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Atividades gerais e atividades de linguagem

II. DAS ATIVIDADES SOCIAIS ÀS PROPRIEDADES DOS TEXTOS

1.1. Atividades gerais e atividades de linguagem

Retomando as noções de atividade e ação da Teoria da Atividade, assim como os princípios do Interacionismo Social, o trabalho do ISD, privilegiando uma abordagem descendente (Voloshinov, [1929]1977)9, do global para o particular, articula três níveis de análise:

a) no primeiro nível, estão incluídas as dimensões da vida social (pré-construídos históricos): Dimensõe s da vida soc ial Pré- construídos históricos

• Formações sociais (valores normas e instituições)

• Atividades coletivas o Gerais

o Atividades de linguagem • Mundos formais

Quadro 2: dimensões da vida social; elaborado a partir de Bronckart (2006a: 128-129)

Como se apresenta no quadro acima, os pré-construídos históricos incluem: as formações sociais (instituições, valores e normas); as atividades coletivas gerais (organizam as relações entre o indíviduo e o ambiente); as atividades de linguagem, que comentam as atividades gerais, explorando uma língua natural e que se materializam em diferentes textos; e os mundos formais ou estruturas de conhecimentos coletivos (Bronckart, 2006a: 128-129).

As atividades coletivas, como pré-construídos históricos, dizem respeito às “estruturas de cooperação/colaboração que organizam as interações dos indivíduos” (Bronckart, 2006a: 138), constituindo, assim, quadros organizadores das interações humanas. Nestas atividades, temos, por um lado, as que são classificadas de acordo com os seus motivos antropológicos, como, por exemplo, a nutrição e a reprodução e, por

9 A abordagem descendente era também defendida por Bakhtin ([1979]1984), Rastier (2001a) e Adam

24 outro, atividades classificadas de acordo com as suas propriedades estruturais, que são dependentes das opções das formações sociais e, por isso, se transformam ao longo da história (Bronckart, 2006a: 138).

Além disso, as atividades coletivas, segundo Bronckart et al. (1985), estão associadas a lugares sociais, isto é, zonas de cooperação onde se desenvolve a atividade humana específica à qual se articula a atividade de linguagem. Em Bronckart et al. (1985: 33), propõe-se uma classificação de lugares sociais, contemplando diferentes tipos de instituições e aparelhos ideológicos da sociedade contemporânea, bem como zonas de exercício de práticas quotidianas.

Lugares sociais

1. Instituições económicas e comerciais 2. Instituições político-estatais

3. Instituição literária (ou literatura) 4. Instituição académico-científica 5. Instituições de cuidado

6. Instituições de repressão (justiça e política) 7. Instituição escolar

8. Instituição familiar 9. Instituições mediáticas 10. Lugares de práticas de lazer

11. Lugares de práticas de contacto quotidiano

Quadro 3: lugares sociais; extraído e traduzido de Bronckart et al. (1985: 3)

Quanto às atividades de linguagem, são estas que permitem o mecanismo de entendimento necessário à realização das diferentes atividades gerais, contribuindo para a sua regulação, planificação e avaliação. As atividades de linguagem também dependem das propriedades das formações sociais, pois estão dependentes das atividades gerais a que estão associadas.

b) no segundo nível de análise, estão os comportamentos de mediação formativa, que dizem respeito aos processos de integração dos recém chegados nos pré-construídos.

25 c) o terceiro nível de análise diz respeito aos efeitos que esses processos de mediação exercem sobre os indivíduos; neste nível, Bronckart distingue duas problemáticas: a primeira diz respeito ao processo de “tranformação do psiquismo sensorio-motor num pensamento consciente”; a segunda corresponde às “condições de desenvolvimento das pessoas, no quadro de transações entre as representações individuais e as representações coletivas” (Bronckart, 2006a: 129).

1.1.1. Agir e ação

No quadro destas relações de interdependência, temos também as noções de agir e de ação. O agir, numa aceção geral, diz respeito a todos os comportamentos ativos de um organismo. Embora todas as espécies tenham comportamentos de agir comunicativo, a espécie humana é a única que possui a capacidade de realizar um agir comunicacional verbal, ou seja, a capacidade de produzir textos, mobilizando signos de uma língua natural. Neste âmbito, distingue-se ainda o agir de linguagem (verbal) do agir geral (Bronckart, 2006a: 137).

Quanto às relações entre as formas de agir e atividades, no ISD, o agir de linguagem, numa perspetiva coletiva, enquadra-se nas atividades de linguagem, que, por sua vez, regulam e comentam as atividades gerais. Por outro lado, o agir de linguagem depende do agir geral, tendo em conta que as propriedades das atividades de linguagem

dependem das atividades gerais a que estão associadas. Além disso, o agir geral, numa

perspetiva individual, corresponde a uma ação. Porém, como esclarece a citação seguinte,

a ação de linguagem constitui parte da atividade de linguagem assumida por um indíviduo.

Pour l’interactionnisme socio-discursif, une des propriétés majeures de l’espèce humaine est de mettre en œuvre un agir langagier dont la fonction première est de produire des significations et de permettre ce faisant que s’établisse, au sein d’un groupe, une entente relative aux propriétés de l’agir non verbal (ou agir général) et aux propriétés du monde dans lequel ce dernier se déploie. Lorsque l’agir langagier est saisi au plan collectif des productions de groupe, nous le qualifions d’activité langagière ; lorsqu’il est saisi au plan des productions d’un individu, nous le qualifions d’action langagière. L’action

langagière constitue dans cette perspective la part de l’activité langagière assumée par un individu déterminé ou actant.

26 De acordo com esta perspetiva, a linguagem é uma forma de atividade nas diferentes esferas da interação humana. Assim, através da exploração dos recursos de uma língua natural, as atividades de linguagem, que comentam as atividades gerais, materializam-se em diferentes espécies de textos, cujas propriedades dependem, desta

forma, das propriedades das atividades gerais e de linguagem. Considerando estas relações de dependência, o ISD defende que as produções de linguagem devem ser relacionadas, primeiramente, com a atividade humana em geral (Bronckart, [1997]1999: 107).

Para a compreensão do estatuto da linguagem no quadro do ISD e do seu papel no desenvolvimento humano, questão central no seu campo de trabalhos, são especialmente relevantes os contributos de Voloshinov ([1929]1977), Vygotsky ([1934]1997) e Saus- sure ([1916]1978; 2002).