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0 Introdução geral

1.2.6 Fichte: maçonaria sem política

Sócrates - (...) Depois de chegarmos à arte real e inquirirmos se era essa que nos proporcionava felicidade, caímos num verdadeiro labirinto e, quando nos imaginávamos no fim, éramos obrigados, por assim dizer, a voltar para o começo, tão carecentes de qualquer resultado concreto como no princípio da nossa investigação.

Critão - E como isso aconteceu, Sócrates?

Sócrates - Vou explicar-te. Pareceu-nos que a política e a arte real constituíam uma única arte. (Platão - Eutidemo, 291b, trad. C.A. Nunes)

Para evitar visões simples sobre a relação entre maçonaria e política, vale a pena notar que J.G. Fichte, ele próprio maçom, nas suas Cartas a Konstant ((Fichte 1997)) irá ter uma visão diferente da lessinguiana. Fichte explica a Konstant que a maçonaria é para os sábios, virtuosos e maduros, e jamais poderia ser uma seita ou partido político liberal-esquerdista. Na segunda destas cartas, ele procurará dar justamente uma definição negativa da maçonaria, dizendo o que ela não é. Ele pede a Konstant que se pergunte se o seu sábio ideal faria certas coisas ou não, que ele vê acontecer na maçonaria. Isto serviria como critério subjetivo para decidir em caso de dúvida. Mas Fichte vai além disso, e argumenta que a função da maçonaria, enquanto sociedade secreta, não é, nem pode ser, a de competir com qualquer instituição já presente na sociedade. Assim, ele rejeita a idéia de que a maçonaria seria uma seita dedicada a advogar o Iluminismo, pois o homem virtuoso e sábio jamais se envolveria nisso.

“Die Aufklärung, die sich damit beschäftigt, diese oder jene Dogmen einer kirchlichen Sekte zu widerlegen oder die Falschheit einer ganzen Religionspartei zu demonstrieren, ist - Verfinsterung. Der weise und gute Mann wird auf keine Weise für oder wider irgend eine Sekte Partei nehmen, nie die kirchlichen Gegenstände (wenn er nicht besonderen Beruf dazu hat) zu denen seines Sinnens und Handelns wählen, noch weniger aber sich in die Untiefen eines sinnleeren und irreligiösen Mystizismus versenken.”36 Fichte, 2. Briefe an Konstant, p. 26

E, mais adiante, ele dá um alerta inequívoco. Aonde se vir alguém, explícita ou implicitamente, usando a maçonaria para promover uma causa política, pode-se ter certeza que aí não há maçonaria, mas ignorantes, fanáticos e ególatras.

“Wo man Dir irgend, offenbar oder künstlich versteckt, politische Zwecke für den maurerischen verkaufen will, da schüttle den Staub von Deinen Füßen. Du hast es dort mit Unkundigen, mit Schwärmern, mit Selbstsüchtigen zu tun, nicht mit Deinem Weisen, nicht mit Maurerei.”37 Fichte, 2. Briefe an Konstant, p. 28

1.3 A educação da humanidade (1777-1780)

A primeira parte de A educação da humanidade, até o ítem 53, foi publicado em 1777, antes da publicação de Ernesto e Falco. Mas só em 1780 sairia a versão completa com os cem ítens.

O pano de fundo de A educação da humanidade é relativamente complexo, pois resulta de toda uma reflexão de Lessing após sua polêmica teológica com o pastor chefe de Hamburgo, Johann Melchior Goeze (1717-1786). Em particular, é bastante importante enfatizar o conjunto da obra lessinguiana, que não se limitava só à dramaturgia, mas incluía também a teorização filosófica sobre a arte, religião e política. Desse modo, Lessing oferecia à classe média alemã setentrional um “pacote” cultural completo, perfilando-se assim, junto com o amigo Moses Mendelssohn, como principal apologeta do Iluminismo. Certamente central para entender o contexto étnico no qual Lessing se movia é reconhecer o caráter nórdico e protestante do seu público alvo. A própria questão fundamental que dará origem a todo o debate com Goeze só tem sentido no interior do Protestantismo.

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"O Esclarecimento que se ocupa em refutar este ou aquele dogma de uma seita religiosa ou em demonstrar a falsidade de todo um partido religioso é - obscurantismo. O homem sábio e bom jamais tomará partido de uma seita, ou escolherá os assuntos eclesiásticos (se não for seu ofício) como objeto de sua reflexão ou ação, muito menos se afundará nas profundezas de um misticismo sem sentido e irreligioso."

