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Configuração linguística dos tipos discursivos

Esquema 8: organizadores e conectores; extraído de Adam (1999: 59)

5. Tipos discursivos

5.1. Configuração linguística dos tipos discursivos

Como já mencionado, ao contrário das operações psicológicas implicadas na construção dos mundos discursivos, as propriedades dos tipos linguísticos dependem dos recursos da língua natural em que foram produzidos os textos. Vejamos, então, a configuração linguística dos tipos discursivos em francês, começando pela ordem do expor (interativo e teórico), seguindo-se os tipos discursivos da ordem do narrar (relato interativo e narração) ([1997]1999: 165-179).

5.1.1. Ordem do expor: interativo e teórico

Como referido atrás, na ordem do expor, a construção das coordenadas temporais que organizam os conteúdos temáticos expressa acontecimentos simultâneos à situação de enunciação, existindo um valor de conjunção temporal. Todavia, como também men- cionámos, a organização temporal cruza-se com duas possibilidades de organização agentiva: implicação, no tipo interativo, e autonomia, no tipo teórico. No quadro que se segue, damos conta das unidades linguísticas que caracterizam os dois tipos discursivos em francês.

96 Ordem do expor

In

te

rativo

• Diálogo ou monólogo / oral ou escrito • Turnos de fala nos diálogos

• Presença de unidades que remetem para a interação verbal (real ou encenada) • Presença de frases não declarativas (interrogativas, imperativas, exclamativas • Tempos verbais do plano do discurso (presente, pretérito perfeito do indicativo e

futuro perifrástico29)

• Presença de unidades que remetem para objetos acessíveis no tempo e/ou no espaço (ostensivos, deíticos espaciais e temporais)

• Nomes próprios, verbos, pronomes e adjetivos de 1.ª e 2.ª pessoa (singular e plural) com valor exofórico

• densidade verbal elevada e densidade sintagmática baixa

Presença de outras unidades com valor parcialmente descriminativo:

o pronome indefinido “on”, como pronome de 1.ª pessoa do singular ou plural o anáforas pronominais

o auxiliares de modo e outros auxiliares com valor pragmático

T

eór

ico

• Monologado e escrito

• Ausência de frases não declarativas

• Tal como no discurso interativo, há a exploração dos tempos verbais do plano do discurso, porém, distingue-se pela predominância das formas do presente e pretérito perfeito com valor genérico

• Ausência de unidades que remetem para objetos acessíveis no tempo e/ou no espaço (ostensivos, deíticos espaciais e temporais)

• Ausência de nomes próprios, verbos, pronomes e adjetivos de 1.ª e 2.ª pessoa (singular e plural) com valor exofórico

• Possível presença de formas na primeira pessoa do plural (“on”) que remetem para os pólos da interação, mas não para os protagonistas

• Organizadores com valor lógico e argumentativo

• Modalizações lógicas e presença do auxiliar de modo “poder”

• Procedimentos de focalização (metatextuais); procedimentos de referência intratextual e intertextual

• Presença de frases passivas

• Presença de anáforas pronominais e/ou nominais, bem como procedimentos de referenciação deítica intratextual

• Densidade verbal baixa e densidade sintagmática muito elevada

Quadro 10: configuração linguística dos tipos interativo e teórico; elaborado a partir de Bronckart ([1997]1999: 165- 179)

29Como refere Bronckart ([1997]1999: 168), estes três tempos verbais “exprimem a relação que é

estabelecida entre o momento dos acontecimentos verbalizados no texto e o momento da tomada da palavra da interação”. Assim, em termos de valor temporal, o presente tem valor de simultaneidade, o pretérito perfeito de anterioridade e o futuro de posterioridade.

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5.1.2. Ordem do narrar: relato interativo e narração

Na ordem do narrar, a construção das coordenadas temporais que organizam os conteúdos temáticos expressa acontecimentos disjuntos da situação de enunciação, exis- tindo, por isso, um valor de disjunção temporal. Tal como nos tipos discursivos da ordem do expor, a organização temporal cruza-se com duas possibilidades de organização agentiva: implicação, no relato interativo, e autonomia, na narração. No quadro abaixo, damos conta das unidades linguísticas que caracterizam os dois tipos discursivos em fran- cês. Ordem do narrar R elato i n te ra tivo

• Geralmente monologado (real ou encenado) • Turnos de fala nos diálogos

• Presença de unidades que remetem para a interação verbal (real ou encenada) • Ausência de frases não declarativas

• Exploração dos tempos verbais do plano do história (Benveniste) ou tempos

narrativos (Weinrich): pretérito perfeito, pretérito imperfeito, mais-que-perfeito,

futuro simples e futuro do pretérito

• Presença de organizadores temporais que decompõem o narrar desenvolvido a partir da origem espaço-temporal, explícita ou não

• Presença de pronomes e adjetivos de 1.ª e 2.ª pessoa (singular e plural) que remetem para os protagonistas da interação verbal do relato

• Presença de anáforas pronominais, por vezes, associadas a anáforas nominais (com repetição fiel do antecedente)

• Densidade verbal elevada (semelhante ao discurso interativo) e densidade sintagmática baixa.

N

ar

raç

ão

• Geralmente escrito e sempre monologado • Presença exclusiva de frases declarativas

• Exploração dos tempos verbais do plano da história, com predominância das formas do pretérito perfeito e imperfeito (marcação de isocronia e contrastes aspetuais); formas no pretérito mais-que-perfeito composto (na marcação de relação retroativa) e futuro do pretérito (em português); e formas complexas (auxiliar no imperfeito + infintitivo), na marcação de relação de projeção

• Tal como no relato interativo, presença de organizadores temporais que decompõem o narrar desenvolvido a partir da origem espaço-temporal, explícita ou não • Ausência de pronomes e adjetivos de 1.ª e 2.ª pessoa (singular e plural) que remetam

para o produtor ou destinatário do texto

• Presença conjunta de anáforas pronominais e anáforas nominais (por substituição lexical

• Densidade verbal média e densidade sintagmática média

Quadro 11: configuração linguística dos tipos relato interativo e narração; elaborado a partir de

98 A configuração linguística dos tipos discursivos apresentada corresponde às unidades linguísticas que os concretizam e caracterizam em francês. Tendo em conta que uma forma linguística pode ser comum a mais do que um tipo, para a identificação de um tipo discursivo, é necessário, por um lado, analisar a forma como interagem as unidades linguísticas e não apenas a ocorrência de uma unidade isolada e, por outro, considerar que um tipo discursivo pode ser identificado a partir da ocorrência de apenas parte destas unidades. Isto significa, por exemplo, que num segmento do tipo interativo é bastante provável que não ocorram todas as unidades linguísticas que o caracterizam, mas apenas parte delas.

Embora os estudos realizados comprovem que os arquétipos discursivos são identificáveis em textos produzidos em outras línguas, verifica-se que a marcação linguística dos tipos varia consoante os recursos da língua natural em causa. Apesar de a caracterização efetuada por Bronckart (1997) dizer respeito às formas e construções linguísticas associadas aos tipos discursivos em textos do francês, na tradução da obra do autor (Bronckart, [1997]1999), já são tidas em conta algumas das particularidades linguísticas do português. Porém, ainda que a caracterização apresentada integre essas adaptações, não deixa de ser necessário efetuar trabalhos que analisem a configuração linguística dos tipos discursivos em português europeu. Ainda que este não seja o objetivo central da presente investigação, julgamos que as análises efetuadas poderão constituir um contributo neste âmbito.