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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 2 – O Papel da Atividade Física na Promoção da Saúde

2.2. Benefícios da Atividade Física e de Estilos de Vida Saudáveis

2.2.1. Atividade Física e Saúde Física e Mental

A AF tem sido associada a diversos benefícios na prevenção e tratamento das principais doenças civilizacionais (relacionadas com o estilo de vida): diabetes Mellitus tipo 2, hipertensão arterial, obesidade, depressão, osteoartrite, angina estável, cancro da mama e osteoporose (Águeda, 2017; Beaglehole et al., 2011; Colley et al., 2011; Fernandes & Zanesco, 2010; Hamilton, Hamilton, & Zderic, 2015; Kriska et al., 2013; Lynch et al., 2010; Stamatakis et al., 2011; Thompson et al., 2010; Wagner & Brath, 2012; Wijndaele et al., 2014; Wilmot et al., 2012).

O Fundo Mundial para Pesquisa do Cancro em conjunto com o Instituto Americano para Pesquisa do Cancro publicaram recentemente, um artigo sobre as evidências do impacto da AF no cancro (conjunto de doenças caracterizadas pelo crescimento celular desregulado que leva à invasão dos tecidos circundantes e se espalha para outras partes do corpo) onde se esclarece que estas doenças têm múltiplas

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causas e não podem ser apenas justificadas por questões genéticas dadas as enormes diferenças nas taxas de incidência geográfica em todo o mundo. Considerando estudos realizados em migrantes, verifica-se que alguns fatores de risco para o cancro podem ser alterados e alguns tipos de cancro podem ser evitados pelos fatores associados ao estilo de vida, nomeadamente a prática de AF regular. As conclusões sobre o que pode aumentar ou diminuir o risco de desenvolver esta doença foram minunciosamente revistas por um painel de investigadores internacionais. As descobertas recentes revelam uma forte evidência que ser fisicamente ativo reduz o risco de cancro do colón, da mama pós-menopausa e endométrio (tecido que reveste internamente o útero) e que praticar regularmente AF moderada a vigorosa reduz o risco de cancro da mama pré e pós-menopausa. Existem ainda outras evidências que sugerem que a AF pode reduzir o risco do cancro do esófago, fígado e pulmão. Complementarmente, este artigo coloca a hipótese do comportamento sedentário aumentar o risco do cancro do endométrio, contudo é ainda necessária mais informação sobre esta relação (Hardman, 2018).

A concretização dos benefícios atribuídos à AF requer, no entanto, o cumprimento de um determinado conjunto de características de prática de AF por semana. No entanto, mesmo que em linhas gerais, todas as diretrizes (Fundação Britânica do Coração; Colégio Americano de Medicina Desportiva; Associação Americana do Coração; União Europeia; Organização Mundial da Saúde; Departamento de Saúde dos Estados Unidos; Instituto de Medicina dos Estados Unidos; Comité Consultivo para o Questionário Internacional de Atividade Física) persigam os mesmos objetivos, apresentam diferentes recomendações, principalmente as que são relacionadas ao volume total da atividade e à forma com que este volume é distribuído ao longo da semana. As diretrizes do Colégio Americano de Medicina Desportiva, da Associação Americana do Coração e do Comité Consultivo para o Questionário Internacional de Atividade Física recomendam para crianças e adolescentes, a prática 60 minutos de AF moderada durante 7 dias por semana, e para adultos e idosos, 30 minutos de AF moderada ou 20 minutos de AF vigorosa durante 5 dias por semana (Lima & Luiz, 2015). A Estratégia Nacional para a Promoção de Atividade Física (ENPAF), por exemplo, recomenda: até aos 5 anos, 3 horas de atividade (brincar); a prática de AF moderada a vigorosa, 60 minutos por dia entre os 5 e os 17 anos; e pelo menos 150

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minutos de AF moderada por semana (21 minutos x7; 30 minutos x 5; 50 minutos x 3) para população entre os 18 e 64 anos (Ribeiro et al., 2016). As recomendações diferem essencialmente na prescrição para a população adulta e idosa relativamente à duração e intensidade que em Portugal, onde é prescrita maior duração e intensidade moderada. Aos benefícios fisiológicos acrescem ainda os que favorecem a saúde mental, tanto na população com patologia psiquiátrica como na população em geral. A AF pode contribuir para reduzir a morbilidade na população psiquiátrica e também prevenir problemas psicológicos e melhorar a saúde mental na população em geral. A prática de AF alivia alguns sintomas relacionados com depressão ligeira a moderada, melhora a autoimagem, a socialização, estimula o bom funcionamento cognitivo e reduz sintomas de ansiedade. Pode ainda ter um papel importante nos programas de combate ao alcoolismo e consumo abusivo de outras substâncias (Haddadi & Ali, 2010; Hamer & Stamatakis, 2014; Macías et al., 2014; Moljord, Moksnes, Espnes, Hjemdal, & Eriksen, 2014; Taylor, Sallis, & Needle, 1985).

