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Atividade Física nas Escolas como Atividade Curricular e Extra-Curricular

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 4 – Motricidade Humana em Portugal: Enquadramento Político e Familiar

4.2. Atividade Física nas Escolas como Atividade Curricular e Extra-Curricular

A escola e a família constituem dois contextos de socialização e desenvolvimento fundamentais, mas que não podem existir de forma independente. A interrelação entre ambas pode visar não só o desenvolvimento humano mas também as aprendizagens. As variáveis familiares podem contribuir para promover ou não fatores interpessoais nomeadamente de implementação de hábitos de estudo com influência propulsora ou inibidora do desempenho académico (Dessen & Polonia, 2007).

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O desempenho escolar tem vindo a adquirir uma importância e atenção crescentes na política educativa e nas dinâmicas de organização escolar. A diminuição da relevância das aulas de EDF tem fragilizado as oportunidades dos alunos serem indivíduos mais ativos e comprometendo estratégias de estilos de vida saudáveis. Por outro lado, a atual pandemia de inatividade física ameaça a saúde física e cognitiva em todas as fases da vida. Apesar do ênfase dos benefícios da atividade física e das preocupações com a saúde pública, à saúde cognitiva da população, em geral, não tem sido dispensada a devida atenção. A tese de Oliveira (2017) teve como principais objetivos, analisar a associação da atividade física e da aptidão cardiorrespiratória no desempenho escolar, averiguar o duplo benefício da aptidão cardiorrespiratória na saúde física e cognitiva e perceber a importância de altos níveis de intensidade da atividade física na aptidão cardiorrespiratória e no desempenho escolar. O estudo envolveu 1222 crianças e adolescentes entre os 10 e os 18 anos de escolas públicas da área do grande Porto. Para a avaliação das variáveis principais do estudo foram utilizadas medidas objetivas. A AF foi aferida através de acelerómetros e a aptidão cardiorrespiratória estimada a partir do teste 20m Vaivém. O índice de massa corporal, o perímetro da cintura e a pressão arterial sistólica e diastólica foram medidos através de procedimentos padronizados. As amostras sanguíneas foram recolhidas para determinar os níveis de colesterol de alta densidade, colesterol de baixa densidade, triglicerídeos e glicose em jejum; e o desempenho escolar, aferido pelos registos escolares do final do ano letivo nas disciplinas de português e matemática. Os resultados revelaram que a atividade física moderada a vigorosa e a atividade física vigorosa estão correlacionadas com a aptidão cardiorrespiratória que, por sua vez, está associada a melhores resultados escolares e à redução dos fatores de risco metabólico/ou cardiovascular. Os resultados apontam, ainda, efeitos significativos dos níveis de atividade física vigorosa no desempenho escolar. Oliveira concluiu, à semelhança de outros autores, que a AF moderada a vigorosa tem um papel importante na saúde em geral. Em particular, a AF vigorosa, para além de contribuir para a melhoria da saúde em geral, poderá também apresentar uma nova estratégia na otimização do rendimento escolar (Oliveira, 2017).

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Apesar dos benefícios da prática regular de AF, tem-se observado uma tendência para a redução da carga horária alocada à disciplina de educação física, substituindo-a por outras disciplinas de cariz mais teórico na tentativa de aumentar o rendimento académico (RA) através das classificações obtidas nas mesmas (matemática, língua materna e restantes disciplinas científicas) (UNESCO, 2014).

A área curricular de EDF, no ensino português faz parte do currículo obrigatório e constitui-se como um meio para a prática de AF para todas as crianças e jovens, independentemente do seu estatuto socioeconómico (Mota et al., 2015). A AF nas escolas está disponível nas aulas de EF, no desporto escolar e nas atividades de enriquecimento curricular e extra-curricular.

