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1.4 Conceito

1.4.1 Caracterização: meios ou finalística?

A adoção do critério teleológico ou de meio para a caracterização da atividade de fomento foi alvo, ao longo dos tempos, de intensas discussões doutrinárias.

Estaria ela configurada em todas as hipóteses em que a Administração buscasse, por quaisquer meios, mobilizar a iniciativa privada em prol do bem comum, ou somente naquelas situações em que essa perseguição do interesse coletivo33 se desse a partir de ferramentas não coativas?

A adoção da primeira posição, conforme a qual prepondera o diferenciador finalístico, levaria à possibilidade de utilização de técnicas típicas de polícia ou mesmo dos serviços públicos para a consecução da atividade fomentadora.

Nesse cenário, poderia se vislumbrar um entrelaçamento entre aspectos das três categorias clássicas de atuação estatal, admitindo-se, por exemplo, a proibição de determinada atividade em certos locais com vista a melhorar a segurança, e, consequentemente, o desempenho do comércio do entorno, como atividade de fomento.

Essa concepção foi defendida por Garrido Falla, para quem:

[...] na prática, os diferentes tipos de atividade administrativa se interpenetram até parecer confundir-se, por vezes. Assim, para estabelecer um serviço público, a Administração pode utilizar métodos coativos; inclusive a própria regulamentação do serviço tem uma natureza coativa semelhante a que oferece a polícia. A seu turno, há medidas de fomento que unicamente se podem provocar mediante o emprego prévio da polícia ou medida coativa: por exemplo, para estimular determinado setor da indústria nacional (finalidade de fomento) se impõe a aquisição obrigatória de seus produtos a determinado setor de consumidores (medida coativa de fomento). (GARRIDO FALLA, 1992, p. 123, traduzimos).

Os partidários da corrente finalística ou teleológica da definição de fomento adotam o princípio da intercambialidade das formas,34 autorizativo da utilização dos mais diversos meios para a consecução do estímulo, incentivo ou promoção.

Em contraposição a esse entendimento a doutrina de Baena de Alcázar e de Lopez-Muñiz:

Em resumo, nos deparamos com que o fomento considerado como um fim foi entendido e ainda se entende como atividade de política em sentido amplo. Por outra parte, admitindo a ideia de fim em concorrência

33 Na lição de Luis Roberto Barroso, “[...] na linha de fronteira entre o público e o privado, situa-se uma categoria jurídica desenvolvida nas últimas décadas: a dos interesses coletivos. Sob esse rótulo genérico desvelam-se os bens materiais e imateriais compartilhados por toda a sociedade ou por amplas parcelas nela integradas, como os bens de valor histórico, artístico e paisagístico; o meio ambiente; a segurança dos produtos de consumo de massa; a preservação da cultura nacional, em meio a muitos outros. As relações sociais e os interesses coletivos situam-se no espaço entre a vida exclusivamente privada e a vida pública.” (BARROSO, 2010, p. 62).

com a coação ou persuasão, comprovou-se que existia uma confusão possível entre a atividade de polícia e a de fomento. Permanece, pois, unicamente a diferença em razão da técnica coativa ou persuasiva na medida em que essas podem se considerar verdadeiras técnicas. (BAENA DEL ALCÁZAR, 1967, p. 63, traduzimos).

As ideias de persuasão, ou de estímulo ou incentivo que, com frequência, se propõem como distintivas do fomento, e que, sem dúvida, traduzem sua semântica própria, não podem furtar-se tampouco a uma significação principalmente finalística muito semelhante, motivo pelo qual as sugestões de substituir a denominação de atividade de fomento pela de atividades de persuasão ou de incentivo etc., não resolvem nada. No final, esses fins de persuadir, estimular ou promover, etc., podem ser atingidos através de diferentes meios, com modos diversos de atuação administrativa e não só com os que se quer aludir quando se fala da atividade de fomento, a qual, por outra parte, como já se disse, nem sempre se propõe a esses fins. O importante para distinguir os modos de ação administrativa é seu componente estrutural e não sua orientação teleológica. Os fins poderão ter, sem dúvida, sua relevância com relação a outros efeitos, mas não a estes. [...] Ocorre simplesmente que o elemento teleológico não intervém na diferenciação conceitual da atividade dispensadora de ajudas e recompensas a respeito dos demais modos de ação administrativa. (LOPEZ-MUNIZ, 1989, p. 756-758, traduzimos).

