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Redes Ativistas na produção da cidade

Momentos significativos de articulação entre os ativismos urbanos de Belo Horizonte evidenciaram-se nas entrevistas, na literatura acadêmica sobre o tema e no monitora- mento das fanpages dos grupos no facebook e. Certos padrões emergem na análise dessses momentos como seu vínculo com contextos emergenciais e a recorrente associação entre ações diretas e institucionais e entre o uso do espaço físico e do digital para a atuação dos grupos.

Como veremos mais adiante na análise desssas articulações, elas são fundamentais à resistência dos ativismos devido à fragmentação desses atores coletivos e a sua concen- tração em temáticas isoladas e em abordagens locais, sobretudo se comparados aos movi- mentos de abrangência nacional que atuaram no Brasil nos primeiros anos de retomada democrática. As articulações servem, então, tanto à ampliação das pautas dos grupos - para além das demandas e ações locais - como à ampliação de sua pressão política, so- bretudo, em relação aos outros agentes na produção do espaço urbano - como o Estado e a iniciativa privada. Esses momentos, entretanto, não são mais importantes do que a luta cotidiana dos ativismos, pois são, em geral, momentos de resistência, sendo, portanto, seus ganhos também de resistência.

Nos momentos de articulação é central a associação entre espaço digital - que mobiliza e amplia o apoio - e espaço físico - onde se tornam concretas essas movimentações. Essa estratégia é sintetizada em uma publicação no contexto da luta contra o PL 2946/2015, projeto de lei que propunha a modificação em nível estadual dos procedimentos relati- vos aos licenciamentos ambientais. Intitulada “RELATO, DENÚNCIA, CONVOCA- ÇÃO” (Frente Ampla contra o PL 2946/2015, 2015e, online), a postagem informa sobre o processo de votação do PL (narrando-o até aquele momento), denuncia as manobras utilizadas para impossibilitar uma mobilização contra sua aprovação (a reunião extra- ordinária de votação foi anunciada às 21:15 do dia anterior) e chama os apoiadores a ocuparem a sessão, evidenciando que, mesmo em uma luta estritamente institucional, o espaço físico é uma das dimensões funadmentais de embate.

As mobilizações que se destacam no histórico recente dos ativismos evidenciam que ,em geral, as articulações maiores ocorrem por curtos períodos e como resistência às possi- bilidades de perdas . Elas são catalizadas pela constituição, ainda que temporária, de um “inimigo comum”, como, por exemplo, o processo contra o impeachment - golpe - da pre- sidenta Dilma, que conseguiu mobilizar até mesmo os ativismos tradicionais, há muito concentrados em uma atuação pacífica dentro dos espaços governamentais.

Entretanto, a localização do antagonismo em pessoas ou acontecimentos específicos e pontuais - no prefeito Márcio Lacerda, no presidente Michel Temer, na Copa do Mun- do, no aumento da passagem etc. - tornam as articulações emergenciais e pontuais. Após o fim da situação que as unificava, devido a vitórias, ainda que momentâneas, ou ao es- gotamento das possibilidades de ação, elas se desmobilizam.

Como observa Castells (2013), sua unidade é a indignação comum em relação a de- terminada situação. Afora disso, cada um dos ativismos que delas tomam parte, trazem sua visão de mundo e horizontes vislumbrados, resultante da reunião deas concepções individuais de seus ativistas.

Uma vez compostas por essa pluralidade, novas complexidades e divergências emergem. Entretanto, a urgência inerente a esses momentos frequentemente resulta no atropela- mento de pautas consideradas secundárias. Nada mais natural que a resposta dos que tiveram suas pautas invisibilizadas emerja de forma violenta, gerando cisões.

A percepção da necessidade de articulações mais duradouras entre os ativismos, consti- tuindo espaços permanentes de diálogo, de troca de experiência e de constituição de uma luta conjunta é generalizada entre os entrevistados. Porém, essas tentativas são em geral subsumidas pelas ameaças do dia a dia, desarticulando-se em função de lutas individuais dos grupos. Entre os ativismos de mesmo tema elas são mais exitosas, embora também frágeis, como no caso de grupos que discutem a mobilidade, a preservação ambiental e as ocupações urbanas.