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"Quando alguém quiser te persuadir que fins políticos, explícitos ou artificiosamente escondidos, sejam fins maçônicos, sacuda a poeira dos pés. Estarás aí tratando com ignorantes, com entusiastas, com egomaníacos, não com teu sábio, não com a Maçonaria."

Um modo de marcar a separação entre o Catolicismo e o Protestantismo havia sido enfatizar a busca da verdade na Bíblia enquanto revelação divina. Isto, automaticamente, conduzia à questão do exame racional e da fundamentação científica das asserções bíblicas entre os protestantes. Para os católicos, este debate não era possível, pois a Igreja Católica se interpunha como intérprete. Mas, no interior do Protestantismo, algo como o Iluminismo era ainda institucionalmente possível, embora altamente problemático, do ponto de vista político. Desse modo, ao pregar uma abordagem ou leitura racionalista da Bíblia, e entrar em confronto com Goeze, que defendia a interpretação literal, até Lessing se viu no final proibido, em 1778, de continuar a polêmica por seu senhor, Carlos, Duque de Braunschweig. G. Hobeika avalia que esse episódio marcou Lessing profundamente, sendo decisivo na sua vida, sobretudo pela impossibilidade de externar sua revolta publicamente.

“Ce moment crucial dans la vie intellectuelle de Lessing provoqua en lui un sentiment de révolte qui’il eut du mal à sormonter; quoi qu’il fût contraint d’étouffer ses cris d’indignation, il mit par écrit un bon nombre de remarques immédiatement après la décision du Consistoire et du duc.” Hobeika, p. 318.

Foi justamente esta proibição que levou-o a redigir Natan, o sábio, em que Lessing se vingaria de Goeze ao descarregar seu ódio contra a figura do Patriarca cristão de Jerusalém (Alexander Jacob, (Dühring 1997), p. 116). Friedrich Schlegel chegaria a descrever a peça como sendo o “décimosegundo Anti-Goeze”, cuja redação Lessing fora impedido de terminar (Hobeika, p. 322).

Nesse período em questão, ou seja, a segunda metade do século XVIII, a posição filosófica de Lessing é meio difícil de situar. Havia o campo ortodoxo representado por Goeze, que adotava a interpretação literal da Bíblia e rejeitava o exame racional. Do lado oposto, havia o campo dito neólogo que procurava fundamentar as verdades bíblicas através de conhecimentos científicos, desse modo levando a várias alternativas metafísicas, entre elas o Deismo inglês (Deus como criador inteligente do mundo racional, mas sem intervenção divina, logo, sem revelação ou milagres, a razão sendo a virtude para o convívio social e também o único meio de compreender criatura e Criador); o ateísmo (não há Deus); e, por fim, tentativas de superar o dualismo deista, como o panteísmo (Deus e a natureza são identificados), ou o panenteísmo (a natureza está em Deus, mas Ele é mais que a natureza). Lessing

havia iniciado o estudo de teologia em Leipzig, segundo o desejo de seu pai, em 1736, e, embora fosse depois abandonar o curso, manteve um profundo interesse por questões teológicas. No entanto, seu pensamento não se enquadra facilmente nas opções neólogas.

Particularmente importante nesse desenvolvimento foi o orientalista e professor ginasial Hermann Samuel Reimarus (1694 - 1768), que havia redigido uma apologia do Deismo contra o campo ortodoxo, mas, por medo, preferira não publicá-la em vida. Apenas após sua morte o amigo Lessing iria então se atrever a publicar alguns fragmentos de Reimarus, que, no entanto, seria citado como “anônimo” para não pôr em risco sua família. Isto causou a suspeita que o autor dos fragmentos fosse o próprio Lessing. No prefácio à edição dos fragmentos, Lessing simplesmente mente, e diz ter encontrado o livro na biblioteca de Wolfenbüttel, sem saber nem o autor, nem se se tratava de uma obra completa.

O pressuposto de Reimarus era que a doutrina de Cristo seria uma religião prática racional, que teria sido distorcida e obscurecida pelos apóstolos, com a introdução de elementos judaicos messiânicos, mosaicos, proféticos e milagreiros. Tudo isto teria dado ocasião a mistérios desnecessários segundo os adoradores racionais de Deus (vernünftigen Verehrer Gottes). Mais radicais seriam os cinco fragmentos publicados em 1777, pois estes criticariam a possibilidade mesmo da revelação universal e o pressuposto que os livros do Antigo Testamento teriam sido redigidos para revelar uma religião. Até mesmo as diversas versões da ressurreição sugeririam a possibilidade de um engodo por parte dos apóstolos ((Sedding 1998), p. 54).

