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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 4 – Motricidade Humana em Portugal: Enquadramento Político e Familiar

4.4. Dinâmicas da Família Portuguesa

A sociedade contemporânea é reponsável por criar políticas e ambientes que possam tornar o comportamento saudável conveniente, atraente e acessível para que todos possam fazer escolhas saudáveis. O desafio para os investigadores e profissionais de promoção da saúde é ser criativo e persistente no uso de modelos ecológicos para gerar evidências sobre os papéis das influências comportamentais em vários níveis. O alcance limitado das teorias e intervenções que enfatizavam as determinantes intrapessoais e interpessoais dos comportamentos, deixaram claro que uma dependência exclusiva de intervenções orientadas para o indivíduo seria inadequada para alcançar objetivos, nomeadamente de assistência à saúde da população. Essas falhas levaram a uma mudança de paradigma em que os alvos de intervenções eficazes não são apenas os indivíduos, mas os contextos mais amplos em que vivem e trabalham (Sallis et al., 2008).

Diversos aspetos relacionados com a realidade e dinâmica das famílias portuguesas, tais como as dificuldades económicas, o envelhecimento da população, os modelos de organização familiar, a gestão do tempo de trabalho e do tempo passado nos transportes e com as tarefas do quotidiano, entre outros, podem influenciar a vivência do dia a dia das famílias podendo dificultar o acesso à prática de AF e a adoção de estilos de vida saudáveis.

De acordo com o último recenceamento geral da população em 2011, a população residente em Portugal era de 10 565 178 habitantes, dos quais 5 046 600 homens e 5 515 578 mulheres (INE, 2012); e segundo as Projeções de População Residente (INE, 2018b), Portugal perderá população até 2080, passando dos atuais 10,3 milhões para 7,7 milhões de residentes, ficando abaixo dos 10 milhões já em 2033. A crise económica acentuou a tendência de declínio da fecundidade em Portugal: o índice sintético de fecundidade atingiu em 2013 o valor mais baixo de sempre (1,21) (Cunha, 2014). Em 2017, o índice de fecundidade situou-se em 1,37 filhos por mulher em idade fértil, valor ligeiramente acima do registado em 2011 (1,35) (INE, 2018b). O envelhecimento demográfico é outra tendência de fundo. Em 2017, o valor da esperança de vida à nascença foi estimado em 80,78 anos para a população em Portugal

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(INE, 2018b). Entre os dois últimos Censos à população o indíce de envelhecimento subiu de 102 (2001) para 128 (2011), sendo que 15% da população é jovem, e 19% é idosa, dos quais 14% tem idade igual ou superior a 70 anos. A população adulta (entre os 30- 69 anos) representava 54% da população em 2011 (INE, 2012). Estimativas atuais, relativas a 2017, indicam que o envelhecimento demográfico em Portugal continua a acentuar-se. A proporção de idosos em Portugal foi superior à média da UE, sendo o quarto país com maior percentagem de idosos, apenas ultrapassado pela Alemanha, Grécia e Itália (INE, 2018b). A tendência para o envelhecimento da população (50% da população com 65 ou mais anos) ajuda a compreender a informação sobre o grau de dificuldade na realização das tarefas diárias (ver, ouvir, andar, memória/concentração, tomar banho/vestir-se, compreender/fazer-se entender). A dificuldade na marcha é reportada por 25% e de visão por 23% da população (INE, 2012). Desta forma, a implementação de projetos relacionados com o envelhecimento ativo e saudável e também mais participativo poderá assumir cada vez maior relevância.

As famílias com três ou mais crianças dependentes e aquelas em que as crianças vivem com um só adulto são as mais afetadas pela pobreza (INE, 2018b).Por outras palavras, o risco de pobreza apresenta-se mais elevado nas famílias numerosas (40,4%), nas famílias monoparentais (33,1%), além das pessoas desempregadas (40,4%) e sem atividade económica (30,6%). O risco de pobreza é particularmente prevalente entre as famílias monoparentais em que a mãe só ou o pai só está desempregada/do (90%) e as famílias de casais com crianças em que os dois membros (53%) ou um membro do casal (34%) estão desempregados (Wall et al., 2015).