A Direção Geral da Educação (DGE) (Direção-Geral da Educação, 2017b) reconhece a importância da disciplina de EDF no currículo dos alunos em todos os níveis do ensino, enquanto promotora do seu desenvolvimento global de estímulo ao raciocínio e à resolução de problemas complexos. Os conteúdos programáticos da EDF pretendem garantir um conjunto de competências (conhecimentos, capacidades, atitudes e valores) orientadas para a promoção de uma cidadania responsável, ativa e saudável. Esta disciplina tem como objetivos: desenvolver a aptidão física em prol de uma melhoria da saúde, da qualidade de vida e do bem-estar em geral; compreender a organização e participação em diferentes tipos de AF,valorizando a ética e o espírito desportivo, a responsabilidade pessoal e coletiva, a cooperação e a solidariedade e a consciência cívica e preservação ambiental; reforçar o gosto pela prática regular de AF e aprofundar a compreensão da AF como promotora de saúde ao longo da vida; assegurar o aperfeiçoamento dos alunos nas diversas componentes das AF. Cada ciclo de estudos e cada ano de escolaridade apresentam objetivos específicos. O primeiro ciclo é dividido em duas etapas, o 1º e 2º ano e o 3º e o 4º ano dando às escolas dois anos para desenvolver os objetivos dos conteúdos programáticos. Os 2º e 3º ciclos do ensino básico reconhecem três áreas de trabalho da EDF:

1. AF (atividades físicas e desportivas, atividades rítmicas e expressivas, atividades de exploração da natureza, jogos tradicionais), e subáreas (jogos coletivos, ginástica ou atletismo) e matérias (voleibol, ginástica de solo, danças sociais);

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2. Aptidão Física (demonstração da capacidade física);

3. Conhecimentos, relativos aos processos de melhoria e manutenção da aptidão física.

No ensino secundário, a organização curricular pressupõe a definição de duas etapas/fases de desenvolvimento: no 10º ano a revisão das matérias desenvolvidas ao longo dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e nos 11º e 12º anos existe a opção dos alunos/turma escolherem matérias que preferem aperfeiçoar e desenvolver.

Em 2018 foi promulgado o diploma que estabelece o currículo do ensino básico e secundário. Com esta aprovação ocorreram várias mudanças no ano letivo 2018/2019, nomeadamente, no que diz respeito à carga horária da disciplina de EDF e à classificação desta para efeitos de media de conclusão do secundário:

 1º ciclo do ensino básico, 5 horas semanais dedicadas à Educação Artística e EDF (possibilidade de realizar coadjuvação em ambas as disciplinas),

 2ª e 3º ciclos do ensino básico, 150 minutos semanais de EF,  Ensino secundário, 150 minutos semanais de EF,

 Contabilização da classificação da disciplina de EDF para efeitos da nota média de conclusão do ensino secundário e acesso ao ensino superior (DL n.º 55/2018, de 6 de junho).

As atividades de enriquecimento curricular (AEC) são uma oferta enquadrada fora do currículo obrigatório, promovidas por escolas, autarquias, associações de pais e instituições privadas de solidariedade social, que constituem, por um lado, um importante instrumento de política educativa orientado para a promoção da igualdade de oportunidades, a redução das diferenças sociais e o sucesso escolar, e, por outro, esta oferta de atividades distintas das do currículo escolar criam condições para que os alunos e suas famílias encontrem respostas para as suas necessidades, nomeadamente a ocupação de tempos livres e apoio escolar dos seus educandos (DGE, 2017a). As AEC foram instituídas no ano letivo 2006/2007, como uma medida para permitir aos alunos do 1º ciclo do ensino básico participar de forma gratuita em diversas atividades (música, ginástica, expressões, inglês, apoio ao estudo, entre outras) e garantir o funcionamento diário das escolas por um período mínimo de 8 horas (até às 17:30h), sem encargos

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acrescidos para as famílias. No ano letivo de 2011/2012, a oferta de AEC no Continente atingiu cerca de 99% do total de escolas do ensino público com 1º ciclo, sendo a taxa de adesão de 90% dos alunos a beneficiar de, pelo menos, uma atividade (Grilo, Wegimont, & Albuquerque, 2013).

