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0 Introdução geral

1.4.2 Ato II Desenvolvimento

1.4.2.1 Cenas 1 a 3: Sultão Saladino, seus planos, sua falta de dinheiro

Na primeira cena, Saladino joga desatentamente xadrez com sua irmã Sittah, de modo a deixá-la vencer. O xadrez serve como um exemplo da cultura oriental. Em modo proto-feminista, Sittah reclama que ela aprenderia mais se perdesse. Após uma série de xeques, ela vence e Saladino chama Al Hafi para dar a ela um presente em dinheiro. Seu plano de “paz” no Oriente Médio é o que realmente está tomando sua concentração. A “paz” seria alcançada, segundo ele, por dois casamentos entre as casas reais curda e a inglesa de Ricardo Coração-de-Leão. Sittah acusa os cristãos em geral de terem impedido este arranjo inter-racial por causa de seu orgulho (Stolz), mas Saladino aponta apenas os templários como os responsáveis. Saladino então menciona constrangido o seu problema maior, a falta de dinheiro.

Na segunda cena, esta questão da falta de dinheiro será explorada mais a fundo. Saladino ordena a seu tesoureiro que pague mil dinares a Sittah pela vitória no xadrez. Al Hafi, que esperava notícias sobre a chegada da caravana trazendo dinheiro do Egito, fica fora de si. Analisando a partida, o tesoureiro vê a rainha ainda ao tabuleiro, e insiste que o jogo de Saladino não está ainda perdido. Mesmo assim, o sultão lhe manda

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Sem dúvida, a questão racial, em si delicada, é suprimida por Lessing. Se o templário era meio curdo pelo lado paterno e meio alemão pelo lado materno, então isso haveria de ser constatável, em maior ou menor grau, no fenótipo do indivíduo, o que impossibilitaria o jogo de identidades que Lessing quer manipular na peça. Este ponto cego fica ainda mais estranho porque Saladino havia perdoado o templário justamente por ter visto nele o rosto e o olhar de seu irmão, o que significa que ele tinha

pagar de novo. Sittah se irrita e vira o tabuleiro. Al Hafi revela então a Saladino que sua irmã havia assumido os custos de suas despesas, poupando o Estado. Saladino se alegra, mas pede a seu tesoureiro que consiga mais dinheiro. Sittah sugere o recém- retornado sábio Natan, mas Al Hafi não conta que já havia ido ter com ele sobre isto. Nesta cena, Lessing procura demonstrar a sabedoria de Natan, que não empresta a Saladino para poder emprestar aos pobres, que o são independentemente da religião. Al Hafi faz o elogio de Natan: ele empresta bens, mas não dinheiro, tem entendimento, sabe viver e joga bem xadrez, distinguindo-se dos outros judeus, pois, para ele, todas as religiões são uma. Nisto Lessing antecipa a parábola do anel.

Al Hafi. “Zur Not wird er Euch Waren borgen.

Geld aber, Geld? Geld nimmermehr. - Es ist Ein Jude freilich übrigens, wie’s nicht

Viel Juden gibt. Er hat Verstand; er weiß Zu leben; spielt gut Schach. Doch zeichnet er Im Schlechten sich nicht minder, als im Guten Von allen andern Juden aus. - Auf den,

Auf den nur rechnet nicht. - Den Armen gibt Er zwar; und gibt vielleicht trotz Saladin.

Wenn schon nicht ganz so viel; doch ganz so gern; Doch ganz so sonder Ansehn. Jud’ und Christ Und Muselmann und Parsi, alles ist

Ihm eins.”53

Na terceira cena, Sittah discute com Saladino sobre a sabedoria e riqueza de Natan, que o sultão estranhamente desconhecia. Convidando o irmão ao harém, onde uma escrava cantora recém-comprada iria fazer uma apresentação, diz que prepara um golpe contra Natan para conseguir seu dinheiro. Nesta cena, a caracterização de Saladino é realmente a de um sultão incapaz, que tem vergonha de falar de dinheiro, mas que presenteia os bens do Estado de modo inconsequente, tanto a sua irmã, quanto aos pobres. É um Saladino que escolhe um monge-mendigo para servir de tesoureiro, e que espera criar a paz entre os povos e as religiões através da miscigenação. Suas boas intenções ficam patentes a cada passo, inclusive assustando-

aparência curda, e não alemã. Mas esse é o mesmo templário que se descreve como sendo um suábio grosseiro.