A campanha D1Passo é um exemplo de construção conjunta de ações e propostas no âmbito da mobilidade urbana. Elaborada pelo BH em Ciclo, Bike Anjo BH, Movimento Nossa BH e Tarifa Zero BH, seu objetivo é a incorporação de propostas de mobilidade sustentável aos programas de governo dos candidatos à Prefeitura de Belo Horizonte1.

O MPL-BH, apesar de também um ativismo de mobilidade, não esteve envolvido na empreitada, por seu posicionamento contrário à atuação institucional.

Nessa mesma perspectiva, a Rede Verde constitui-se com o intuito de mobilizar siste- maticamente grupos de pauta ambiental. Seu principal caráter é o compartilhamento de estratégias de atuação, brechas e parceiros a serem acionados (políticos, defensores públicos, professores etc.). Desse contato resulta, por exemplo, a incorporação das ações diretas por parte do ativismo Parque Jardim América (cafés da manhã na área, um bloco no carnaval, mutirão de limpeza do entorno etc.), que anteriormente centrava-se em uma atuação institucional (como a elaboração de um abaixo assinado) em função do perfil de seus ativistas (parte deles tem um histórico de luta anterior durante os anos 1980 pela implementação do Parque Lagoa do Nado). Apesar dos ganhos, é ainda um processo incipiente, restrito a uma parcela pequena dos ativismos de pauta ambiental e que carece

de mais regularidade.

Desenha-se também uma luta conjunta permanente entre as ocupações urbanas, sobre- tudo aquelas com apoio das Brigadas Populares e do MLB, ativismos de característica mais centralizadora e de organização hierarquizada. É frequente a realização de ações comuns entre elas, sobretudo após a experiência da Izidora, o que veremos a seguir. Essa atuação ocorre quando há risco iminente de despejo, em que uma das armas de resistên- cia é a presença dos apoiadores no local, mas também, pelo avanço da luta pelo reconhe- cimento das ocupações pelo Estado (em qualquer dos órgãos federativos).

Desde 2015 esses dois ativismos fazem parte de uma articulação nacional denominada Frente Povo sem Medo, criada quando iniciava-se a crise política que deu origem ao pro- cesso de impeachment. A Frente realizou inúmeros atos contra o processo, apesar de suas críticas ao governo petista. Um deles no dia 28 de abril de 20162, agregou as ocupações

Dandara, Maria Guerreira, Maria Vitória, Guarani Kaiowá, que trancaram a Avenida Antônio Carlos e, em outro ponto da cidade, as ocupações da Izidora junto a represen- tantes das Ocupações Eliana Silva, Camilo Torres e Paulo Freire.

A seguir serão explorados os momentos de articulação significativa, por seus ganhos e alcance, buscando trazer esses padrões aaqui identificados, além de outras características específicas dos momentos em questão.

2 L.T. 2016 [3]

Praia da Estação

Um momento notável no âmbito das lutas pela cidade foi a Praia da Estação em 20101.

Como observa Igor Oliveira (2012), as ações diretas em torno da questão urbana e de seus espaços públicos restringiam-se no início dos anos 2000 aos grupos libertários2, sen-

do a Praia responsável por expandir tais pautas de luta. Ela marca, portanto, a entrada de novos atores nesse cenário3: jovens ligados à cultura, universitários e de classe média que

não se identificavam com as formas de participação política tradicionais. Ela é ainda um espaço de confluência entre grupos com diferentes pautas, como ativistas do campo da cultura e aqueles ligados às recém retomadas ocupações urbanas para fins de moradia4. A

convergência de atores ligados a agendas tão distintas, sobretudo no caso dos grupos da

1 L.T. 2010[1]

2 Como vimos, os movimentos nascidos entre o final dos anos 80 e início dos anos 90, tinham já nesse período uma atuação muito restrita aos canais institucionais, sobretudo após a chegada do Partido dos Trabalhadores em 2003 ao governo federal.

