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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 3 – Dinâmicas da Motricidade Humana na Família Contemporânea

3.4. Escala de Avaliação da Coesão e Flexibilidade Familiar

A primeira Escala de Avaliação da Coesão e Flexibilidade Familiar (FACES) foi desenvolvida por Olson, Bell e Portner, em 1978, e tinha como objetivo avaliar o funcionamento da família, de acordo com as duas principais dimensões do Modelo Circumplexo - Coesão e Flexibilidade (Silva, 2015).

Essa Escala foi modificada em 1982, no sentido de melhorar as suas qualidades psicométricas e resultou na escala FACES II, que incluía frases simples permitindo que pudesse ser aplicada a crianças maiores 12 anos e a indivíduos com capacidade de leitura reduzida. A FACES III, desenvolvida em 2006, evolui no sentido de poder ser

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também aplicada a crianças de 9 anos e estava organizada em duas partes: a primeira, relativa à perceção real do funcionamento familiar; e a segunda, relativa à idealização do mesmo. Contudo, a versão anterior, a FACES II, apresentava uma maior fidedignidade, mais alta correlação entre os constructos, “coesão” e “flexibilidade”, e maior validade concorrente. As Escalas I, II e III não permitiam classificar ajustadamente as famílias disfuncionais, dada a sua incapacidade de avaliação das áreas extremas da “coesão” familiar (desmembradas e emaranhadas) e “flexibilidade” (rígidas e caóticas). Este motivo conduziu à criação da FACES IV, em 2011, que teve como grande objetivo diferenciar os quatro extremos da “coesão” e “flexibilidade”, incluindo ainda 10 itens que permitem avaliar a “satisfação” familiar e 10 itens que avaliam a “comunicação” familiar (Silva, 2015). O Modelo Circumplexo, apoiado na teoria dos sistemas, foca os sistemas relacionais e integra as dimensões que têm sido consideradas mais relevantes numa variedade de modelos teóricos e abordagens terapêuticas da família: a “coesão” e a “flexibilidade” e mais tarde a “comunicação”. O Modelo alega a existência de uma relação curvilinear entre as duas dimensões tratadas como centrais, a “coesão” e a “flexibilidade”, o que faz com que o funcionamento familiar se altere conforme interagem e que, em níveis extremos (pouca “coesão” e “flexibilidade”, ou excessiva “coesão” e “flexibilidade”) se verifique um funcionamento problemático do sistema familiar (Olson & Gorall, 2006) (Figura 3).

Esta Escala permite avaliar três dimensões da dinâmica familiar: a “coesão”, a “flexibilidade” e a “comunicação”.

A “coesão” familiar consiste na ligação emocional existente entre os membros da família. Esta dimensão pode ser medida através de varáveis relacionadas com vínculos emocionais, limites e coligações, espaço e tempo destinados a cada um, amigos comuns e individuais, tomadas de decisão, interesses e atividades de lazer (Olson, 2011).

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Figura 3. Pontuações do Modelo Circumplexo da Escala FACES IV

Fonte: Olson e Gorall (2006, p. 5) (Adaptado pela autora)

O grau de “coesão” de cada sistema familiar pode situar-se num dos quatro níveis resultantes do equilíbrio obtido entre a separação e a união familiar, nomeadamente, o desligado (“coesão” muito baixa), o separado (“coesão” baixa a moderada), o ligado (“coesão” moderada a elevada) e o emaranhado (“coesão” muito alta). O autor prevê que níveis extremos de “coesão” (desligado e emaranhado) se encontrem associados a relações problemáticas a longo prazo. Por exemplo, quando os níveis de “coesão” são muito baixos (sistemas desligados) os indivíduos apresentam uma autonomia muito elevada em relação à família, com sentimentos reduzidos de apego ou compromisso face aos outros membros do sistema familiar. Por outro lado, quando os níveis de” coesão” são muito altos (sistemas emaranhados) tende a existir demasiado consenso dentro da família e, consequentemente, reduzida autonomia entre os sujeitos. Em contrapartida, níveis centrais de “coesão” (separado e ligado) constituem indicadores de um funcionamento familiar equilibrado, em que os sujeitos

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são capazes de se sentir independentes e simultaneamente ligados à sua família (Olson, 2011) (Figura 4).