53 Al Hafi. "Em caso de necessidade, ele vos emprestará mercadorias. / Dinheiro, porém, dinheiro? Dinheiro jamais. - Trata-se / claramente de um judeu como / poucos há. Ele tem entendimento; ele sabe /viver; joga bem xadrez. Mas ele se distingue / no ruim não menos, que no bem / de todos os outros judeus. - Com eles, / com eles não contai. - Aos pobres dá / ele de fato; e o faz talvez apesar de Saladino./ Se talvez nem tanto; porém com gosto; / porém sem publicidade. Judeu e cristão / e muçulmano e parsi, tudo é / para ele um."

se quando a irmã sugere que dinheiro poderia ser extraído de Natan à força. Lessing constrói assim não só uma “realidade” histórica própria, mas procura facilitar a aceitação de valores e instituições orientais. De um lado, tanto o xadrez, quanto o harém, a escravidão e a prostituição são apresentados como sendo apenas aspectos culturais de caráter “exótico”. No outro extremo, os cristãos são intolerantes, preconceituosos e malévolos.

1.4.2.2 Cenas 4 a 8 : A educação do templário se inicia

Na quarta cena, Natan espera, com Recha, a volta de Daia, que anuncia a aproximação do templário. Ambas vão embora e Natan fica esperando que ele chegue. Antes disso, porém, Natan havia sugerido a Recha que ela talvez sentisse algo mais do que mera gratidão pelo templário, mas ela, na sua inocência, não capta a insinuação. De modo que possa controlar sua mente, ele pede a ela que não lhe esconda seus sentimentos, o que ela diz ser para ela inconcebível. Daia vem dizer que o templário está com o mal humor de sempre e Natan pede às duas que entrem na casa, donde poderão ficar observando da janela.

Na quinta cena ocorre o importante encontro e diálogo entre Natan e o templário, que se dá em três fases. Inicialmente, o templário se comporta de modo preconceituoso, mas Natan, vendo parte de seu manto chamuscado, beija a parte carbonizada, chorando. Isso comove o templário, e então passam à segunda fase, na qual Natan procura doutrinar o templário com a idéia do “bom indivíduo universal” (guter Mensch). Contrastando isto à mera obediência de ordem religiosa, Natan defende a tolerância mútua. O templário, contudo, acusa justamente os judeus de serem os mais intolerantes. Arrependendo-se, o templário quer ir, mas inicia a terceira fase, em que Natan, insistindo que eles devem ser amigos, argumenta que não importam os povos ou etnicidade, mas apenas o ser humano abstrato. Convencendo o templário, os dois se dão as mãos e iniciam uma amizade.

Na sexta cena Daia os interrompe para avisar que Saladino deseja falar com Natan.

Na sétima cena, Natan e o templário se dizem gratos a Saladino e se despedem. Quando o templário revela seu nome, Curd von Stauffen, Natan se lembra de seu amigo Wolf von Filnek, que se parecia ao jovem cavaleiro. Lessing cria assim um

“mistério” de identidade, e coloca na boca de Natan a frase: “O pesquisador encontrou não raro mais, do que ele /esperava encontrar” („Der Forscher fand nicht selten mehr, als er / zu finden wünschte.”).

Na oitava cena, Natan instrui Daia e Recha a se preparar para visita do templário, dizendo que tem um plano.

1.4.2.3 Cena 9: A alternativa mendicante de Al Hafi

Na nona cena, Al Hafi vem se despedir de Natan, dizendo que desistiu do cargo de tesoureiro por não suportar a prodigalidade de Saladino. Ele avisa que Saladino tenciona emprestar seu capital, e acha que isto arruinará Natan. Ele comenta também o jogo de xadrez, notando que Saladino não se deixa aconselhar. Al Hafi quer voltar para a sua comunidade islâmica no Ganges, onde só lá, segundo ele, haveria seres humanos (Menschen) que viveriam fora do sistema de poder e dinheiro. De novo, Lessing associa a estreiteza na concepção da humanidade a visões religiosas, neste caso, a muçulmana. O monge mendicante convida Natan a vir com ele, pois o considera capaz de renunciar à essa vida mundana. Natan pede tempo para pensar, mas Al Hafi entende isto como mero subterfúgio para encontrar um bom motivo para recusar o convite: quem reflete, procura desculpas. Despedindo-se, o muçulmano vai embora, e Natan o admira, dizendo que apenas o verdadeiro mendigo é o verdadeiro rei ( „... - Der wahre Bettler ist/ Doch einzig und allein der wahre König!”).