3 A respeito do participantes, Igor Oliveira (2012) cria a seguinte categorização: libertários (ativistas ligados ao ideal anarquista autonomista e em minoria em relação aos demais participantes), participantes ligados à cultura, cidadão engajados (indivíduos não pertencentes às categorizações anteriores mas que se envolveram na iniciativa com uma intenção ativista) e banhistas (frequentadores eventuais cujo interesse na iniciativa restringia-se a seu caráter lúdico)

4 Como podemos ver na Linha do Tempo, a retomada da prática das ocupações de terrenos vazios para fins de moradia ocorre em 2006, com a Ocupação Caracol, ação coordenada pelas Brigadas Populares.

cultura, tornar-se-ia marcante no caso da luta urbana em Belo Horizonte.

Esses novos atores contribuem na incorporação dos protestos-festa ao repertório de luta que, além de sua capacidade de mobilização, são capazes de confrontar o modo domi- nante de produção da cidade ao deslocarem o lúdico para fora de seus espaços e mo- mentos adequados. A estratégia acaba tornando-se uma das marcas dos novos ativismos urbanos, mas que, como veremos no caso da Segunda Ocupação da Câmara Municipal, dividem opiniões quanto à sua eficácia.

A internet é central na ação, cuja organização e discussão ocorreu por meio de uma lista de emails com 187 inscritos (Albuquerque, 2013). Para Carolina Albuquerque, muito do que se tornou a Praia, sobretudo o seu caráter horizontal e sem líderes5, tem a ver com

o uso da internet. Contribui ainda a essa organização a presença de um grupo ligado ao ideário libertário que, embora em minoria, pautava insistentemente a necessidade de manutenção dessa forma de associação.

Por outro lado, o espaço físico é também um elemento central. As articulações em meio digital resultaram em articulações no espaço físico, insurgindo na ocupação da cidade e na apropriação de seus espaços públicos. A Praia da Estação, junto a outras ações que já ocorriam ou passam a ocorrer no mesmo período, como o Duelo de MC’s, o resgate dos blocos de carnaval de rua e o Quarteirão do Soul, insere de vez o reclame pelo espaço público no repertório de luta dos ativismos urbanos de Belo horizonte.

A articulação é sumariamente catalisada pela publicação do decreto municipal no 13.798

proibindo eventos de toda e qualquer natureza na Praça da Estação. É, portanto, uma mobilização erigida pela ameaça de retrocessos e, portanto, uma rede de resistência. Por outro lado, seria leviano afirmar que a ação resultou somente de tal decreto. Ele funcio- nou como “a gota d`água” para entornar insatisfações que se acumulavam entre diversos grupos, sobretudo em relação à administração de Márcio Lacerda. Muitos entrevistados apontam como um fator essencial às novas articulações e o surgimento de novos ativis- mos na cidade, as gestões sobre mando do prefeito, pouco afeitas à democratização urba- na: “em função dessa forma como a prefeitura se relaciona com a cidade, sempre em função de sua venda, do lucro, do negócio, acaba fortalecendo as lutas, elas ficam mais aquecidas e potentes, elas se unem para barrar as ações da PBH” (P.K., 2015). Como observado por Gramsci (1999) e Laclau e Mouffe (1987) é notória a capacidade de articulação pela contraposição a um inimigo comum.

Certos ganhos diretos são percebidos em relação à ação como a Lei da Praça Livre, que permite a realização de pequenos eventos nas praças da cidade sem a necessidade de um

5Obviamente algumas pessoas são identificadas como integrantes mais centrais no grupo do que outras, entretanto elas não foram reconhecidas como líderes entre os demais integrantes, sobretudo aqueles ligados ao pensamento anarquista autonomista.

alvará e a revogação do decreto 13.7986. A lei em substituição ao decreto foi fruto de uma

comissão de técnicos da PBH e estabelecia regras de uso da Praça. As regras, no entanto, foram questionadas pelos ativistas, sobretudo porque somente com um grande aporte de recursos seria possível suprir todas as exigências necessárias.

O sentido didático da ação talvez seja seu ganho mais significativo que foi capaz de unir atores tão distintos sob princípios de horizontalidade e autogestão.