Neste contexto, as relações intergeracionais, nomeadamente entre avós e netos, manifestam-se como um elemento central na vida das crianças, no que diz respeito ao convívio e apoio emocional, à prestação de cuidados (buscar, levar para casa, dar almoço) e à oferta regular de bens (prendas, mesadas). Segundo as crianças, são os avós que oferecem ajuda monetária aos pais, aquando de alguma despesa imprevista ou suporte nalgum problema. Mesmo no quadro de crise económica, como aquele que a sociedade portuguesa experienciou recentemente, os avós estiveram na linha da frente no suporte às gerações mais novas, apesar de também eles terem sentido o impacto provocado pelas medidas de austeridade (Wall et al., 2015).

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Com efeito, a partir de 2010, a adoção de um conjunto de medidas de austeridade agravou a situação económica e financeira de Portugal com repercussões directas no bem-estar das crianças a nível da saúde, da educação e dos apoios sociais do Estado às famílias, especialmente às mais carenciadas. A elevada taxa de desemprego atingiu nesta altura um número elevado de famílias, constituindo situações de carência económica grave e também de elevada instabilidade emocional e psicológica que se refletiram nas vivências das crianças (Grilo et al., 2013). Esta realidade é notória no relatório “As crianças e a crise em Portugal - Vozes de Crianças - Políticas Públicas e Indicadores Sociais”de 2013, que menciona que entre Outubro de 2010 e Junho de 2013, o número de casais desempregados inscritos nos centros de emprego subiu de 1 530 para 12 065 (+688%). A taxa de emprego de adultos com crianças a seu cargo é menor nos adultos com baixos níveis de escolaridade (73%) do que nos adultos com níveis de escolaridade elevada (88%) (Grilo et al., 2013).

Apesar desta realidade, a educação revelou progressos e, em 2011 pela primeira vez, Portugal atingiu 50% na proporção da população com pelo menos o 9º ano, e 15% da população com o ensino superior (INE, 2012). A Direção Geral de Estatística da Educação e Ciência confirma essa tendência crescente da taxa real de escolarização, indicando que no ano letivo de 2016/2017, 77,6% cumpriram o ensino secundário e 34,3% o ensino superior.

Contudo, as tecnologias de informação facilitam os contatos à distância com um simples clique, promovendo assim o comportamento sedentário e limitando também a interação dos individuos com o seu meio envolvente. Em Portugal também se observam profundas e significativas alterações no uso da nova tecnologia. O Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) pelas Famílias (2015) refere que 70% dos utilizadores de internet em Portugal participam em redes sociais, sendo a participação em redes sociais mais frequente em Portugal do que na UE. Em 2014, a proporção de residentes que utilizou as redes sociais foi superior em 14 p.p. à média da UE (INE, 2015). O maior acesso às TIC também pode estar a contribuir para o comportamento sedentário mas ao mesmo pode ter fomentado melhores resultados na área da educação.

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Também o facto de a ocupação profissional em Portugal ser maioritariamente dedicada aos serviços, abrangendo 70% da população ativa, 18% na indústria, 9% na construção civil, e 3% na agricultura (INE, 2012), pode ser um forte determinante do comportamento sedentário pelo maior tempo passado sentado. Assim, a elevada parcela da população empregada nos serviços pode contribuir para o aumento do sedentarismo no país.

