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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 3 – Dinâmicas da Motricidade Humana na Família Contemporânea

3.2. Benefícios da Atividade Física nas famílias

As profundas mudanças sociais, económicas e políticas ocorridas nas últimas décadas conduziram a alterações nas famílias. A crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, as conquistas a nível da igualdade de género, a democratização das relações familiares, a informalização do laço conjugal, o aumento da rutura e da recomposição familiar e a legalização das relações entre pessoas do mesmo sexo, são expressões das mudanças que têm vindo a ocorrer na vida familiar, na qual a valorização dos afetos entre cônjuges e entre pais e filhos passa a ser o pilar que dá sentido e sustenta a sua existência (Pedroso et al., 2011; Wall et al., 2010b).

Não obstante, as famílias também enfrentam desafios relacionados com carências materiais e financeiras, num mundo governado pelo capitalismo e pelo consumo onde se valoriza mais o ter do que o ser (Oliveira, 2009), e com graves conflitos relacionais (Campos, 2012; Hakime & Oliveira, 2009). Com efeito, Hemmingsson (2014) relaciona o excesso de peso das crianças com a desvantagem socioeconómica, tendência que se agrava quando estas crescem em ambiente familiar desarmonioso: frustração dos pais, discórdia relacional, falta de apoio e de coesão, sistema de crenças negativas, necessidades emocionais não satisfeitas e insegurança geral.

Contudo, a importância e os significados da família, numa altura em que muito se tem falado numa suposta "crise de família", é consensual para os europeus, que

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consideram que esta é muito importante para o desenvolvimento de um sistema de valores e para a promoção da coesão social (Aboim, 2013). Segundo Uhlendorff et al. (2011), faz mais sentido que a coesão seja induzida em primeira instância nas famílias, como modelo inicial de bem-estar, culturalmente implantado pela educação e pela experiência desenvolvida a partir de um contexto familiar, sendo a família o primeiro laboratório a partir do qual se poderão desenvolver os modelos sociais para a coesão social:

Family is the initial model of wellbeing. It is the first laboratory for social models, for social cohesion. We wonder how we can implement cohesion and wellbeing in society if citizens do not have that cultural model implanted in them by education and experience developed from a family context. (Uhlendorff et al., 2011, pp. 205–206).

Rodrigo et al. (2009) designam a família com base nas funções que esta deverá desempenhar, defendendo que, enquanto conjunto de seres humanos, a família deve encarregar-se de construir indivíduos e apoiá-los no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Os autores apresentam cinco categorias de competências parentais essenciais para a criação dos filhos: educativa, agência parental (garante de direitos fundamentais), autonomia e desenvolvimento pessoal, vida pessoal e organização doméstica. As competências educativas, nomeadamente as que se referem à organização de atividades de lazer envolvendo toda a família, são particularmente destacadas e relacionadas com a resiliência familiar e a transmissão de valores (Rodrigo et al., 2009). As principais preocupações dos pais fundam-se na promoção do bem-estar dos seus filhos; nas dificuldades de conciliação da vida profissional e familiar e na gestão do tempo; e também no nível de aprendizagem e comportamento das crianças (Guerreiro, 2013). Contudo, no que se refere à organização das atividades de lazer, de um modo genérico, a falta de tempo, os custos inerentes a deslocações adicionais, as mensalidades extra, a conjugação de horários e toda a logística familiar podem limitar ou até mesmo impedir o acesso à AF, tanto dos pais como dos filhos. As decisões em torno da prática de AF podem ser difíceis de tomar, tendo em conta o pouco tempo disponível dos pais, que poderão ter que optar entre a assistência e o tempo dedicado

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aos filhos e uma atividade potencialmente importante para manter ou recuperar o próprio bem-estar físico, psíquico, emocional e social (Jago et al., 2012; Thompson et al., 2010).

Tendo em conta as circunstâncias que estão a sugerir uma atenção particular para a inatividade física nas sociedades em geral e nas famílias em particular, tendo em conta a sua função educativa e formativa fudamental, importa levantar algumas questões: Qual é a perceção que os pais têm da importância da AF na vida dos filhos? Poderá a Motricidade Humana (MH) organizada de modo a envolver a família, contribuir para a promoção da saúde e ao mesmo tempo fomentar o bem-estar e a coesão familiar?

