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Atuação transversal e o(s) lugar(es) das comunicações no Governo Lula

2. POLÍTICA CULTURAL E TV PÚBLICA: AGENDAMENTO E MOBILIZAÇÃO

2.2. INTERSEÇÕES ENTRE COMUNICAÇÃO E CULTURA NO GOVERNO LULA: AGENTES E CONTEXTO

2.2.2 Atuação transversal e o(s) lugar(es) das comunicações no Governo Lula

O alargamento da atuação do Ministério da Cultura e a consequente ampliação de suas funções e competências implicam, como já dito, no sombreamento entre funções e discussões antes consideradas reservadas a outros órgãos. Em diversas ocasiões, a atuação transversal, acontece sob o manto da cooperação, a exemplo da relação com os Ministérios da Ciência e Tecnologia, Educação e das Relações Exteriores112. O trabalho conjunto com a Casa Civil, ressaltado em entrevista (GIL, 2008), mais do que cooperação, evidencia a relevância que a área cultural angaria naquele momento. Por outro lado, são diversos os atritos e dificuldades encontradas, em maior ou menor grau, para o trabalho em conjunto com outras pastas.

Neste aspecto, a relação com a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom-PR) se mostra ambígua. A extensa agenda em comum torna frequentes, tanto o diálogo como os impasses entre o MinC e este órgão, que possui status de ministério. Cabe destacar, como um primeiro exemplo, a interferência do Ministério da Cultura na polêmica acerca da definição das diretrizes pela Secom-PR para o patrocínio de projetos culturais113, ainda no primeiro semestre de 2003. E, de forma singular para o trabalho ora realizado, toma relevo a elaboração e implantação do projeto de TV Pública – no qual a Secom-PR possui uma participação central, protagonizada pelo Ministro Franklin Martins – já no segundo mandato do presidente Lula, sobre o qual nos debruçaremos posteriormente.

Por outro lado, também são frequentes os embates com o Ministério das Comunicações. Em relação a esta pasta, mais especificamente, ao refletir sobre sua atuação como ministro da cultura, Gilberto Gil é enfático:

112 Cf: GIL, 2008.

113 No mês de abril de 2003, as estatais Eletrobrás e Furnas Centrais Elétricas, supervisionadas pela Secom,

publicam em seus sites as novas diretrizes para o patrocínio de projetos culturais com a utilização das leis de incentivos fiscais. Segundo as novas regras, as empresas passariam a exigir 'contrapartidas sociais', como a exibição gratuita de filmes ou a preços populares, e o engajamento no programa Fome Zero. A crise foi detonada após uma entrevista concedida ao jornal O Globo pelo cineasta Cacá Diegues, em 03 de maio de 2003, na qual o governo era acusado de fazer "dirigismo cultural". A polêmica se arrefece dias depois, através da intervenção do MinC nas negociações com o setor artístico e a determinação de que este ministério, em diálogo com a sociedade, se tornasse o responsável pela definição de diretrizes das políticas de incentivos culturais das empresas estatais. (EDUARDO, MEIRELES, 2003; GUSHIKEN DIZ..., 2003)

Com a Comunicação foi sempre muito difícil porque eu acho que não percebi em nenhum momento um maior entusiasmo da gestão do Ministério das Comunicações com a pauta cultural, com a pauta que nós pudéssemos apresentar para além do que eles já conseguiam perceber como função cultural das comunicações. Então, é um Ministério que estava muito assentado, e ainda hoje está assentado numa visão funcional dos meios de comunicação que temos hoje no país. Enfim, que estão sob a gestão, pelo menos a observação institucional e a gestão deles. Todo deslocamento que propúnhamos para a democratização das comunicações, rádios comunitárias, televisão pública, TVs comunitárias, todas essas coisas, não me pareceu que tenham realmente entusiasmado o Ministério das Comunicações, pelo contrário... (GIL, 2008, p. 195)

Para além da visão funcional do Ministério das Comunicações a uma atribuição tecnológica, pesa sobre o órgão a sua imputação como um “espaço de barganha política” (DANTAS, 2010, online), oferecido como parte da cota de outros partidos da base aliada governista. Na prática, não se verifica a adesão efetiva deste Ministério ao projeto estratégico explicitado em documentos como A imaginação a serviço do Brasil. Em consonância com a perspectiva apontada, o professor e pesquisador Marcos Dantas avalia:

No governo Lula, se teve um ministério atento tanto à indústria empresarial quanto às expressões amadoras genuinamente populares, este ministério foi o da Cultura. Mas se há um ministério essencial para esta tarefa, este é o das Comunicações. Durante o governo Lula, foi omisso – mas o foi propositadamente omisso. O pouco que o governo avançou, quando avançou, deve-se a iniciativas da Cultura ou da sua Casa Civil. (Idem, Ibidem)

Inicialmente, chefia o Ministério das Comunicações o jornalista e então deputado federal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), Miro Teixeira. Embora tenha, num primeiro momento, dado sinais de aproximação com demandas dos movimentos sociais114, não há avanços efetivos até o rompimento de seu partido com o governo, um ano após o início da gestão. Sob tais circunstâncias e selando o apoio político115 do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) ao presidente Lula, em janeiro de 2004 assume o cargo o

114 Cabe destacar a formulação do Decreto 4.901 de 2003, que estabeleceu diretrizes para a implantação do

Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T). A norma, recebida com grande entusiasmo pelos movimentos em defesa da democratização das comunicações, instituía instâncias para o debate sobre a política para a TV Digital e estabelecia um programa de pesquisa para estimular que universidades brasileiras desenvolvessem soluções para esta plataforma. O projeto, no entanto, foi perdendo força no Minicom e culminou com a escolha do padrão japonês, o ISDB-T, sob intensa pressão dos radiodifusores. (DOMINGUES DA SILVA, 2011; BRASIL, 2003d)

115 Nesta primeira reforma ministerial o PMDB assume, além das Comunicações, a pasta da Previdência Social,

agropecuarista e deputado federal pelo PMDB, Eunício Oliveira116, no qual permanece até julho de 2005; quando dá lugar ao jornalista e então senador também pelo PMDB, Hélio Costa117.

