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1.6 Subvenções

1.6.1 Ato ou contrato?

Muito se discute acerca da natureza jurídica das subvenções, se assumiriam a condição de contratos ou se seriam “meros” atos administrativos.

Questiona-se, ainda, se estariam inseridas no campo das doações e, nessa hipótese, se simples ou modais, tendo em vista a recorrente utilização da expressão “a fundo perdido” quando da sua conceituação.58

Nesse particular, Villar Ezcurra assinala a tendência da doutrina espanhola em considerar as subvenções como doações modais, em que se estabelecem condições para o seu aperfeiçoamento (VILLAR EZCURRA, 1999, p. 120).

Para Rego Blanco:

A jurisprudência que enfrentou esses problemas construiu a solução do caso sobre a base da natureza condicionada da subvenção. Afirma-se que uma subvenção, mais que responder à tipicidade de um ato puro declarativo de direitos, constitui uma “doação modal” ou um benefício “condicionado ao cumprimento, pelo seu beneficiário, dos requisitos e

fins previstos na norma [...] que a estabeleceu”. (REGO BLANCO, 1996, p. 181, traduzimos).

Temos, diferentemente do exposto, que de doação não se pode tratar, vez que a relação subvencional não altera a natureza, ou a titularidade dos valores/bens disponibilizados, os quais mantêm a característica pública.

Realmente, a sua simples entrega a entes diversos para que se lhes apliquem em finalidade de interesse público previamente estipulada não é suficiente para que se lhes faça incorporar ao patrimônio privado ou dos entes públicos beneficiários diretos.

O beneficiário não tem livre disposição dos bens/valores, que ficam vinculados à causa subvencional. É o que defendem Justino de Oliveira59 e Lopez-Muñiz.60

Este último advoga a natureza de ato jurídico declarativo e a aplicação, analógica, do regime das doações modais (LOPEZ-MUNIZ, 1989, 761-763).

Para Santamaría Pastor (2000, p. 358-360), Baena del Alcázar (1967, p. 76) e Garrido Falla, podem assumir a natureza tanto de ato como de contrato, ficando a critério da Administração a adoção de um ou outro modelo:

Existe, assim, uma primeira série de subvenções, que se concedem unilateralmente pela Administração. O caráter unilateral está, desde logo, claro naquelas que, na expressão de Zwahlen, constituem “um fim em si mesma”, posto que tendem simplesmente a ajudar o subvencionado, sem exigir de sua parte uma conduta determinada. Pode-se incluir aí as subvenções que discricionariamente são outorgadas a entidades privadas de caráter benéfico, centros de docentes, agrupações culturais ou artísticas, etc. Agora, o caráter unilateral não desaparece naqueles casos em que a subvenção tem por sua causa jurídica um certo comportamento — ativo ou passivo — do subvencionado. Nesses casos, a subvenção geralmente é uma das consequências jurídicas de um ato administrativo anterior que coloca o sujeito afetado em uma situação complexa de direitos e deveres anteriormente prevista em lei ou regulamento. Há outros casos, ao contrário, em que a subvenção tem igualmente por causa o comportamento do subvencionado, sua concessão se realiza mediante um procedimento contratual. (GARRIDO FALLA, 1992, p. 311-312, traduzimos).

59

“Parece-nos estreme de dúvidas a afirmação segundo a qual o repasse de verbas públicas para uma entidade privada sem fins lucrativos, efetivada pela via do convênio, termo de parceria, contrato de gestão, contrato de repasse ou qualquer outro instrumento jurídico, não tem o condão de transformar a natureza do repasse financeiro, de público para privado.” (OLIVEIRA, 2007, p. 231).

60

“A afetação ou vinculação desse direito implica na obrigação do beneficiário de ater-se a ela, exercendo-o somente para a realização da atividade a que afetado. Se lhe foi concedido somente para isso ou na medida em que se aplique a essa atividade: nos demais aspectos, o bem ou direito de que se trate, por assim dizer, não lhe pertencem, não lhe foi transferido. Daí que o Poder público dispensador, que tem o dever de velar pela legalidade e que ademais retém as dimensões do bem ou direito dispensado, poderá exigir que se respeite e cumpra a afetação e revogar, em sendo o caso, a ajuda.” (LOPEZ-MUÑIZ, 1989, 761, traduzimos).

Discordamos do autor citado no que toca à possibilidade, retratada no início do excerto, de outorga desse tipo de mecanismo de fomento independentemente da assunção de qualquer postura pelo beneficiário.

O princípio da isonomia não admitiria a outorga de estímulos nessas condições, sem que por seu intermédio se promovesse, indiretamente, uma postura coletivamente relevante, denotante de interesse público.

Villar Palasí defende a natureza de ato administrativo sujeito a condição resolutória, na medida em que:

A forma de outorga é um ato administrativo de direito público, a postura da Administração frente ao beneficiário é a de potentior persona, com faculdades exorbitantes das correspondentes a uma doação civil. O beneficiário não exerce influência alguma na formação do vínculo subvencional, vez que se limita à sua solicitação e aceitação. O fim da subvenção é sempre um fim público ou de interesse público. (VILLAR PALASÍ, 1954, p. 65, traduzimos).