Outra forma de promoção de AF nas escolas é através do desporto escolar (DE) que disponibiliza um conjunto de práticas lúdico-desportivas nas vertentes de ensino, treino, recreação e a competição desenvolvidas como complemento curricular e ocupação dos tempos livres, em regime de liberdade de escolha e de participação dos alunos, integradas no plano de atividade da escola e coordenadas no âmbito do sistema educativo. O projeto do desporto escolar 2017/2021 define orientações para a realização de projetos que possam contribuir para a melhoria da literacia física dos alunos, de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde e da Resolução da Assembleia da República n.º 94/2013 relativa à promoção do desporto escolar e da prática desportiva pelos jovens. O DE tem como missão estimular a prática da AF e do seu potencial físico e psicológico e da formação desportiva como veículo de desenvolvimento global e promoção do sucesso dos alunos, de estilos de vida saudáveis, de competências e valores sociais (responsabilidade, espírito de equipa, disciplina, tolerância, perseverança, humanismo, verdade, respeito, solidariedade, dedicação, coragem) e princípios associados a uma cidadania ativa. A inclusão das modalidades na oferta desportiva será feita tendo em conta primeiramente o historial no DE e posteriormente em função dos conteúdos da disciplina de EF e da procura da modalidade desportiva por parte dos alunos. Cada modalidade terá um enquadramento local, regional e nacional (competições interescolares e participações internacionais). O DE tem apresentado resultados positivos desde 2013 sobretudo na implementação de políticas de inclusão de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE); no crescimento na participação em competições internacionais de âmbito escolar, na ligação entre o DE e o sistema desportivo federado, a nível local, regional e nacional e entre outros, e no aprofundamento do trabalho em rede com as comunidades educativas para atingir objetivos educativos e desportivos comuns (DGE, 2017b).

Mota et al. (2015) realizaram uma revisão sistemática de literatura entre 2005 e

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benefícios para o rendimento académico de outras disciplinas e que a prática de educação física três vezes por semana revela uma associação positiva com o rendimento académico.

Peralta et al. (2018), num artigo de revisão sistemática de literatura, concluíram que existem vários fatores que influenciam a melhoria dos rendimentos académicos devido à EF tais como: intensidade, duração, frequência e as habilitações do professor. Assim, a relação entre a AF e o RA (rendimento académico) (CDC, 2010), bem como a relação entre a EF e o RA têm sido alvo de discussão e investigação recente, culminando em resultados que sugerem o desenvolvimento de políticas educativas mais fundamentadas com o objetivo de melhorar o desempenho académico dos estudantes através da prática de AF (Peralta et al., 2018).

Almeida e Pereira (2018) conduziram uma investigação, com o objetivo de analisar a influência específica de diferentes tipos de prática desportiva no bem-estar psicológico de estudantes do ensino profissional, na qual participaram um total de 387 estudantes (48,3% do sexo masculino), com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos, não praticantes e praticantes de diversas atividades desportivas (individuais, coletivas ou de manutenção/recreação), intencionalmente recrutados de diferentes turmas de uma escola de Ensino Profissional. De um modo geral, os alunos do ensino profissional são jovens que abandonaram o percurso escolar regular por motivos diversos: elevado número de faltas às aulas, insucesso escolar, problemas disciplinares, conflitos, comportamentos desviantes dentro e fora da escola e ainda uma conjuntura familiar muitas vezes destruturada e disruptiva. São jovens que, geralmente, evidenciam défices assinaláveis ao nível das competências de relacionamento intra e interpessoal.

Dados recentes indicam que os alunos matriculados em cursos profissionais do ensino secundário representavam 30,6% do total de inscritos em 2014, quando em 2004 eram apenas 9,0%. Os autores consideraram que para que melhor se compreendam os processos que determinam o bem-estar de jovens estudantes, é necessário que se tenha em conta o contexto familiar e sociocultural que os envolve e contemplou ainda o contexto de realização desportiva pela sua reconhecida importância no desenvolvimento biopsicossocial. Os principais resultados, além de evidenciarem que existe uma elevada percentagem de alunos que não praticam qualquer atividade

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desportiva fora do contexto escolar, com consequências negativas para algumas das dimensões do seu bem-estar psicológico, manifestam que a prática de desportos coletivos promove níveis mais elevados nas dimensões: domínio do meio, estabelecimento de relações positivas com os outros, formulação de objetivos na vida, aceitação de si e bem-estar psicológico global (Almeida & Pereira, 2018).

Ainda que as políticas públicas nacionais enfoquem uma necessidade crescente da promoção da AF dando origem a vários projetos quer no âmbito da saúde (PNPAF) quer no âmbito da educação (EDF, AEC, DE), a prevalência do comportamento sedentário está acima do desejado.