Tudo isso era escandaloso à época, mas se Lessing não tivesse tido desejos subversivos, fica difícil de entender porque ele se empenharia tanto em promover o Deismo de Reimarus. Lessing havia, contudo, escrito um posfácio, titulado “Contraproposições38 do editor” („Gegensätze des Herausgebers”) (Lessing 1976), no qual ele procurara se distanciar tanto da rejeição ortodoxa da razão quanto do atrelamento excessivo da revelação à razão. O argumento de Lessing era que o Cristianismo seria mais que a Bíblia, assim como o espírito é mais que a letra. Isto justificaria uma exegese histórica da Sagrada Escritura:

“Kurz: der Buchstabe ist nicht der Geist; und die Bibel ist nicht die Religion. Folglich sind Einwürfe gegen den Buchstaben, und gegen die Bibel, nicht eben auch Einwürfe gegen den Geist und gegen die Religion. Denn die Bibel enthält offenbar mehr als zur Religion Gehöriges: und es ist bloße Hypothese, daß sie in diesem mehrern gleich unfehlbar sein müsse. Auch war die Religion, ehe eine Bibel war. Das Christentum war, ehe Evangelisten und Apostel geschrieben hatten. Es verlief eine geraume Zeit, ehe der erste von ihnen schrieb; und eine sehr beträchtliche, ehe der ganze Kanon zu Stande kam. Es mag also von diesen Schriften noch so viel abhängen: so kann doch unmöglich die ganze Wahrheit der Religion auf ihnen beruhen. War ein Zeitraum, in welchem sie bereits so ausgebreitet war, in welchem sie bereits sich so vieler Seelen bemächtiget hatte, und in welchem gleichwohl noch kein Buchstabe aus dem von ihr aufgezeichnet war, was bis auf uns gekommen ist: so muß es auch möglich sein, daß alles, was Evangelisten und Apostel geschrieben haben, wiederum verloren gänge, und die von ihnen gelehrte Religion doch bestände. Die Religion ist nicht wahr, weil die Evangelisten und Apostel sie lehrten: sondern sie lehrten sie, weil sie wahr ist. Aus ihrer innern Wahrheit müssen die schriftlichen Überlieferungen erkläret werden, und alle schriftlichen Überlieferungen können ihr keine innere Wahrheit geben, wenn sie keine hat.

Diese also wäre die allgemeine Antwort auf einen großen Teil dieser Fragmente, - wie gesagt, in dem schlimmsten Falle.”39 (Lessing - Gegensätze des Herausgebers) (Hobeika, p. 314-315)

Assim como Lessing colocara a maçonaria como algo antecedente a tudo, o Cristianismo aqui também é posto antes da Bíblia. Há todo um pressuposto teleológico aqui, pois parece que o destino histórico nos levaria ao Cristianismo, quando, por outro lado, postula-se uma certa antecedência primordial para esse mesmo fim.

Esta problemática levará ao conflito com o luteranismo ortodoxo de Goeze e aos artigos “Anti-Goeze”, que Dühring (Judenfrage p. 116 e 119) descreverá como um certo desperdício de energia, um exercício intelectual tipicamente judaico, no qual Lessing demonstraria seu verdadeiro caráter. Para Dühring, não haveria diferença real entre

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Sigo a tradução de G. Hobeika que, no francês, usa o termo ‘contrapropositions’. 39

"Sucintamente: a letra não é o espírito, e a Bíblia não é a religião. Logo, objeções contra as letras, e contra a Bíblia, não são objeções contra o espírito e contra a religião. Pois a Bíblia contém claramente mais do que aquilo que concerne especificamente à religião.: e é mera hipótese que nessa parte adicional ela deveria ser também infalível. Além disso, a religião existia antes da Bíblia. O Cristianismo existia antes que os evangelistas e apóstolos tivessem escrito. Transcorreu um tempo considerável até que o primeiro deles escrevesse, e mais tempo ainda, antes que todo o cânon se constituisse. Pode ser então que ainda tanto dependa dessas escrituras: mas, mesmo assim, é impossível que toda a verdade sobre a religião se limite a elas. Se houve um período no qual a religião já tivesse se difundido tanto, no qual ela tivesse possuído tantas almas, e no qual entretanto ainda nenhuma letra sobre ela havia sido escrita dentre as que nos chegaram: então deveria ser também possível, que tudo o que os evangelistas e apóstolos escreveram fosse novamente perdido, e a religião por eles ensinada ressurgisse apesar de tudo. A religião não é verdadeira porque os evangelistas e apóstolos a ensinaram: mas eles a ensinaram, porque ela é verdadeira. A tradição escrita deve ser esclarecida a partir de sua verdade imanente, e nenhuma herança escrita poderá dar à religião uma verdade imanente que careça. Esta seria a resposta geral a uma grande parte destes fragmentos, - como dito, no pior dos casos. "

