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1.4 Conceito

1.4.2 Instrumentos

Conforme bem adverte Jordana de Pozas, é absolutamente impossível o elenco completo e conclusivo de todas as formas de que pode se revestir a ação de fomento. (JORDANA DE POZAS, 1959, p. 50-51).

Apresenta o autor, porém, algumas possíveis classificações, segundo as quais seus instrumentos viabilizadores poderiam ser divididos, inicialmente, em: a) positivos, que outorgam prestações, bens ou vantagens; e b) negativos, “que significam obstáculos ou encargos criados para dificultar por meios indiretos aquelas atividades ou estabelecimentos contrários aos que o governante quer fomentar” (JORDANA DE POZAS, 1959, p. 51, traduzimos).

Sua classificação mais repercussiva, no entanto, vislumbra a existência de meios: a) honoríficos, compreensivos das distinções e recompensas outorgadas em reconhecimento público a um ato ou conduta exemplar; b) econômicos, determinantes da percepção de valores ou da dispensa de onerações obrigatórias, e divididos em reais ou financeiros, consistindo os primeiros no uso ou aproveitamento privilegiado de bens de domínio público, ou na utilização gratuita de serviços, e c) jurídicos, desencadeadores da outorga de uma condição privilegiada que, indiretamente, pode acarretar vantagens econômicas.

Ambas são também aceitas por Garrido Falla (1992, p. 304-317), Ariño Ortiz (2004, p. 346-347) e Baena del Alcazár (1967, p. 69-74).

Este último lembra a lição de Pellisé, para quem, ao lado dos meios honoríficos, estariam também os psicológicos, “que consistem fundamentalmente na propaganda” (BAENA DEL ALCÁZAR, 1967, p. 70).

A grande discussão relacionada a essas classificações vincula-se: a) à possibilidade de haver mecanismos negativos de fomento; e b) à existência dos denominados estímulos psicológicos.

Esses dois pontos apresentam-se intimamente ligados, conforme se depreenderá das ponderações desenvolvidas a seguir.

Os mecanismos negativos se caracterizariam essencialmente pela ausência de vantagem ou de ajuda ao indivíduo engajado na atividade fomentada, o que seria para muitos inconcebível, vez que os instrumentais a serem utilizados nas atividades promocionais deviam assumir conotação sempre positiva, ampliativa de direitos e franqueadora de “vantagens”.

Não se poderia vislumbrar, segundo essa linha, que o cidadão se sujeitasse, voluntariamente, a partir de mecanismos não coercitivos, a situações determinantes de restrições ou prejuízos em sua esfera jurídica. A neutralidade até poderia ser admitida, mas a limitação seria tida como incompatível com a noção de fomento.

A celeuma fica ainda mais complexa e distante de um deslinde tecnicamente satisfatório na medida em que a doutrina finda por traçar exemplos infelizes com vista a ilustrar a possibilidade dos mecanismos negativos.

É o que se observa, demonstrativamente, com o suposto exemplo de mecanismo negativo de fomento articulado por Garrido Falla, o qual defendeu que “um exemplo de meio negativo de fomento seria o imposto sobre o estado de solteiro (para fomentar o aumento da população do país) ou o imposto sobre as bebidas alcóolicas (para combater o alcoolismo)”. (GARRIDO FALLA, 1992).

Ora, é claro que a medida invocada não apresenta, de forma alguma, qualquer voluntariedade, sendo absolutamente obrigatória, vinculante e inevitável.

Não se trata de mecanismo de incentivo ou estímulo, mas da mais típica tradução da atuação imperativa e autoritária da Administração — a qual, em decorrência de distorção determinada pela adoção da postura teleológica de identificação do fomento, e não obstante suas características marcadamente de polícia, é indevidamente alocada na seara do estímulo estatal.

Afastada essa linha de argumentação, e retomando a viabilidade dos mecanismos negativos de fomento, cumpre-nos lembrar que os destinatários, o polo passivo, na relação de fomento, se desdobra — ou pode se desdobrar — em sujeitos distintos.