A nomeação de Costa ocorre a reboque de uma conjuntura política bastante crítica. As sucessivas denúncias de corrupção, que fragilizam politicamente o Governo, começam a se acentuar em março de 2005 a partir da instituição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que ficou conhecida como a “CPI dos Bingos” para investigar o caso Waldomiro Diniz118 amplamente divulgado um ano antes.

Logo, a Comissão ganhou o apelido de “Comissão do Fim do Mundo”, já que começou a investigar todo tipo de denúncia contra o governo – da suposta ligação entre o assassinato do prefeito Celso Daniel e financiamento de campanhas; passando pela possível remessa de dólares vindos de Cuba para a campanha presidencial de Lula; até acusações contra a gestão do então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, à frente da prefeitura de Ribeirão Preto. O relator da CPI era o senador Garibaldi Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte (DOMINGUES DA SILVA, 2011, p. 126).

Em maio, é divulgado um vídeo que envolve o ex-deputado federal Roberto Jefferson, então Presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), pertencente à base aliada do Governo, em uma negociação de propina pelo funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), Maurício Marinho. Sentindo-se acuado e abandonado pelo PT, Jefferson denuncia, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo em 06 de junho de 2005, um esquema de corrupção em que parlamentares recebiam periodicamente do PT altas somas em troca de apoio ao Governo Federal (JEFFERSON, 2005). A denúncia resulta em uma prolongada crise político-midiática conhecida como o“escândalo do mensalão”119.

116 Além de dono de três emissoras de rádio, função incompatível com o cargo exercido, Eunício Oliveira teve

sua gestão marcada pelo uso das comunicações como moeda de troca política. Exemplo disso foi a expansão de serviços de retransmissão de TV (RTV) no estado do Ceará, seu domicílio eleitoral. Das 52 portarias publicadas no Diário Oficial da União, 36 foram destinadas a municípios do Ceará, enquanto que ao segundo colocado, São Paulo, foram apenas 9. (DOMINGUES DA SILVA, 2011)

117 Em março de 2010, com a saída de Hélio Costa para disputar as eleições para o Governo do Estado de Minas

Gerais, seu então Chefe de Gabinete, José Artur Filardi, assume a pasta até o fim da gestão.

118 Em fevereiro de 2004, a revista Época divulga um vídeo, gravado em 2002, no qual o então subchefe de

Assuntos Parlamentares da Presidência da República, Waldomiro Diniz, exigia propina de Carlos Cachoeira Ramos, o Carlinhos Cachoeira, empresário dos bingos para si e para financiar as campanhas políticas de dois candidatos do PT e de uma candidata do PSB (MEIRELES, KRIEGER, 2004).

119 O neologismo “mensalão”, usado para se referir a uma suposta “mesada", é então largamente adotado pela

mídia para se referir ao caso. Uma das consequências da denúncia é a criação da “Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Compra de Votos” que, além da compra de votos de parlamentares pela gestão em curso, também possui como objetivo investigar um procedimento semelhante na aprovação da emenda constitucional que assegura a reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso. A Comissão é encerrada em novembro do mesmo ano, sem relatório conclusivo ou aprofundamento das investigações.

Em meio ao clima de caça às bruxas, o chamado “núcleo duro” do governo Lula se esfacela. Dez dias após a entrevista de Jefferson, José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil, renuncia. No mês seguinte, o ministro da Secom-PR, Luiz Gushiken120 perde poder após ter seu nome envolvido no escândalo: a Secretaria perde o status de ministério e passa a integrar a estrutura da Secretaria Geral da Presidência, então comandada por Luiz Dulci. No ano seguinte, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci também deixa o Governo sob graves acusações121. Do grupo original, apenas Dulci permanece até o fim do segundo mandato.

Diante desse espinhoso contexto, e buscando reafirmar o apoio do PMDB ao Governo, o presidente Lula realiza uma mini-reforma ministerial, no dia 08 de julho de 2005, dobrando o número de ministérios ocupados pelo PMDB, cedendo-lhe as pastas da Saúde e Minas e Energias. Nas Comunicações, a já citada nomeação de Hélio Costa – cuja trajetória é vinculada à radiodifusão122, em especial como jornalista da Rede Globo – é, segundo Liedtke (2007), produto das negociações para viabilizar o projeto de reeleição do presidente Lula. Indicado pelo ex-presidente José Sarney, o ministro tem sua gestão marcada pelo afastamento sistemático de temas como a democratização e a regulamentação dos meios de comunicação, assim como a participação da sociedade na definição das políticas para o setor.

Por fim, cabe analisar, dentre os agentes e instituições estatais que estimulam e contribuem para o processo de criação da TV pública, a Empresa Brasileira de Comunicação/Radiobrás e a Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (Acerp), à qual se vinculava a TVE-BR, dentre outras emissoras.