Goeze e Lessing,40 pois ambos representariam um modo de pensar judaico, que não tinha valor nenhum para a educação superior, e que já nos tempos em que este crítico (Dühring) escrevia não teria interesse nem para o público de cultura média. A finalidade da polêmica com Goeze, assim como o Natan, teria sido, segundo ele, a judaicização da cultura alemã e o seu rebaixamento, enquanto supostamente se pretendia lutar pela “tolerância”.

De fato, quando se observa a centralidade do povo judeu nos pensamentos de A educação da humanidade, é dificil evitar aquele desconforto de ver todos os outros povos da humanidade relegados à discutível posição de “não eleitos”. Embora ao salientar no seu contra-comentário (sobre as contradições presentes nos relatos sobre ressurreição) que “O Cristianismo derrotou a religião pagã e judaica. Ele está ali.“ („Das Christentum hat über die Heidnische und Jüdische Religion gesiegt. Es ist da.”) Lessing não dá conta adequadamente do conflito41 entre o Judaismo e o Cristianismo enquanto religião universal. Sem dúvida alguma, a convivência entre estas duas formas de vida não é algo simples como ele o retrata, como se fosse possível resolver tudo apenas pregando a “tolerância” e a “fraternidade” imaginária entre os povos. O grande e insuperável problema é o particularismo judaico, que inviabiliza qualquer convívio segundo a moral universal, como bem entenderia Kant.42

Seja como for, A educação da humanidade foi mais um texto importante de Lessing. O fato é que, mesmo que não se goste dele como dramaturgo burguês, nem como pensador ativista, sua influência foi considerável, inclusive sobre filósofos como Schelling e Hegel. Particularmente importante é o conceito de revelação (Offenbarung) como desdobramento próprio do espírito humano através da história e segundo sua natureza, que vai então se tornando consciente de seus conteúdos divinos.

Segundo Ernst Cassirer ((Cassirer 1998), p. 308), foi Lessing quem teria conseguido conciliar o aspecto dogmático e racional da religião com sua realização

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Hobeika (p. 312) relata que até a publicação dos fragmentos de Reimarus, Goeze e Lessing eram grandes amigos, tendo-se ajudado mutuamente em querelas com outros. Lessing teria defendido Goeze contra J. S. Semler, e Goeze teria auxiliado Lessing na polêmica com C. A. Klotz.

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Um crítico como H.S. Chamberlain ((Chamberlain 1942), p. 227 e segs.) irá chegar a falar do Cristianismo como negação (Verneinung) do Judaísmo e, no mínimo, como reação ao formalismo, ao racionalismo e ao que ele denomina "materialismo abstrato" judaicos, no sentido de recuperar o sentimento e a espiritualidade (Gemüt) humana.

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O trabalho recente e monumental do Prof. K. MacDonald mostra toda a complexa interação entre o Judaísmo enquanto religião e enquanto o que se configura como uma estratégia evolutiva étnica. Não é o caso, certamente, de criticar Lessing, anacronisticamente, por não ter imaginado isto. Mas tampouco podemos suspender nosso senso crítico face aos eventos e

histórica e concreta. Embora não reconhecendo a história mundial enquanto um fenômeno em si, como faria posteriormente Herder, ele teria reconhecido sua necessidade para a religião através da sucessão de revelações divinas em um processo educativo. O mérito de Lessing teria sido, explica Cassirer (Cassirer, p. 254- 260), o de ter entendido Espinosa adequadamente, liberando-o de desentendimentos críticos e de ter-se submetido à sua doutrina. Esta subordinação ideológica ao filósofo judeu teria possibilitado seu próprio desenvolvimento metodológico “autônomo”, tornando-o um spinozista. No entanto, Cassirer é obrigado a reconhecer que, do ponto de vista lógico, Lessing estaria mais próximo de Leibniz, ao entender o individual monádico não apenas como um fragmento, mas como representação perfeita do todo. As consequências lógicas disso para a relação entre ser e tempo são profundas, pois supera-se assim a oposição excludente entre ambos, e o singular, na sua concretude histórica, passa a ser o único modo no qual o ser se manifesta e pode ser captado. O resultado disso é que, enquanto Espinosa não tem como avaliar a verdade absoluta da religião através da sua realização histórica, Lessing, ao contrário, busca justamente a salvação da revelação no singular histórico concreto. A razão de Lessing, diz Cassirer (p. 261), passaria então a ser sintética e dinâmica, e não mais apenas analítica e estática como nos outros iluministas. Mas todos estes aspectos interessantes e inovadores seguem, pela própria admissão de Cassirer, a influência leibniziana.