No mesmo sentido, Gimeno Feliu.61

Para De la Riva, a hipótese seria de estabelecimento de uma “relação especial de sujeição”:

É sabido que as relações de especial sujeição, categoria forjada no âmbito do Direito alemão, caracterizam-se por comportar uma dependência particularmente acentuada a respeito da Administração, que se traduz na prática de um estado de liberdade restrita dos súditos que as alcança. A presença desse regime mais intenso foi atribuída à maior proximidade entre administrado e Administração causada pela inserção daquele na esfera organizativa desta última, a ponto de o particular passar a fazer parte de seus quadros e desenvolver em benefício daquela uma concreta atividade manual ou intelectual. No caso específico das ajudas públicas nasce, sim, uma relação jurídica entre Administração outorgante e

61 “A concessão de uma ajuda ou subvenção é um ato declarativo de direitos, pelo que sua eventual revisão de ofício fica submetida aos procedimentos previstos nos artigos 102 e 103 da Lei 30/1992, reguladora do Regime Jurídico das Administrações Publicas e do Procedimento Comum. Sem embargo, esse procedimento não será necessário quando não se cumpra o encargo que impõe a Administração, que nesse caso procederá à reintegração da ajuda ou subvenção, tal e como expressamente dispõe a legislação específica vigente: a pessoa, pública ou privada, que seja beneficiária da ajuda ou subvenção não tem livre disposição, dado que, pelo caráter finalista dessas medidas, está comprometida a certas obrigações [...]. Dado esse caráter finalista, se não satisfeitos efetivamente esses encargos (vez que se configuram como um direito-dever) proceder-se-á à devolução da subvenção, como dispõe o artigo 81.9 LGP, por descumprimento da obrigação ou a finalidade. Nessas situações a exigência de devolução (não revogação) é correta, pois existe na concessão da ajuda um encargo (que se comporta como uma espécie de ‘resolução resolutória’) que, se descumprido, determina a extinção da mesma, sem que isso pressuponha uma revogação.” (FELIU, 1995, p. 177, traduzimos).

beneficiário aceitante (aquela, precisamente, que denominei relação subvencional), em razão da qual se cria um vínculo de sujeição que habilita a primeira a exercer poderes de controle e fiscalização da atividade subvencionada. (DE LA RIVA, 2004, p. 186, traduzimos).

Respeitadas todas as convicções supratranscritas, consideramos inegável a presença, nas subvenções, de obrigações recíprocas, não necessariamente sinalagmáticas, mas que findam por vincular as partes envolvidas, a ponto de se justificar o controle mútuo quanto ao atendimento aos compromissos originariamente assumidos.

Há, ainda, a concorrência de duas vontades, independentes, para a criação de referidas obrigações e prestações, e que são compatibilizadas por meio do processo subvencional.

Existe quem defenda até mesmo a própria incidência, nesta seara, da cláusula exceptio inadimplendi contratus, inerente, como sói de ser, às diversas categorias contratuais: “[...] Na verdade, o procedimento de reintegração se justifica pela exceptio inadimplendi prevista no Código Civil para as obrigações recíprocas que, a seu ver, constituem o apoio sobre o qual se sustentam as relações de caráter contratual.” (VILLAR EZCURRA, 1999, p. 128,62 traduzimos).

E nem se articule, conforme lição de De la Riva (2004, p. 176-179), que não haveria a possibilidade de a Administração exigir o cumprimento da obrigação/prestação assumida pelo beneficiário.

Os próprios princípios da moralidade, eficiência, economicidade e isonomia são incompatíveis com esse entendimento, na medida em que não se pode ter por compatível com o atual estágio evolutivo das ciências jurídicas no que toca à atuação administrativa a outorga de bens a particulares individualizados, em detrimento dos demais, sem que tal ato seja justificado — efetivamente — pela implementação real das medidas de interesse público buscadas.

Subtrair da Administração a possibilidade de exigência de atendimento às condições inicialmente fixadas seria compactuar com a malversação de verba pública em benefício de alguns poucos, sem qualquer motivo que lhe desse sustentação (OLIVEIRA, 2010, p. 225).

Registremos, também, que outros mecanismos de fomento há em que a mobilização da Administração fomentadora se restringe à criação e publicação das

62

Vale registrar, nesse contexto, postura um tanto paradoxal adotada pelo autor, na medida em que, não obstante defenda a incidência da referida exceção de contrato não cumprido, não considera as subvenções inseridas na categoria dos contratos.

condições a serem seguidas, sem qualquer necessidade de formalização posterior de acerto em que se prevejam as circunstancias e moldes do exercício por ambos os envolvidos.

Nesses casos, ressaltada a indevassável exigência de atendimento ao interesse público, não consideramos a estipulação unilateral das condições a serem observadas indicativo suficiente do afastamento da natureza contratual da relação que se estabelece. Até porque a autonomia da vontade, a ilimitada e absoluta liberdade negocial, não é tida, em muitos casos, e desde há muito, como elemento essencial dos contratos, nem mesmo em sua acepção mais estreita.

Veja-se, nesse sentido, as figuras dos contratos de adesão e os próprios contratos administrativos, em que incide regime peculiar e específico, derrogatório de grande parte das normas — e da liberdade — de Direito Privado.