A investigação sobre as famílias e as políticas relativas à família na Europa revela que o bem-estar das crianças de hoje, adultos de amanhã e da sociedade futura, dependerá da capacidade de proteger o crescimento e desenvolvimento das famílias. Para apoiar as famílias e cultivar a realização do potencial humano, quanto mais acompanhamento tiver a criança mais ela será capaz de se adaptar à sociedade e ser resiliente e emocionalmente apta (Uhlendorff et al., 2011). Um estudo de Burdeus (2011) está em sintonia com estas premissas e conclui que o tempo de lazer em família representa um espaço muito adequado para transmitir valores e fortalecer vínculos. Estabelece a diferença entre o tempo livre despendido em lazer de diversão, mais imediato e sem demasiado esforço (cinema, parques temáticos, jogos de computador), e o tempo livre empregue em lazer de satisfação mais orientado para a realização pessoal e familiar de cada membro e que requere preparação previa (atividades desportivas, associativas, culturais, voluntariado). O estudo conclui que uma correta combinação do lazer de diversão e de satisfação pode favorecer o fortalecimento da família quanto à estabilidade, coesão e adaptabilidade. No que diz respeito aos benefícios associados à prática da AF enquadrada no meio natural refere como vantagens: decréscimo de incidentes criminais, melhor rendimento académico, benefícios terapêuticos (melhoria da autoestima, comportamentos sociais, diminuição de problemas emocionais) e melhoria da saúde física. Acrescenta que a AF, em contacto com a natureza, influencia positivamente a comunicação sã e a resolução de conflitos (Burdeus, 2011).

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Thompson et al. (2010) referem a menção frequente na literatura da necessidade de mais intervenções baseadas na família, embora salientem que o conhecimento existente sobre a relação entre AF e AF em família é relativamente escasso. Nesse sentido, os autores desenvolveram um estudo com o objetivo de compreender quais os fatores que podem influenciar a prática regular de AF familiar. Os autores examinaram atividades físicas e sedentárias de envolvimento familiar e exploraram as perceções parentais relativamente à importância, frequência, natureza e barreiras para a AF familiar, através de entrevistas semiestruturadas realizadas por telefone. A maioria dos pais entrevistados classificou a AF em família como sendo importante. O incremento na comunicação entre pais e filhos, o tempo passado juntos, o divertimento, o aprimorar da saúde mental, o controlo de peso e as atividades de

fitness foram os benefícios identificados pelos pais. Por outro lado, as barreiras mais

comumente apontadas são os estilos de vida sobrecarregados, a diversidade de interesses em diferentes idades, o mau tempo, a falta de acesso a instalações, o transporte e o custo económico das atividades. Os autores concluiram que as intervenções direcionadas para famílias podem ser mais eficazes se forem desenhadas tendo em conta as complexas demandas e necessidades das famílias atuais, por forma a proporcionar uma variedade de atividades para uma ampla gama de interesses (Thompson et al., 2010). Segundo os autores, a AF familiar pode incrementar o tempo dos membros da família passado em conjunto e, consequentemente, a comunicação entre pais filhos, o divertimento e a saúde mental e física.

Uma outra investigação de caráter exploratório foi desenvolvida por Jago et al. (2012), com o objetivo de conhecer a pertinência da realização de um programa de AF familiar, no sentido de incrementar os níveis de AF das crianças, com impacto na diminuição do tempo passado em frente a ecrãs. Os dados recolhidos através de um

website parental, pela aplicação de questionários anónimos, revelam o interesse dos

pais, que procuram conselhos práticos sobre a forma de superar barreiras em família, na participação em experiências diversificadas realizadas em grupo através de apoio e aconselhamento de peritos (Jago et al., 2012).

Considerando que o tempo de lazer em família representa um espaço privilegiado para transmitir valores e fortalecer vínculos (Burdeus, 2011), e que a MH

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tem uma estreita relação com os processos de aprendizagem e desenvolvimento humano (Sérgio, 1994), é provável que esta possa apoiar as famílias e reforçar a realização do potencial humano (Bailey et al., 2013), tanto no que diz respeito à promoção da saúde como na otimização das relações de convivência familiar.