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Tratamento das subvenções no ordenamento pátrio

1.6 Subvenções

1.6.3 Tratamento das subvenções no ordenamento pátrio

O Direito brasileiro trata das subvenções na Lei federal n. 4.320, de 17 de março de 1964, cujo artigo 12, § 3º, I, faz remissão às subvenções sociais como “transferências correntes destinadas a cobrir despesas de custeio de instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa”, observada sua necessária previsão na Lei orçamentária.

As subvenções econômicas, por sua vez, e nos termos do inciso II daquele mesmo dispositivo, seriam as “transferências correntes que se destinam a empresas públicas ou

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Nas palavras de Orlando Gomes, “não é pacífica a noção de contrato bilateral. Para alguns, todo contrato que produz obrigações para as duas partes, enquanto para outra a sua característica é o sinalagma, isto é, dependência recíproca das obrigações, razão porque preferem chamá-las contratos sinalagmáticos ou de prestações correlatas. Realmente, nesses contratos, uma obrigação é a causa, a razão de ser, o pressuposto da outra, verificando-se interdependência essencial entre as prestações. A dependência pode ser genética ou funcional. Genética, se existe desde a formação do contrato. Funcional, se surge em sua execução o cumprimento da obrigação por uma parte acarretando o da outra.” (GOMES, 1998, p. 71).

privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril, sempre decorrentes de expressa autorização de lei especial”.

Pois bem, as referidas transferências correntes são definidas como “as dotações para despesas as quais não corresponda contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manifestação de outras entidades de direito público ou privado.” (art. 12, § 2º, da Lei n. 4.320/67).

Quanto às despesas de custeio, são aquelas “dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis” (art. 12, § 1º, da Lei n. 4.320/67).

Notamos, de plano, algumas incongruências e inexatidões na disciplina legal da matéria, haja vista as ponderações supracolacionadas, inclusive e principalmente no que toca à indispensabilidade de a atividade de fomento, ocasionar a adoção de determinada postura/prática de interesse público por parte do seu destinatário.

Tem-se que o referido conceito legal de subvenção — excludente das atividades denotadoras da união de esforços, da mobilização do ente fomentado em prol do bem comum — não se coaduna com o espírito, com a própria natureza da atividade de fomento.

As subvenções aí referidas não se inserem, portanto, na categoria de estímulos ou incentivos, assumindo natureza jurídica diversa e não se sujeitando, assim, às posturas objeto do presente estudo.65

Não fosse isso, no que toca especificamente às subvenções sociais, a Lei federal n. 4.320/67 estabelece, em seu artigo 16, que constituem medidas excepcionais, tendo prioridade, em qualquer hipótese, o desenvolvimento das atividades pelo próprio Estado, diretamente.

Referido dispositivo, frontalmente ofensivo e incompatível com o princípio da subsidiariedade (a ser especificamente abordado, no item 1.8.6), não pode ser tido como recepcionado pela ordem constitucional de 1988, posto que incompatível com toda a lógica da Carta Maior, mormente após a Reforma Gerencial de 1995.66

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Registre-se, nesse ponto, posicionamento de Silvio Luiz Ferreira da Rocha, para quem “referido diploma se ocupa tão somente da atividade de fomento econômica direta.” (ROCHA, 2000, p. 46).

66 Levada a termo pelo Ministério da Administração e Reforma o Estado – MARE, chefiado pelo então Ministro Bresser Pereira, tinha por finalidade adaptar à Constituição de 1988 os princípios e ideais relativos ao modelo gerencial, em que ganham destaque a eficiência, o controle por resultados, a descentralização, a parceirização, a aproximação e horizontalização entre as esferas pública e privada. Nas palavras de Di Pietro, “em substituição parcial à tradicional Administração Pública Burocrática, introduz-se, em determinados setores, a Administração Pública Gerencial, na qual as ideias de hierarquia, imperatividade e executoriedade de decisões unilaterais são substituídas pela idéia de consensualidade. Em conseqüência, surgem novas formas de parceria entre o Estado e o particular e mesmo entre o Estado e órgãos públicos ou entidades da Administração Indireta, de que constituem exemplos os acordos-programa ou, na linguagem adotada no