A relação entre a AF e a resiliência ao stresse foi estudada por Hegberg e Tone (2015) em 222 alunos universitários que autorreportaram, on-line, as avaliações sobre o seu nível de AF, comportamentos de ansiedade e autoperceção de resiliência. Os resultados produziram evidências significativas de que os comportamentos de ansiedade, a AF e a autoperceção de resiliência estão positivamente associados. Os autores concluíram que os indivíduos que apresentaram traços de ansiedade mais elevados e que podem ser um fator de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde mental, clinicamente significativos, são os que preferencialmente apresentaram mais benefícios da prática de AF.

Puig-ribera et al. (2015) relacionaram o tempo passado sentado e a AF com o bem-estar mental e a produtividade, numa universidade espanhola. Participaram no estudo, 557 empregados, respondendo a um questionário sociodemográfico com campos específicos de avaliação do tempo sentado, da AF, do bem-estar mental e da produtividade no trabalho. Os resultados demonstraram que os trabalhadores que reportaram maiores volumes de AF reportaram também maior bem-estar mental e maior produtividade do trabalho. As evidências reveladas neste estudo sugerem que as estratégias de prática de AF no local de trabalho, direcionadas para a melhoria do bem-

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estar mental e a produtividade de todos os funcionários, devem concentrar-se na redução do tempo passado sentado e em estímulos que possam aumentar a AF.

Alguns autores atribuem ao contacto com a natureza melhorias no âmbito psicológico, emocional e social (Burdeus, 2011; Ettema, 2013; Hartig, Mitchell, de Vries, & Frumkin, 2014; Teedon et al., 2014). Os parques públicos constituem um recurso importante no âmbito da preservação do ambiente natural, mas também um ótimo local para a prática de AF, uma vez que do ponto de vista psicossocial podem assumir um papel favorecedor da reabilitação dos indivíduos. O contacto com a natureza, orientado em contextos terapêuticos, revela-se salutar e pode contribuir para reduzir o risco de stresse crónico e promover a saúde física, mental e o bem-estar, ajudando as pessoas a restaurar os seus recursos adaptativos, quer no tratamento e gestão da incapacidade e da doença, quer preservando as relações humanas (nas esferas moral, étnica, espiritual/religiosa) (Ettema, 2013; Hartig et al., 2014).

No sentido de promover um sistema de saúde mental eficaz, a OMS recomenda o envolvimento e atenção para os cuidados primários na prevenção e tratamento de doenças leves e cuidados comunitários para doenças mentais graves (Perelman et al., 2018).

O estudo de revisão de literatura “Atividade física como uma estratégia terapêutica em saúde mental: revisão integrativa com implicação para o cuidado de enfermagem”, desenvolvido por Lourenço et al. (2017), teve como objetivo identificar e descrever as evidências científicas acerca do efeito da prática regular de AF por pessoas com transtorno mental. Neste estudo, verificou-se que o baixo nível de AF se agrava nas pessoas com transtorno mental (adultos saudáveis dão em média, entre 7000 e 13 000 passos no primeiro dia, enquanto os outros participantes deram em média apenas de 2384 - 4399 passos no mesmo período). A revisão de literatura evidenciou também a eficácia terapêutica da prática de AF por pessoas com transtorno mental, principalmente pela reinserção social, perspetivando importantes benefícios, individuais e coletivos relacionados com promoção da saúde, com a mudança no estilo de vida, reduzindo a ansiedade e promovendo a integração dessas pessoas na sociedade (Lourenço et al., 2017).