Figura 4. Representação esquemática do Modelo Circumplexo – Relação entre a flexibilidade e a coesão

Fonte: Olson (2011, p. 75) (Adaptado pela autora)

A “flexibilidade” consiste na capacidade que o sistema familiar tem para modificar a sua estrutura de poder, os papéis relacionais e as regras de funcionamento perante acontecimentos potenciadores de stresse, sejam eles ocasionais ou estruturais.

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Esta dimensão é medida com base na avaliação dos tipos de liderança (assertividade, controlo e disciplina), dos estilos de negociação e dos papéis e regras de relacionamento (Silva, 2015).

A terceira dimensão é a “comunicação” que é considerada facilitadora da “coesão” e da “flexibilidade”. Porém, tal facto impede que a “comunicação” seja incluída no modelo operacional. A relação da “comunicação” com o funcionamento familiar é linear, ou seja, quanto melhor for a “comunicação”, melhor será também o funcionamento familiar. A esta dimensão encontram-se associadas características como: empatia e escuta ativa do recetor, competências comunicativas do emissor, liberdade e clareza de expressão, continuidade, respeito e consideração (Silva, 2015).

O Modelo Circumplexo visa a operacionalização de três hipóteses, com base nas dimensões supramencionadas. Mais especificamente é esperado que:

1) níveis equilibrados de “coesão” e “flexibilidade” favoreçam um funcionamento familiar saudável;

2) níveis desequilibrados de “coesão” e “flexibilidade” familiares se encontrem associados a um funcionamento familiar problemático;

3) sistemas familiares equilibrados apresentem uma melhor “comunicação” e uma mais elevada “satisfação” familiar (Olson, 2011).

A FACES IV, que permanece como a versão mais atual, é de autorresposta e destina-se a conhecer o funcionamento da família. A Escala é constituída por62 itens: 14 itens das subescalas equilibradas (7 para a Coesão Equilibrada e 7 para a Flexibilidade Equilibrada); 28 itens das subescalas desequilibradas (7 para cada uma das subescalas Emaranhada, Desmembrada, Rígida e Caótica); 10 itens da subescala da Comunicação; e 10 itens da subescala da Satisfação. A aplicação da Escala permite enquadrar as famílias numa das 6 tipologias (Olson & Gorall, 2006):

- Tipologia 1, Equilibradas (Balanced): caracterizadas pelas pontuações mais altas nas subescalas de equilíbrio (da Coesão e Flexibilidade), e mais baixas nas subescalas de desequilíbrio. Esta combinação indica uma tipologia familiar com altos níveis de funcionalidade e baixos níveis de disfuncionalidade. Deste modo, este tipo de famílias provavelmente irá lidar bem com o stresse e a mudança.

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- Tipologia 2, Rigidamente Coesa (Rigidly Cohesive): caracterizadas por pontuações altas na subescala Rígida e da Coesão. Apresentam pontuações moderadas na subescala Emaranhada e baixas pontuações nas subescalas Desmembrada e Caótica. Esta tipologia familiar apresenta um grau elevado de aproximação emocional e rigidez. Desta forma, irá provavelmentefuncionar bem devido ao seu grau de proximidade, mas poderá ter dificuldades em promover mudanças face a alguma rigidez.

- Tipologia 3, Médias (Midrange): caracterizadas por pontuações moderadas em todas as subescalas exceto na subescala Rígida, cujos valores podem-se apresentar como muito elevados ou muito baixos. Esta tipologia familiar irá provavelmente funcionar adequadamente, já que não apresenta um nível elevado de fatores de risco resultantes de pontuações altas nas subescalas desequilibradas. Contudo, também não apresenta fatores de proteção resultantes de pontuações baixas nas subescalas equilibradas. - Tipologia 4, Flexivelmente Desequilibradas (Flexibly Unbalanced): caracterizadas por pontuações altas em todas as subescalas exceto na Coesão, onde apresenta níveis moderados a baixos. Ainda assim, apresenta pontuações altas na Flexibilidade, o que poderá significar que estas famílias, quando necessário são capazes de alterar as suas áreas problemáticas. As famílias enquadradas nesta tipologia são, segundo os autores, as mais difíceis de caraterizar.