O modelo de organização familiar é também outro aspeto que pode determinar quer a prática de AF quer o comportamento sendentário das famílias. Em Portugal, em 2011, 47% dos indivíduos eram casados, 40% eram solteiros, 7% eram viúvos e 6% eram divorciados; 87% das uniões conjugais eram casamentos e 13% eram uniões de facto. As famílias clássicas (conjunto de pessoas residentes num alojamento familiar independentemente do grau de parentesco) aumentaram 11% relativamente a 2001, contudo diminuiu o número médio de pessoas por família. As famílias unipessoais ou agregado doméstico de pessoa só representavam 21% dos agregados e destes 10% eram constituídos por pessoas idosas. Os núcleos familiares de casais com filhos recuou, 8% dos núcleos eram de famílias monoparentais, o que revela um crescimento de 36% comparativamente com 2001, e 7% eram núcleos reconstituídos ou recompostos (pelo menos um dos filhos é filho de só um membro do casal), o que reflete as alterações nos modelos de vivência familiar nas sociedades modernas (INE, 2012; Delgado & Wall, 2014). As alterações nos modelos de vivência familiar, nomeadamente o aumento significativo de famílias monoparentais, pode dificultar o acesso à prática de AF devido à maior complexidade da gestão da logística e do tempo e devido ao maior impacto dos custos associados no menor rendimento disponível nestas famílias.

O uso do tempo de mulheres e homens em Portugal (Perista et al., 2016) também não parecem facilitar as práticas de AF, tendo em conta os longos horários de trabalho remunerado e o tempo semanal necessário às deslocações entre casa e local de trabalho (no conjunto, 9h02min para homens e 8h35min para mulheres); e ainda o trabalho não pago, i.e., as tarefas domésticas e a de prestação de cuidados a crianças, a jovens e/ou a pessoas adultas em situação de dependência ou incapacidade (afetação de tempo diária de 4h23m para mulheres e 2h38m para homens). A maior parte de pessoas sentem dificuldades na relação entre as ocupações diárias (emprego, tarefas

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domésticas, cuidados às crianças, etc.) e os horários do contexto envolvente (o horário de trabalho do cônjuge, o horário de serviços administrativos, das escolas e de outros equipamentos de apoio à infância, etc.), destacando-se a situação na área metropolitana de Lisboa. Diariamente ou com frequência, 45,4% das mulheres e 36,6% dos homens sentem que andam apressadas/os e consideram que, no seu dia a dia, raramente têm tempo para fazerem as coisas de que realmente gostam (39,4% das mulheres e 30,2% dos homens), conclusões que vão ao encontro das barreiras apresentadas para o acesso à prática de AF derivadas da complexidade da gestão do tempo e da logística da rotina familiar.

Em síntese, alguns fatores de diferentes níveis têm vindo a contribuir para que o acesso à prática de AF possa ser dificultado, nomeadamente a crise económica e a adoção de um conjunto de medidas de austeridade com repercussões diretas no suporte parental para o bem-estar das crianças. O declínio demográfico e envelhecimento da população e a importância que as relações intergeracionais manifestam na vida das crianças chamam a atenção para a importancia da implementação de projetos relacionados com o envelhecimento ativo e saudável e também mais participativo. O elevado número de profissionais que passa mais horas sentado e também a utilização crescente das novas tecnologias e meios de comunicação estimulam, por um lado, um comportamento sedentário e, por outro, podem limitar a interação dos indivíduos com o seu meio envolvente. A evolução da sociedade contemporânea provocou alterações nos modelos de vivência e convivência familiar com repercusões ao nível financeiro e da gestão do tempo, o que faz com que, muitas vezes, o recurso a opções mais rápidas sejam as mais acessíveis (fast food, interação por meio das novas tecnologias da informação, video jogos e tempo passado em frente aos ecrãs).

Nesse sentido devem ser reforçadas as políticas públicas nacionais para melhoria da saúde, bem-estar e qualidade de vida, através da promoção da AF e da literacia da AF envolvendo todos os setores da comunidade, de forma a que as opções para uma vida mais ativa, possam ser conscientes, simples e acessíveis a todas as famílias.

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