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Segundo o Inquérito Mundial de Saúde Mental, dados de 2008 apontam que em Portugal, um em cada cinco portugueses sofre de problemas de saúde mental, 16,5% sofrem de perturbações de ansiedade e 6,8% sofrem de perturbação depressiva maior (Ministério da Saúde, 2018). Perelman et al. no artigo Exercise as an Essential

Therapeutic Tool in Mental Health: Closing the Gap From Research to Practice, A Portuguese Perspective, evidencia os benefícios da prática de atividade física e exercício

para os indivíduos com perturbações mentais. Os benefícios incluem melhorias no bem- estar psicológico em geral, níveis reduzidos de sintomas psiquiátricos e melhor funcionamento cognitivo, bem como melhor condição física, integração social, saúde física (por exemplo, um perfil de risco cardiovascular aumentado), qualidade do sono, autoestima e qualidade de vida. Contudo, apesar das recomendações para a prática regular de AF, as pessoas que sofrem de doença mental permanecem em grande parte inativas fisicamente e com comportamentos sedentários. Este artigo refere ainda que têm sido publicadas várias revisões sistemáticas de literatura que fornecem recomendações variáveis para programas de exercícios no tratamento de pacientes com depressão. Estes programas de exercícios dentro de instalações de tratamento psiquiátrico têm vindo a aumentar em muitos países. Por exemplo, a Austrália apresenta dois exemplos promissores de integração bem-sucedida de intervenções baseadas em exercícios fornecidos por fisiologistas do exercício: um desenvolvido na Unidade de Terapia Intensiva de Saúde Mental (MHICU) do Hospital Prince of Wales (Randwick, NSW, Austrália) através do programa “Mantendo o Corpo em Mente”; e o outro implementado dentro do “Programa de Psicose Precoce” no Distrito de Saúde do Sudeste de Sydney (Perelman et al., 2018). Contudo, em Portugal, apesar de se verificar uma prevalência de transtornos mentais ao longo da vida acima de 30%, ainda não se previne nem trata as doenças mentais leves nos cuidados primários. Um estudo realizado sobre a possível reforma do sistema de saúde mental refere que a dificuldade em resolver este problema resulta de mecanismos inadequados de financiamento aos prestadores de cuidados de saúde mental (Perelman et al., 2018).

Um estudo realizado na Noruega, no qual participaram 1100 adolescentes entre os 13 e os 18 anos, procurou investigar a relação entre a prática de AF e a resiliência em relação a sintomas depressivos. Os resultados evidênciam que elevados níveis de AF nas

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raparigas estão associados a níveis baixos de sintomas de depressão. Nos rapazes, a associação entre o estilo estruturado e os efeitos depressivos depende da frequência da prática da AF. O estudo conclui que, tendo em conta a relação entre a prática de AF e a resiliência e os ganhos relativamente aos sintomas depressivos, é importante desenvolver programas de promoção de saúde dirigidos especialmente a raparigas jovens adolescentes (Moljord et al., 2014).

Parece assim ser concensual a evidência de efeitos positivos decorrentes da prática da AF na saúde mental, destacado também em outros estudos (Haddadi & Ali, 2010; Hamer & Stamatakis, 2014; Hegberg & Tone, 2015).

Conforme referido, a AF é reconhecida como segura e eficaz no tratamento de desordens mentais. No entanto, a relação inversa, o impacto da saúde mental na prática de AF, tem sido genericamente pouco estudada. Psycofitness é um estudo que está a ser realizado em Portugal desde 2018, no âmbito da psicologia da AF, que tem como objetivo saber como é que os fatores psicológicos afetam o rendimento físico dos indivíduos e compreender como é que a participação no exercício físico afeta o desenvolvimento psicológico e o bem-estar das pessoas. A implementação do

Psycofitness incide na intervenção a nível individual, grupal, social e organizacional e

propõe algumas estratégias de intervenção em entidades, como Ginásios, Associações, Juntas de Freguesia, Centros de Saúde e Empresas, residentes e/ou trabalhadores em Portugal, sem diferenciação sexual ou intervalo exclusivo relativamente à faixa etária, a quem serão aplicadas técnicas e modelos eficazes com vista à mudança comportamental e estratégias que provoquem uma motivação positiva para a prática da atividade física (Silva, Sampaio, & Santos, 2018).

Ainda que a associação da AF com os benefícios de saúde esteja fortemente atribuída a mudanças morfofuncionais, não constitui a única razão pela qual as pessoas devem ser fisicamente ativas. A prática de AF regular, para além das alterações biológicas, pode proporcionar diversão, maior convivência com amigos e familiares, usufruto do ambiente, melhoria da aparência pessoal e da condição física, entre outras (Lima & Luiz, 2015), aspetos estes que irão ser abordados nos pontos seguintes.

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