Realmente, conforme adiante se verá, tem-se por vezes o destinatário imediato, que se sujeita às condições estabelecidas pelo ente fomentador, e o indireto, traduzido naqueles que são final e efetivamente beneficiados pela mobilização dos primeiros provocados pelo Estado.

Plenamente plausível, nesse cenário, que o sujeito passivo intermediário atue com lastro em valores cívicos ou morais que lhe conduzam a fazê-lo, independentemente da existência de qualquer proveito direto para si.

São hipóteses em que o agente fomentado age solidariamente em benefício de um terceiro — acarretando, por vezes, uma restrição na sua esfera jurídica, seja abrindo mão de direitos, seja de valores economicamente traduzíveis. Essa atuação deve apresentar indispensável nexo de causalidade com o estímulo, com o incentivo estatal.

Nesse ponto, a questão ora tratada se entrelaça com a segunda discussão indicada, relacionada à admissão — ou não — de métodos psicológicos, ou melhor, da sua aceitação, como mecanismos de fomento.

Baena del Alcázar manifesta-se contrário a essa possibilidade, ao asseverar que é “muito discutível que a propaganda seja uma atividade interessante para o Direito Administrativo porque é, quando menos, duvidoso que a Administração atue nesses casos como poder público” (BAENA DEL ALCÁZAR, 1967, p. 71, traduzimos).

Outras linhas argumentativas, porém, existem, no sentido defendido por Villar Ezcurra: “A respeito dos estímulos puramente psicológicos a doutrina geralmente cita como exemplo as campanhas institucionais de publicidade [...] através das quais a Administração pretende influir no comportamento dos particulares” (VILLAR EZCURRA, 1999, p. 113, traduzimos).

Na doutrina pátria, compartilha desse posicionamento Célia Cunha Mello:

A finalidade perseguida pela atividade de fomento pode ser atingida empregando-se meios psicológicos, capazes de persuadir, sugestionar e induzir opiniões, atitudes e valores. Indubitavelmente, entre nós, os meios de comunicação em massa mostram-se cada vez mais eficazes nesse propósito. A propaganda veiculada por televisão, rádio ou Internet evidencia-se como poderoso instrumento condicionador de opiniões e do comportamento de pessoas. (MELLO, 2003, p. 90-91).

Não só seriam admissíveis os incentivos dessa natureza, como teriam eles uma forma de expressão basilar, traduzida nos mecanismos de propaganda.39

De fato, as campanhas levadas a cabo pela Administração representam meios não coercitivos de mobilização privada, pelos quais se pretende a promoção de finalidades de interesse público, em clara interação entre as duas esferas, motivo pelo qual não vemos como não incluí-las na classe das atividades objeto do presente estudo.

39 Necessário, nesse ponto, lembrar da definição técnica de propaganda, a qual não se confunde com a noção de publicidade: “[...] os termos publicidade e propaganda não são sinônimos, embora, habitualmente sejam utilizados um pelo outro até entre operadores do direito. Publicidade tem objetivo comercial, próprio para anunciar produtos e serviços possíveis de negociação. Propaganda, por sua vez, visa a um fim ideológico, próprio para a propagação de princípios, idéias, teorias, com objetivo religioso, político ou cívico.” (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 132).

Seria o caso, por exemplo, daquelas pessoas beneficiadas com a doação de bens e alimentos após tragédias naturais: os doadores, cuja ação foi estimulada a partir de uma política governamental, não apresentam ampliação alguma em sua esfera de direitos, diferentemente do que se vê com relação aos destinatários finais, que são socorridos e veem ampliados os seus bens/direitos.

Tem-se, portanto, que à Administração é dada, sim, a realização de propaganda, com vistas à promoção do interesse público — e que se traduz como mecanismos não coercitivos e indiretos de satisfação dos interesses e necessidades coletivas, podendo haver, nesse processo, a limitação voluntária da esfera de direitos de determinados entes/pessoas em detrimento do auxílio/promoção de outros.