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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 3 – Dinâmicas da Motricidade Humana na Família Contemporânea

3.1. Comportamento Sedentário e determinantes da inatividade física

A compreensão contemporânea do comportamento sedentário defende que este não resulta apenas da ausência de AF no quotidiano, mas também do tempo prolongado passado sentado (Lynch et al., 2010). A investigação epidemiológica e fisiológica em comportamento sedentário mostra as consequências para a saúde relacionadas com a quantidade de tempo que um indivíduo passa sentado (a ver televisão, em frente ao computador, sentado no trabalho, passado nos automóveis em movimentos pendulares cada vez mais longos), independentemente da prática ou não de AF. A postura sentada ou de descanso traduz-se num baixo consumo energético, por vezes associado a uma alimentação pouco cuidada, contribuindo para o risco de aumento de peso, doenças crónicas, incluindo as cardíacas (doenças cardiovasculares), diabetes, cancro e mortalidade prematura. Diversos estudos têm vindo a chamar a atenção relativamente ao efeito do comportamento sedentário no desenvolvimento e prognóstico desfavorável de doenças crónicas e na redução da esperança de vida (Meneguci et al., 2015; Puig-Ribera et al., 2015; Gibbs et al., 2014; Kohl et al., 2012; Colley et al., 2011; Owen et al., 2011; Fernandes & Zanesco, 2010; OMS, 2005).

No mundo, 60% dos 56 milhões de mortes anuais e 47% das doenças mundiais relacionam-se com elevada pressão arterial, níveis altos de colesterol, ingestão insuficiente de frutas e vegetais, excesso de peso, tabagismo e inatividade física, que se traduzem em fatores de risco para o aparecimento de doenças cardiovasculares, diabetes tipo II e alguns tipos de cancro (Observatório Nacional da Actividade Física e Desporto, 2011). Na Europa, por exemplo, 50% da população adulta tem excesso de peso ou obesidade, devido a uma dieta não saudável e ao comportamento sedentário, que se reflete diretamente num agravamento anual de 7% nas despesas com a saúde (internamentos, medicamentos, cirurgias) e, indiretamente, na redução da produtividade devido a problemas da saúde e morte prematura (Conselho da União Europeia, 2014). Ao aumento persistente de doenças crónicas e de doenças provocadas

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pelos estilos de vida sedentários, acrescem ainda os custos inerentes ao envelhecimento da população, que desafiam os países desenvolvidos e as economias emergentes a encontrar soluções inovadoras para minimizar ou subsidiar este acréscimo financeiro (FEM, 2014).

Hamilton et al. (2015) examinaram as associações entre comportamento sedentário e risco de diabetes tipo 2 e síndrome metabólico, como fatores específicos de risco cardiometabólico, e concluiram que, na sociedade atual, a maioria das pessoas despende mais de metade do dia sentada, no conjunto do tempo de trabalho e lazer, aproximadamente 10h/dia ou 70h/semana. Assim, reduzir o tempo de sedentarismo pode melhorar o metabolismo lipídico e da glicose, o que contribui para a prevenção e o tratamento de doenças crónicas relacionadas com a diabetes tipo 2.

A fisiologia da inatividade é um novo paradigma sobre os efeitos benéficos da prática regular de exercício físico em doenças metabólicas. Tendo em conta que o genoma é um objeto de estudo científico para o diagnóstico e tratamento de doenças, importa saber qual o efeito da fisiologia do exercício ao nível do funcionamento dos genes, células e tecidos; e as suas interações com outros comportamentos (ingestão alimentar, hábitos nocivos, questões emocionais, medicação, etc.). Silvestre et al. (2012) esclarecem que, na inexistência da prática de exercício físico, existe um subaproveitamento do fenótipo «normal» dando lugar a um fenótipo pré-clínico, ou até mesmo clínico, com expressão de condições de doenças crónicas. A inatividade física causa uma expressão genética que pode dar origem ao desenvolvimento de doenças. A comunidade médica, académica e política, baseadas no conceito da «fisiologia da inatividade», devem reforçar a importância de se ser fisicamente ativo para evitar os problemas associados ao sedentarismo (Lynch et al., 2010). Com base no conhecimento das determinantes, quer do comportamento sedentário quer da inatividade física, podem ser desenvolvidos programas que ao mesmo tempo aumentem a prática de AF e diminuam o sedentarismo, contribuindo, dessa forma, para a promoção de estilos de vida mais saudáveis (Deliens et al., 2015; Lynch et al., 2010).

Macías et al. (2014) examinaram a prevalência de comportamento sedentário em tempo de lazer, na população adulta residente em Madrid, através de entrevistas telefónicas a 1 330 indivíduos, aos quais aplicaram um questionário global de AF, e

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relacionaram os dados obtidos com as variáveis sociodemográficas. A população entre os 41 e os 50 anos, de classe média ou baixa, mulheres e todos aqueles que não têm um modelo de AF em família como opção para o tempo de lazer, são os grupos identificados no estudo como os que mais adotam o tempo de lazer sedentário. Serão, também, esses grupos aqueles que, mais provavelmente, beneficiariam de um plano estratégico para o incremento de AF no tempo de lazer.

