem os perigos ou precisam sujeitar-se a situações de trabalho desfavorável a dignidade humana (BARBOSA FILHO, 2001; ZOCCHIO, 2002).

Na teoria de riscos de acidentes os autores como Barbosa Filho (2001) e Zocchio (2002) apontam como principais agentes de riscos ocupacionais presentes no ambiente de trabalho os físicos, químicos, ergonômicos, mecânicos ou de acidentes e biológicos. A esses autores somam-se as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho que traz no seu bojo os conceitos e as medidas preventivas referentes às diversas atividades regidas pelas múltiplas ciências.

1.3.1 Bases legais da atenção à saúde dos trabalhadores rurais

Conforme Dias, na legislação vigente que trata especificamente do trabalho rural destacam-se:

O Art. 7º da A Constituição Federal determina que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (2006, p.20).

O Ministério de Estado do Trabalho e Emprego, atendendo aos mandamentos do artigo 13 da Lei nº. 5.889 de 1973, através da Portaria nº. 86 de março de 2005, aprovou a Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aqüicultura – NR 31.

De acordo com o Serviço Especializado de Segurança e Saúde no Trabalho Rural – SESTR, a NR 31 traz exigência para constituição de serviço especializado, destinado ao desenvolvimento de ações técnicas, integradas às práticas de gestão de segurança, saúde e meio ambiente de trabalho, para tornar o ambiente de trabalho compatível com a promoção da segurança e saúde e a preservação da integridade física do trabalhador rural (BRASIL, 2005).

O serviço especializado tem diversas atribuições previstas na norma regulamentadora, entre elas a de assessorar tecnicamente os empregadores e trabalhadores rurais, identificar e avaliar riscos de segurança e saúde dos trabalhadores, indicar medidas de eliminação, controle ou redução de riscos. Entretanto, que uma das principais atividades previstas para o serviço especializado, na NR 31, é o de promover e desenvolver atividades educacionais voltadas para os trabalhadores rurais (BRASIL, 2005).

Para Dias (2006) a Lei nº 5889 de 08.06.73, estabelece em seu Art. 13: “Nos locais de trabalho rural serão observadas as normas de segurança e higiene estabelecidas em portaria do Ministro do Trabalho”;

• Portaria nº 3067, de 12.04.88, aprovou as Normas Regulamentadoras Rurais (NRR)

NRR 1 - Disposições Gerais. As Normas Regulamentadoras Rurais - NRR, relativas à segurança e higiene do trabalho rural são de observância obrigatória, conforme disposto no art. 13 da Lei n° 5.889, de 08 de junho de 1973. A observância das NRR não desobriga os empregadores e trabalhadores rurais do cumprimento de outras disposições que, com relação à matéria, sejam baixadas pelos estados ou municípios, bem como daquelas oriundas de acordos e convenções coletivas de trabalho.

NRR 2 - Serviço Especializado em Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural – SEPATR. A propriedade rural com 100 (cem) ou mais trabalhadores é obrigada a organizar e manter em funcionamento o Serviço Especializado em Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural - SEPATR.

NRR 3 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural. O empregador rural que mantenha a média de 20 (vinte) ou mais trabalhadores fica obrigado a organizar e manter em funcionamento, por estabelecimento, uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural - CIPATR.

NRR 4 - Equipamento de Proteção Individual - Considera-se EPI, para os fins de aplicação desta Norma, todo dispositivo de uso individual destinado a preservar e proteger a integridade física do trabalhador. O empregador rural é obrigado a fornecer, gratuitamente, EPI adequados ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento.

NRR 5 - PRODUTOS QUÍMICOS - trata da manipulação, preparo, aplicação, equipamentos de aplicação, embalagens, restos de produtos, armazenagem e transporte de agrotóxicos e afins, fertilizantes e corretivos. Dispõe, ainda, sobre a aplicabilidade, no trabalho rural, da Norma Regulamentadora.

Para melhorar o acesso e a qualidade de vida, destes trabalhadores, as ações precisam considerar a diversidade desses grupos populacionais e seus processos de produção e reprodução social, respeitando o conjunto de suas crenças e seus valores, adequando-se aos modelos e princípios de desenvolvimento sustentável. Sua viabilidade e efetividade dependem de maiores investimentos e do avanço dos processos de descentralização que vêm ocorrendo nos municípios brasileiros que abrigam as populações amparadas por esta política. Exige também um processo ágil de educação permanente dos trabalhadores de saúde e dessas populações, de modo a aumentar a compreensão de ambos sobre as especificidades da relação entre o processo de trabalho no campo, na floresta, nas águas e na saúde.

1.4 A ERGONOMIA COMO FERRAMENTA PARA ESTUDAR O TRABALHO