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Ato 15M: o Direito à Cidade como unificador dos ativismos?

No início de março de 201435, a APH-BH junto ao Tarifa Zero-BH, parte das ocupações

urbanas e ao recém criado movimento Viaduto Ocupado36 tentam articular a construção

de uma pauta comum entre os ativismos urbanos de Belo Horizonte. A chamada, feita de forma ampla a quaisquer grupos e indivíduos, buscava unificar grupos de temas como mobilidade urbana, moradia, democratização dos espaços públicos e reforma urbana. A luta pelo Direito à Cidade37 emerge, então, como uma possibilidade de unificação das

lutas desses grupos, como vimos, geralmente centrados em suas pautas específicas. To- mando como base a concepção de David Harvey, o Direito à Cidade é assim sintetizado pelo grupo:

[...] muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urba- nos: é um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade. Além disso, é um direito coletivo, e não individual, já que essa transformação depende

32 Manifesto de docentes em solidariedade às Ocupações da Izidora que contou com a assinatura de mais de 500 docentes foi um dos demosntrativos de tal apoio (Bizzotto, 2015)

33 L.T. 2014 [4]

34 Álbum disponível em: https://www.facebook.com/resisteizidora/photos/?tab=album&album_ id=515520095260639

35 L.T. 2014[1] 36 L.T. 2013-2014

37É criada uma página do facebook para divulgação da articulação: https://www.facebook.com/Di- reito-%C3%A0-Cidade-238316413024412/

do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urba- nização. A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados. (APH-BH, 2014, online)

A pauta questionava a submissão do urbano ao sistema econômico considerado a raiz dos problemas combatidos pelos ativismos urbanos. Mercado e Estado seriam os responsá- veis pela subtração do Direito à Cidade, ao sobreporem aos demais direitos a propriedade privada e o lucro.

Como primeira ação da articulação é planejado um ato comum, programado para 15 de maio, data já acordada entre movimentos de todo o país como o Dia Nacional de Luta contra as Injustiças da Copa. O dia foi ainda escolhido relembrando o movimento 15M ou Indignados que, em 2011, ocupou a Porta do Sol na Espanha por uma democracia real. A pauta do ato, discutida ao longo das reuniões, configurou-se por: moradia, mobi- lidade urbana, democratização dos espaços públicos/livre expressão artística e cultural, inclusão das minorias oprimidas na construção da cidade (mulheres, GLBTT, negros e índios), participação popular nas reformas urbanas de bairros, acesso de qualidade aos serviços públicos (saúde e educação), impactos da Copa, megacidades e megaempreen- dimentos e desmilitarização da Polícia Militar (APH-BH, 2014b, online).

Embora intencionada como uma articulação sistemática e duradoura entre os grupos de Belo Horizonte, somente próximo ao ato outros ativismos se juntaram à mobilização. Esse fato resultaria em contratempos durante a manifestação do dia 15 de maio de 2014 (APH-BH, 2014b, online).

Cerca de 3 mil pessoas, segundo informações da APH-BH (600 pessoas segundo a po- lícia militar), foram mobilizadas - além do ato pelo Direito à Cidade - pelo ato contra o aumento da tarifa dos ônibus38 e pelo chamado nacional contra as violações da copa.

Nele, evidenciaram-se os reflexos da falta de diálogo entre os grupos mobilizados: a expectativa, do grupo que trazia o Direito à Cidade como pauta, era de um ato sem hierarquias entre os movimentos, coletivos, ativismos e indivíduos participantes, que, entretanto, foi frustrada. O carro de som trazido por movimentos tradicionais, sindicatos e partidos acabou definindo trajetos, palavras de ordem etc.. Embora fosse um espaço de fala aberto, ele reforçou o “[..] monopólio da voz [que] verticaliza e centraliza uma luta horizontal e múltipla” (APH-BH, 2014c, on-line). Essa mesma tentativa de sobreposição de discursos por determinados grupos irá acontecer no contexto dos protestos contra o impeachment da presidenta Dilma, como veremos adiante.

Ainda assim, o ato foi considerado positivo pela APH-BH, como o início de uma arti- culação entre diferentes ativismos da cidade. Poucos desdobramentos ou ganhos da mo-

vimentação, entretanto, são observados, mesmo com a proximidade da Copa do Mundo Fifa de Futebol 2014. Contribui ainda a essa percepção o fato de que nenhum dos entre- vistados durante este trabalho, embora muitos deles presentes na ocasião, a tenham cita- do como um importante momento de articulação entre os ativismos de Belo Horizonte. A desmobilização após o ato é apreendida ainda na atuação digital dos grupos: afora uma postagem de avaliação39 o tema é abandonado pelos ativismos.

A movimentação foi também infrutífera no que diz respeito aos ganhos alcançados. André Veloso (2015) considera tal fato reflexo da “dispersão de pautas e a direção por parte de sindicatos” (Veloso, p.230) que levaram a uma baixa capacidade de pressão dos movimentos.

Fato é que uma articulação sistemática e duradoura tendo a luta pelo Direito à Cidade como sentido unificador foi frustrada. Ela existiu somente durante o ato e de maneira conflituosa. Persistiram assim fragmentações, sobretudo aquela entre novos e tradicio- nais ativismos, evidenciando-se mais uma vez a dificuldade em se constituírem redes construtivas em detrimento às redes de resistência - emergenciais e pontuais - entre os ativismos urbanos.

Depreende-se daí que as articulações com objetivos e pautas parcelares parecem mobi- lizar mais facilmente do que lutas amplas. As pautas restritas aparentam ser mais alcan- çáveis, ou, pelo menos, o caminho até sua conquista é mais facilmente vislumbrado. Na ampliação das lutas, as possibilidades de ação tornam-se abstratas, e ainda mais distantes. Junto a isso, ganhos imediatos são praticamente inexistentes, contribuindo para a disso- lução das articulações por pautas mais ambiciosas. Como tornar pautas amplas como o Direito à Cidade menos abstratas possibilitando o vislumbre de caminhos de ação? E, por outro lado, como tornar pautas concretas menos setorizadas apontando para hori- zontes de transformação mais amplos?