Existe ainda uma elevada percentagem de alunos que não praticam qualquer atividade desportiva fora do contexto escolar e a oferta de AF ao longo da semana nas escolas nacionais ainda não é generalizada. Dados do COSI (Childhood Obesity

Surveillance Initiative) relativos a 20166, indicam que muitos milhares de crianças portuguesas entre os 6 e os 8 anos de idade ficam praticamente sedentárias nas escolas básicas no 1 e 2º ciclo. O relatório refere que 9,9% das escolas do 1º ciclo e 9,0% das escolas do 2º ciclo oferecem menos de 60 minutos de AF por semana, sendo que a região de Lisboa e Vale do Tejo apresenta esta situação com maior relevo, nomeadamente 17,1% no 1ºciclo e 17,6% no 2º ciclo de escolaridade (Rito et al., 2017). Ou seja, é necessário continuar a incutir a formação de AF nas escolas em Portugal.

4.3. Comportamento Sedentário e determinantes da inatividade física

Estima-se que em Portugal, a inatividade física seja responsável por 8% dos casos de doença das coronárias, 11% dos casos da diabetes do tipo II, 14% dos casos de cancro da mama e 15% de cancro colo-rectal. A mortalidade atribuída à inatividade física está estimada em 14% (Barreto et al., 2016; Instituto Nacional de Estatística [INE], 2014). O custo total da inatividade física em Portugal foi estimado entre 210 milhões e 460 milhões de euros, dados de 2013, incluindo custos diretos e perdas de produtividade com mortalidade prematura, estes dados têm em conta apenas 5 de 22 doenças que a

6 Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI), sistema de vigilância nutricional infantil integrado no

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AF comprovadamente previne e considerando uma prevalência de inatividade fisica de 35%, um valor muito reduzido face à realidade apontada pelo Ministério da Saúde (2018) que indica que não mais do que 25% da população atinge as recomendações internacionais para a saúde. Para além disso, existem outros custos indiretos, tais como o absentismo e custos relacionados com o apoio familiar ao doente que não foram estimados (Ding et al., 2016).

A obesidade infantil permanece elevada, quase metade das crianças entre os 6 e os 9 anos tem problemas de excesso de peso ou de obesidade. Os dados revelados pelo Sistema Europeu de Vigilância Nutricional Infantil da OMS (2018d) referem que: 85% das crianças em Portugal consomem fast-food, doces e refrigerantes pelo menos quatro vezes por semana; cerca de 76% das crianças vão para a escola de carro ; e 48% revelam não ser membro de nenhum clube desportivo e não participar em nenhum curso de dança e não dispender nenhum tempo em actividades extra-curriculares que envolvem AF. Apenas 48% dispendem pelo menos 2 horas por semana para participar em AEC que envolvem AF (tempo dispendido na prática de desporto e AF em clubes desportivos ou cursos de dança). Consequentemente, os dados revelam que Portugal está entre os países que apresentam níveis elevados de excesso de peso ou obesidade, sendo as percentagens mais elevadas prevalentes no Chipre, Grécia, Itália e Espanha (OMS, 2018c). No mesmo sentido, o relatório COSI Portugal (2017), relativamente aos hábitos de atividade física familiares, evidência que, em 2016, os pais/encarregados de educação reportaram que a maioria das crianças (76,6%) iam de automóvel para a escola, sendo que 17,5% deslocava-se a pé/bicicleta e apenas 5,9% combinava o trajeto entre pé/bicicleta e veículos motorizados. A maioria dos pais/encarregados de educação (64,1%) não considerava o caminho de ida e de regresso da escola seguro para permitir que as crianças o fizessem sozinhas. Estes factos chamam a atenção para a necessidade de articular com as autarquias as questões da segurança, da cultura urbana e da fruição dos espaços públicos, em prol do combate ao sedentarismo e da promoção da AF de crianças e jovens. Além disso, a organização e dinâmica das famílias, no contexto atual, não são fatores facilitadores da prática de AF. O subcapítulo seguinte irá abordar algumas questões relacionadas com a família portuguesa e as suas dinâmicas na sociedade contemporânea.

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