Segundo esses autores, o aspecto diferencial das atividades estatais estaria justamente na natureza dos mecanismos empregados, e não na sua finalidade, a qual, em última análise, acabará sempre se confundindo com a própria noção de interesse — ou interesses públicos.35

Villar Palasí aponta outra questão, a seu ver predominante com relação aos meios ou fins perseguidos: a ampliação da esfera jurídica do particular.36

De la Riva também traz um elemento a mais, asseverando que o ponto diferenciador fundamental do fomento é a coincidência entre os interesses público e particular envolvidos, os quais devem necessariamente se orientar no mesmo sentido.37

35 “[...] a lei atribui à Administração pública fins e interesses contraditórios entre si, reconhecendo à própria Administração o poder de ponderar tais interesses e fazer as escolhas. Assim, alguns avanços eram feitos — reconhecia-se que nem toda atividade pública era planejada de acordo com um resultado que, ao contrário, é produto do conflito de interesses públicos, quando vários interesses são canonizados sem que sejam estabelecidas ordem e prioridade; admitia-se que poderia haver um conflito que não fosse o público/privado; constatava-se que decisões administrativas implicam ponderações e, portanto, comparações de interesses.” (CASSESE, 2010, p. 87).

36 “Seguindo esse critério, a policia atua técnicas de atribuição de um minus na situação jurídica do particular, frente às técnicas de fomento que implicam em todo caso na atribuição de um plus. Desse modo, é o resultado da atuação administrativa em um ou outro caso — polícia e fomento —, o que importa primariamente para delimitar ambas as técnicas, segundo se amplie ou restrinja a esfera própria do súdito.” (PALASÍ, 1955, p. 44, traduzimos).

37 “A meu ver, o que se destaca na área da atividade administrativa estudada e funciona como pressuposto para a identificação do elemento configurador que estamos buscando é a coincidência, ao menos parcial, que se constata no fomento entre os interesses públicos e privados envolvidos, já que ambos se orientam ao mesmo sentido. É isso, precisamente, o que permite a Administração persuadir os particulares para que atuem

Realmente, considerada a voluntariedade das atividades particulares desencadeadas a partir dos estímulos públicos, temos que referida coincidência apresenta- se até mesmo como intuitiva, não se podendo imaginar que o particular se mobilize em determinado sentido, por iniciativa própria, de modo a sacrificar ou a ir contra seus próprios interesses.

Ressaltemos, porém, a possibilidade, cada vez mais comum, de mobilização da iniciativa privada em prol de terceiros, por vezes inclusive com redução de sua esfera jurídica.

Tais hipóteses se fundamentam no princípio da solidariedade, absolutamente atual e determinante da assunção, por todos os integrantes de uma dada sociedade, da responsabilidade pelo seu desenvolvimento e aprimoramento.

A consciência dos inevitáveis efeitos das relações dos diversos grupos com o todo descortina situações em que o agente fomentado não tem ganho direto algum com sua conduta — e, ainda assim, opta por adotá-la, com vista a fazer valer a denominada reciprocidade social.38

Não obstante a inviabilidade de refutarmos a necessária coincidência de pretensões em todas as atividades e posturas resultantes do fomento, não cremos ser possível inseri-la no seu âmbito estrutural fundamental, como elemento essencial dessa atividade. Isso porque incide essa coincidência apenas em um segundo momento, em que o fomento já se aperfeiçoou, e em um outro âmbito, estranho à esfera administrativa.

Temos mesmo que seria inadmissível pretender que o fomento existisse somente a partir do momento em que o particular a ele aderisse, na medida em que a Administração age por si, autonomamente e independentemente de qualquer postura condicionante de sujeitos que lhes sejam estranhos.

Não podemos confundir a atividade administrativa de fomento com os seus resultados, potenciais ou efetivos.

A ausência de coação já desempenha suficientemente a função de explicitar a faceta não autoritária da Administração fomentadora.

Temos, pois, que os parâmetros mais adequados à exata definição da atividade de fomento são aqueles correspondentes aos meios não coercitivos empregados, em cujo foco se deve concentrar o intérprete.

voluntariamente em uma direção determinada, porque desse modo, perseguindo seu próprio interesse beneficiarão, sem querer, a sociedade em geral.” (DE LA RIVA, 2004, p. 116, traduzimos).

É claro que essa postura não afasta a necessidade de a atividade se voltar à satisfação e promoção do interesse público — o que se verifica, porém, com relação a toda e qualquer atuação administrativa, motivo pelo qual não pode este ser tido como aspecto diferenciador ou como o elemento essencial da definição.