• Nenhum resultado encontrado

Segunda Ocupação da Câmara Municipal

A Segunda Ocupação da Câmara ocorreu entre os dias 1 e 11 de setembro de 2015 e foi promovida pelo Tarifa Zero-BH, a APH-BH e o MPL-BH (esse último, recém surgido como uma dissidência do Tarifa Zero-BH)47. Os ativismos convocaram a população a

comparecer à plenária da Câmara Municipal de Belo Horizonte pressionando por uma Audiência Pública sobre o aumento ilegal das passagens de ônibus em agosto de 2015. O Presidente da Câmara vetou o pedido encaminhado pela Comissão de Direito do Consumidor, impulsionando a ocupação. Além da aprovação da audiência, outras pautas da ocupação foram: a realização de um nova auditoria técnica, fiscal e contábil48 acompa-

nhada por uma comissão popular e aberta à consulta pública; o cancelamento do aumen- to da passagem até o fim dessa nova auditoria; a abertura de uma CPI sobre os aumentos de passagens; e o requerimento por parte da CMBH de cancelamento da concessão à empresa de transporte metropolitano cujo funcionário assassinou um jovem na Estação São Benedito49 (Comissão de Manutenção da Ocupação, 2015, online).

A mesma estratégia da ocupação anterior da Câmara foi adotada com a promoção de eventos culturais, aulões etc. para atrair visitantes e apoio à ação. A proporção desse apoio50 e a multiplicidade de atores envolvidos, entretanto, foi menor. Ressalte-se que,

distintamente da experiência anterior, a segunda ocupação da câmara ocorreu durante

47 L.T. 2015[3]

48 As empresas de ônibus se apoiavam para justificar os aumentos em uma auditoria contratada por elas próprias. O estudo foi realizado pela consultoria Ernst & Young e desde sua publicação foi refutado pelo Tarifa Zero e órgãos oficiais, como a Defensoria Pública de Minas Gerais.

49 Reginaldo da Silva Rocha, de 22 anos, foi baleado pelo fiscal ao tentar entrar sem pagar em uma das linhas da empresa (que não deveria estar armado) (R7, 2015, on-line)

50 Me refiro aqui à presença física desses apoiadores. A Ocupação da Câmara em ambiente digital, foi como vimos (grafo 4), bastante mobilizadora de diversos ativismos.

o período letivo, refletindo na quantidade de pessoas envolvidas. Contribuiu ainda ao esvaziamento e predominância de um determinado grupo na ação os questionamen- tos relativos aos limites dos protestos-festa. Por um lado, a estratégia pode afastar os ativistas ligados às clássicas manifestações (também desgastadas e incapazes de atingir suas pautas), que “acreditam nesse modus operandi chato e arcaico de se reivindicar e/ou manifestar” (Pedro Pedro Pedro, 2015, online). Por outro, embora a festa tenha uma ca- pacidade de atração maior, aqueles que nela se dispõem a engajar-se não necessariamente se incorporam à luta. Por vezes, diante de tentativas de unificação entre protesto e festa, essa última se sobressaia. Como observa André Veloso: “Havia potencial político nesse tipo de encontro [da festa]; era aparentemente inegável. Mas, havendo, como este poderia ser desen- volvido para conquistar mudanças políticas concretas?” (Veloso, 2105, p.240) .

O fetiche com a festa é um perigo assim como o com os protestos de rua. Com efeito, pa- rece uma constante entre os ativismos que as estratégias de luta tornem-se um fim em si mesmas e não métodos para alcançar as pautas. Um pouco dessa tendência evidencia-se no chamado à despedida da Câmara Ocupada em que o grupo afirma que seu tom fes- tivo é entendido “[...] como um ato político em si contra aqueles que julgam que não há espaço para alegria e confraternização em uma luta política” (APH-BH, 2015, online).

Uma nova tática incorporada à segunda ocupação foi a pressão direta por uma posição dos vereadores em relação à aprovação da audiência pública, unida ao chamado pela pressão digital. Ao mesmo tempo em que tiveram seus emails e facebooks bombardeados por mensagens de apoiadores externos à ocupação, os ocupantes foram pessoalmente cobrá-los por uma posição (Tarifa Zero-BH, 2015, online). Se a presença física na ocu- pação teve menor alcance que na experiência anterior, o mesmo não se pode dizer em relação ao envolvimento digital com a ação, o que é possível perceber no grafo 4. O papel da internet na mobilização e resistência da ação foi tão central que a Câmara Municipal interditou o acesso à rede wi-fi - pública - na tentativa de fragilização da ação.

Em 9 de setembro o presidente da Câmara, Wellington Magalhães, entra com um man- dato de reintegração de posse cujos argumentos foram considerados pelos ocupantes como uma “condenação moralista da realização de atividades culturais e festivas” (APH-BH, 2015, online). Nesse ínterim é decidido em assembleia pela desocupação da Câmara com um último ato denominado Festa de Despedida da Câmara Ocupada.

Mesmo sem conquistadas as pautas em questão, o grupo considerou bem sucedida a ocu- pação pois expôs à sociedade a falta de compromisso dos vereadores com a coletividade na tomada de decisões. Tal exposição seria o real motivo para a desocupação da Câmara (APH-BH, 2015, online).

O ato denominado “Nem despejo, nem desmate”51 foi organizado em conjunto entre a

Rede Verde - formada por ativismos urbanos com pautas ambientais - e a rede #Resis- teIzidora - mobilizados pela permanência das Ocupações Rosa Leão, Vitória e Esperan- ça - conseguindo atrair ainda o apoio de outros grupos de Belo Horizonte.

A Construtora Direcional, alvo da ação, constitui-se como um inimigo comum a ambos os grupos por sua responsabilidade nos empreendimentos que ameaçam o despejo das famílias de Izidora e a área verde da Mata do Planalto.

Há aí uma tentativa de unificação de pautas historicamente contrárias, a moradia e a preservação ambiental, incompatibilidade que nasce do imaginário de que ocupações informais, pela falta de recolhimento de esgoto, destinação de lixo etc., são as maiores responsáveis pela degradação ambiental em meio urbano.

A tentativa de unificação das lutas apoia-se na percepção de que o modelo formal de produção das cidades capitalistas é pernicioso tanto em aspectos sociais, pois cria guetos, segrega e expulsa a população mais pobre; quanto ambientais, pois impermeabiliza o solo, canaliza e modifica os cursos d’água, desmata grandes áreas etc.

Embora tenha gerado poucos desdobramentos, é essencial o fortalecimento da articula- ção entre essas pautas, pois aponta para a possibilidade de outras relações entre o espaço urbano e a natureza, abandonando o pressuposto de antítese entre eles. A associação entre lutas que se construíram durante tanto tempo em contraposição é ainda incipiente. Por vezes, vemos ainda a utilização dos discursos ambientais para culpabilizar ocupações informais, como também, por outro lado, vemos a incorporação utilitária do discurso ambiental por parte dos movimentos de moradia. É comum nas ocupações, por exemplo, que as áreas de conservação resistam somente enquanto necessárias para embasar sua luta.