Tecidas essas primeiras considerações, cumpre-nos repisar a insuficiência e inefetividade da disciplina normativa do instituto no ordenamento pátrio, motivo pelo qual, muitas vezes, atividades subvencionais típicas findam por sequer ser identificadas como tais, ficando sob a égide das regras especificamente traçadas quando de sua concessão.

No atual estágio, com a assunção de cada vez maior protagonismo pelo Terceiro Setor,67 a atividade subvencional de fomento — seja ela identificada como tal ou não — vem se ampliando de maneira bastante considerável.

As limitações constantes dos supratranscritos excertos legais não afastam a possibilidade de outorga de subvenções em hipóteses mais amplas que aquelas ali referidas.

A questão é que nosso ordenamento não detalha nem disciplina satisfatoriamente o instituto — motivo pelo que o seu regramento findava por se mostrar cada vez mais casuístico.

Findava porque, talvez realizando a inescusável lacuna, o legislador pátrio, tanto federal como estadual e municipal, vem expedindo normas disciplinadoras da transferência de receitas públicas a outros entes públicos ou privados, sem fins lucrativos, com vista a trazer uma maior segurança jurídica, homogeneidade e uniformidade de tratamento às situações ora consideradas.

É o se depreende da edição de instrumentais como o artigo 116 da Lei federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993; o Decreto n. 6.170, de 25 de julho de 2007; a Instrução Normativa SRF n. 1, de 05 de janeiro de 1997;68 a Portaria Interministerial

direito brasileiro, os contratos de gestão.” (DI PIETRO, 2007, p. 56-57). Veja-se, ainda, a lição de Gabardo: “O modelo burocrático é essencialmente metapragmático, propugnando pela adoção da impessoalidade como princípio fundamental, pela separação do patrimônio público do privado e pela dissociação entre esfera política e administrativa. Para o atingimento de tais pressupostos, caracteriza-se pela centralização das decisões, pela manutenção da hierarquia e unidade de comento, além de certa rigidez nas rotinas e procedimentos (cujo controle seria extensivo). Por estes motivos, foi taxado de um ‘regime de desconfiança’ por Bresser pereira, que passou a defender uma nova sistemática, fundada na confiança e no controle a

posteriori — de resultados. Neste modelo alternativo, fundado no princípio da subsidiariedade, o Estado

passa a ser um ente responsável prioritariamente pela atuação por via do fomento o dentro de limites de razoabilidade e excepcionalidade. Para tanto, deve desregulamentar e conceder incentivos fiscais e isenções.” (GABARDO, 2009, p. 114).

67 Nas ilustrativas palavras de Salamon, Sokolowski e Haddock, estima-se que “a ‘voluntarilândia’, se fosse um país, teria a segunda maior população adulta de todos o mundo, e seria a sétima economia mundial. [...] Quase um bilhão de pessoas ao redor do mundo disponibilizam seu tempo voluntariamente por meio de organizações públicas, com ou sem finalidade lucrativa, ou diretamente para amigos ou vizinhos, em um ano típico, fazendo da ‘voluntarilândia’, se um país fosse, o segundo mais populoso do mundo, atrás somente da China.” (SALAMON; SOKOLOWSKI; HADDOCK, 2011, p. 218-219, traduzimos).