- Tipologia 5, Caoticamente Desmembradas (Chaotically Disengaged): caracterizadas por baixas pontuações nas subescalas Emaranhada e Rígida e pontuações altas nas subescalas Caótica e Desmembrada. Este tipo de família, em princípio terá problemas graves, dada a falta de aproximação emocional entre os elementos. Poderá ser tão problemática como as famílias desequilibradas.

- Tipologia 6, Desequilibradas (Unbalanced): caracterizadas por altas pontuações nas 4 subescalas de desequilíbrio e pontuações baixas das 2 escalas de equilíbrio, são o oposto das famílias equilibradas. Estas famílias revelam muitos problemas no seu funcionamento geral.

Olson e Gorall (2006) criaram ainda, no que diz respeito à “coesão” e “flexibilidade”, pontuações que permitem calcular o rácio da “coesão”, da “flexibilidade” e o rácio total para cada família. Quanto mais os valores se apresentarem

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acima de 1, mais funcional é o sistema familiar, e quanto mais os valores se apresentarem abaixo de 1, menos funcional é esse sistema. A fórmula que permitiu estas pontuações está descrita na tabela (Tabela 2).

Tabela 2. Rácio de Coesão, Flexibilidade e Total (Silva, 2015, p. 13)

O rácio da “coesão” é obtido a partir da divisão da pontuação na subescala da Coesão pela média das pontuações nas subescalas Emaranhada e Desmembrada. O rácio da “flexibilidade” obtém-se dividindo a pontuação na subescala da Flexibilidade pela média das pontuações nas subescalas Rígida e Caótica. O rácio total é calculado dividindo a média das subescalas de equilíbrio (Coesão e Flexibilidade) pela média das pontuações nas subescalas de desequilíbrio (Emaranhada, Desmembrada, Rígida e Caótica).

Sendo assim, as famílias equilibradas são as que têm as pontuações mais altas (2,5), seguidas das famílias rigidamente coesas (1,3). As famílias desequilibradas e caoticamente desmembradas apresentaram as pontuações mais baixas (0,24 e 0,38). As famílias médias pontuaram perto do 1, colocando-se no meio dos 2 tipos extremos. As famílias flexivelmente desequilibradas tiveram também uma pontuação baixa (0,75) (Olson & Gorall, 2006). Estes resultados comprovaram a validade das pontuações obtidas pelos rácios, sendo o cálculo também bastante útil em investigação permitindo determinar o grau no qual uma família é saudável ou problemática (Olson, 2011).

Silva (2015) traduziu para português e validou a Escala de Avaliação da Coesão e Flexibilidade Familiar – Versão IV (FACES IV) para a população portuguesa, com o

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objetivo de analisar as diferenças na perceção dos sujeitos acerca do funcionamento da sua família, em cada uma das etapas do seu ciclo de vida. O uso da escala FACES IV apresentou uma boa capacidade de avaliar corretamente as famílias funcionais e uma capacidade média para avaliar as famílias disfuncionais, demonstrando a necessidade de uma mais completa e posterior adequação das subescalas Emaranhada e Rígida que representam as famílias disfuncionais para a cultura portuguesa.

O capítulo seguinte será centrado na realidade portuguesa, nomeadamente nas políticas públicas de promoção da AF e como estas se refletem na escola, particularmente na disciplina de educação fisíca e na oferta extra curricular de AF. Será retratada a família contemporânea portuguesa, a “coesão” familiar e os impedimentos e motivações desta para a prática de AF.

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CAPÍTULO 4 – Motricidade Humana em Portugal: Enquadramento Político