A teoria socioecológica de comportamento sedentário reconhece que o comportamento individual pode depender da dinâmica das relações entre várias determinantes (biológicas, motivacionais, socioculturais, políticas e ambientais) e a vários níveis (intrapessoais, interpessoais e comunitários) (Glanz, 2008). Esta teoria tem sido amplamente aplicada na investigação sobre as determinantes para o comportamento fisicamente ativo.

Apoiado nesse conhecimento, Owen et al. (2011) proposeram o Modelo Ecológico de Comportamento Sedentário, como uma abordagem concetual para melhor entendimento das determinantes do tempo passado neste comportamento, em diferentes domínios (no lazer, nos transportes, no espaço doméstico, no emprego), para assim identificar quais os fatores que influenciam os hábitos de comportamento sedentário dos indivíduos. Este modelo sistematiza vários cenários e contextos que podem influenciar o tempo passado em comportamento sedentário, que o autor organizou em cinco níveis de influência: 1) Ambiente percebido, como são exemplos a perceção negativa dos ambientes “ativos” - inseguros, desconfortáveis, não atrativos, inconvenientes, também o conforto e a conveniência do uso de dispositivos de economia de mão-de-obra (trabalho humano), tal como a atração pelo entretenimento sedentário e a perceção negativa da possibilidade de transporte ativo e a perceção positiva de equipamentos motorizados; 2) Ambiente informativo, como são exemplos os cuidadores de saúde (aconselhamento, informação), a comunicação social (notícias, publicidade, especulação sobre desporto) e os media regulations, o setor de políticas da saúde e business practices; 3) Ambiente sociocultural, como são exemplos as normas sociais e a cultura, a perceção de crime e de segurança, também o interpersonal

modeling, o suporte social, os pedidos para sentar e o constrangimento de ficar de pé;

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também as políticas de transporte e de energia; e o 5) Ambiente político, como são exemplos, a não avaliação do comportamento sedentário nos cuidados de saúde, exigência de calçadas, investimento em transportes e regulamentação, investimento em espaços públicos de recreação, desenho de políticas de estacionamento, gestão do tráfego, também o financiamento de percursos de segurança para a escola, retrocesso de políticas de facilidade para sentar e os requisitos para o trabalho sentado, regras para intervalos, códigos para zoneamento, e códigos para construção.

A adoção do comportamento sedentário tem-se vindo a mostrar cada vez mais fácil e acessível e, em alguns casos, quase incontornável. Os vários determinantes identificados pela teoria do comportamento sedentário ajudam a compreender como é este comportamento foi ganhando uma dimensão crescente no quotidiano da população em geral. O modelo ecológico do comportamento sedentário aponta, por sua vez, vários contextos que podem ser modificáveis nos hábitos dos indíviduos (rede de transportes ativa, como percursos casa- escola-casa realizados a pé, acompanhados por monitor (Pollack et al., 2014); mobiliário que permita estar de pé no local trabalho, como mesas altas, reuniões em pé; e estratégias para reduzir o sedentarismo em casa, como por exemplo regras para o uso de jogos de computador ou ter um aro de basquetebol e opções de lazer ativo, como por exemplo a AF em família) (Owen et al., 2011; Pollack et al., 2014; Teixeira, 2017). Caso os comportamentos sedentários não sejam revertidos com estas ou outras medidas, podem, ao longo do tempo, ser prejudiciais para a saúde e bem-estar de crianças, adultos e idosos.

Outros estudos relacionam ainda a AF e o comportamento sedentário com o estatuto socioeconómico. Uma investigação que envolveu 486 crianças finlandesas entre os 6 e 8 anos concluiu que a menor escolaridade e orçamento familiar reduzido estão diretamente relacionados com a maior quantidade de tempo passado em frente aos ecrãs e a menor prática de AF supervisionada (Lampinen et al., 2017).

Tendo em conta a epidemia de obesidade infantil, como já referido anteriormente, com consequências negativas, não só para a saúde mas também para o desempenho escolar, é fundamental compreender os fatores associados à AF e ao comportamento sedentário das crianças e dos jovens, em casa onde passam um tempo significativo e na vizinhança (Hnatiuk, Hesketh, & van Sluijs, 2016; Tandon et al., 2014).

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A AF dos jovens está positivamente relacionada com o ambiente social criado pelos pais: a própria AF dos pais, a AF de pais e filhos e o suporte logístico. Ter uma tabela ou aro de basquetebol está positivamente relacionado com AF moderada e vigorosa. Ter televisão no quarto e estar sozinho é um maior preditor de comportamento sedentário, do que ter jogos eletrónicos (Tandon et al., 2014).

Qual será, então, a realidade da prática da AF nas famílias contemporâneas e como podem estas mudar procedimentos, atitudes e formas de vida, que permitam incluir ou ampliar a prática de AF na sua vida diária? O subcapítulo seguinte descreve alguns destes aspetos, destacando a importância de se consciencializar as familías para estas novas realidades.