68 “Art. 1º, § 1º. Para fins desta Instrução Normativa, considera-se: [...] VIII - subvenção social - transferência que independe de lei específica, a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem

MPOG/MF/CGU n. 507, de 24 de novembro de 2011; e do Decreto municipal de São Paulo n. 49.539, de 29 de maio de 2008.69

As subvenções sociais são operacionalizadas no contexto brasileiro, portanto, por meio de mecanismos como o convênio, o termo de parceria, o contrato de gestão, dentre outros.70, 71

O Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro também já se manifestou conforme esse entendimento:

É de se entender que, a princípio, o “convênio” é, apenas, uma modalidade formal, um dos veículos formais de avença pública. Não se pode confundir o veículo com a avença em si. Dessa maneira entende-se, por exemplo, que os convênios são a modalidade formal apropriada à subvenção, não se confundindo com essa. Subvenção, a rigor da lei, circunscreve-se ao suporte de custeio de atividades/entidades existentes. (MARTINS, 2008, p. 15).

Temos, finalmente, que as subvenções implicam necessariamente a transferência de bens ou valores do ente fomentador ao fomentado, os quais ficam, porém, absolutamente vinculados à consecução do objetivo de interesse público, orientador e direcionador de todo o atuar do destinatário do estímulo ou incentivo.

finalidade lucrativa, com o objetivo de cobrir despesas de custeio; note-se que aí já não há referência a ‘transferências correntes’, que independem de um agir do destinatário do estímulo.”

69 O qual, registre-se desde já, não se aplica aos convênios formalizados a partir das receitas do Fumcad, como expressamente dispõe seu artigo 1º, parágrafo único, VI: “Art. 1º. Este decreto regulamenta a celebração, a liberação de recursos, a execução e seu acompanhamento, a fiscalização e a prestação de contas de convênios celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública municipal direta e indireta com órgãos ou entidades públicas ou privadas, para a execução de programas, projetos, atividades e eventos de interesse recíproco, que envolvam a transferência de recursos oriundos do orçamento municipal. Parágrafo único. As normas deste decreto não se aplicam aos convênios: VI - que envolvam verbas advindas do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – Fumcad.”

70 Nesse sentido teve oportunidade de reconhecer o senhor Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Jarbas Ladeira: “O Apelante alega a inexistência de qualquer irregularidade no repasse de verbas públicas a um hospital particular, vez que tal ato foi motivado pela precariedade do serviço de atendimento médico-hospitalar do Município de Conselheiro Lafaiete, sendo que, por meio de subvenção pública, um hospital particular passaria a atender à população. Assim, afirmando que não se aplicam às subvenções as regras da Lei 8.666/93, pede a reforma da sentença primeva. Ao contrário dos argumentos do recorrente, entendo que as subvenções, por versarem sobre o erário, não estão sujeitas ao arbítrio e boa vontade subjetiva do Administrador. Para que um ente público subvencione outro ente público ou entidade particular, deve necessariamente obedecer aos ditames da lei, especialmente as orientações dispostas no art. 116 da Lei 8.666/93[...].” (Ap. 1.0183.04.066951-1/001, 2.ª Câm. Cív., j. 04.12.2007).

71 No mesmo sentido, vale citar o Decreto municipal de Foz do Iguaçu n. 19.178, de 28 de setembro de 2009, cujo artigo 2º assim dispõe: “A transferência, execução e prestação de contas de recursos repassados pela Administração Pública direta e indireta do Município de Foz do Iguaçu às entidades da Administração Pública e às entidades privadas sem fins lucrativos a título de contribuições, auxílios e subvenções sociais, a partir da celebração de convênios, acordos, termos de cooperação ou outro instrumento similar, deverão atender às normas deste Regulamento [...].”

É, assim, por meio desse instrumental, dentre outros, que se efetiva a confluência entre Direito Financeiro e Direito Administrativo, entre as esferas pública e privada, na medida em que a atividade subvencional da Administração — que goza da natureza jurídica de contratos lato sensu, reafirme-se — vem sendo efetivada por meio de instrumentais que já contam, para tranquilidade do intérprete, dos administradores e dos próprios entes beneficiários, com uma disciplina mais cuidadosamente elaborada.