Face a isto, pode causar estranheza porque Cassirer, também judeu, insista tanto no espinosismo e na originalidade de Lessing como pensador profundo. Dühring (Judenfrage, p. 115) nota que tanto nos jornais de propriedade judaica quanto nas academias Lessing era glorificado como um superhomem ou mesmo um deus, tendo sido posto pelo judeu Börne como superior ao próprio Schiller. Isso teria levado Dühring a redigir um ensaio (Die Überschätzung Lessings und seiner Befassung mit Literatur, 1906) para pô-lo no seu devido lugar. Segundo ele, Lessing, Börne e Heine formariam um grupo literário semita que teria sido intensamente promovido pela mídia sob controle também judaico, e que não teria real criatividade ou originalidade comparável a Voltaire, Rousseau, Bürger e Byron (Judenfrage, p. 120). Seja como for, parece melhor pelo menos dar espaço para os dois lados da questão.

A obra consiste em cem ítens breves e encadeados. O primeiro e segundo ítens estabelecem um pressuposto que faz equivaler a ontogênese à filogênese, ou seja, a educação individual serve de modelo para a revelação da humanidade (universal). Lessing faz assim um jogo confuso entre educação e revelação por um lado, e ontogênese e filogênese por outro. O terceiro ítem esclarece que Lessing não está interessado em aplicar esta idéia na pedagogia, mas quer utilizá-la para resolver problemas teológicos. O quarto ítem explica que a educação não adiciona nada ao indivíduo universal (Mensch) que ele já não tenha em sua constituição. O que a educação faria seria apenas acelerar e facilitar o processo de desenvolvimento do indivíduo ou da espécie. Assim, a revelação não daria à humanidade nada, segundo Lessing, que não fosse possível alcançar pelo uso da razão. O seu mérito, porém, teria sido dar-nos a sabedoria mais importante antes que pudéssemos chegar a ela racionalmente.

No quinto ítem, Lessing considera que, do mesmo modo como o desenvolvimento das forças na educação é importante, Jahvé teria estabelecido uma ordem para sua revelação. Nos ítens seis e sete, ele explica que, mesmo havendo o conceito de um Jahvé único no primeiro indivíduo universal (Mensch), assim que a razão começasse a operar livremente, era de se esperar que fosse dividido em partes, dando origem assim ao politeismo (Vielgoetterei und Abgoetterei). Esta teria sido, segundo Lessing, a origem natural destas religiões, e a intervenção divina teria sido necessária para evitar que a espécie humana se perdesse eternamente em politeísmos e espiritismos. O modo que Jahvé teria encontrado para resolver esta confusão politeísta é descrito no ítem oito. Jahvé não teria querido se revelar para cada indivíduo isoladamente, tendo, por isso, escolhido um único povo, o hebraico, para sua educação especial. Ademais, ele teria feito questão de escolher o povo mais impolido (ungeschliffenste) e menos obediente (verwildertste) para justamente poder partir do início.

Deste modo, Lessing coloca o povo judeu no centro da história (ou seja, trata- se de um judeocentrismo), mas no decorrer destes primeiros ítens (§9 a §19) enfatiza muito o seu caráter grosseiro (roh), que racionalizaria a sua posição “infantil”. Basicamente, a tarefa dos hebreus teria sido transmitir o princípio do monoteísmo,

enquanto os outros povos ficariam bastante atrás (§20), perdidos nos seus politeísmos.43 Tudo isso faz com que Lessing desculpe e justifique o caráter supostamente “primitivo” e “grosseiro” do Judaísmo.44

Lessing nota (§9 a §19) que não sabemos qual era a religião dos hebreus quando estavam escravizados no Egito. Ele especula que eles teriam perdido qualquer memória de sua religião ancestral e que os egípcios poderiam até ter-lhes proibido qualquer religião, incutindo-lhes o ateísmo. Lessing pergunta se os próprios cristãos de sua época não faziam algo semelhante com seus escravos (§10). Jahvé teria, portanto,