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Viabilizando o projeto ou restringindo o debate? Sucessões de jogadas prévias à promulgação da MP

3. FORMULAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DO PROJETO DA TV BRASIL E DA EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO

3.2. ESBOÇANDO A EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO: IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICAS NO AMBIENTE DEMOCRÁTICO E NUANCES AUTORITÁRIAS

3.2.1 Viabilizando o projeto ou restringindo o debate? Sucessões de jogadas prévias à promulgação da MP

Em 02 de outubro de 2007 é realizada uma reunião entre o presidente e líderes da base aliada. Na ocasião, o Ministro Franklin Martins e a então futura Diretora-Presidente, Tereza

178 No que se refere às próprias <<jogadas>>, entenderemos por este termo os atos e comportamentos individuais

ou coletivos que se caracterizam por afetar as expectativas dos protagonistas de um conflito com repercussões no comportamento dos outros atores, exatamente o que Goffman chama sua <<situação existencial>> (ou seja, em linhas gerais, as relações entre estes atores e seu entorno), ou também simultaneamente, já que a modificação desta situação existencial está quase sempre acompanhada por una transformação de expectativas e das representações que os diferentes atores fazem da situação. (tradução nossa)

Cruvinel, apresentam o projeto de criação da EBC e da TV pública. Ali fica decidido, não por acaso, que o envio da Medida Provisória nº 398, que consubstancia o projeto, se daria somente após a votação em segundo turno pela Câmara de Deputados do projeto de prorrogação da CPMF. (ULHÔA; JAYME, 2007).

Para os líderes, o envio de mais uma MP pode dificultar as negociações em torno da aprovação da CPMF e destravar a pauta na Câmara - que só até a próxima semana terá cinco medidas trancando as votações na Casa. Na prática, a MP da TV Pública deverá chegar à Câmara na segunda quinzena de outubro (GIRALDI, 2007, online).

A opção tática do Governo pela criação da Empresa Brasil de Comunicação via MP repercute entre os parlamentares, inclusive dos partidos que conformam a base aliada do Governo, gerando polêmica antes mesmo de sua promulgação. Conforme já explicitado anteriormente, esta norma jurídica é instituída pelo poder executivo e tem efeito imediato de lei, embora deva ser submetida ao poder legislativo para sua efetivação179, em um prazo de 60 dias – prorrogáveis por igual período. Pelo seu caráter unilateral, e por vezes autoritário, o Presidente pode lançar mão deste expediente apenas em caso de relevância e urgência.

Ainda em 02 de outubro, o Senador Pedro Simon (PMDB-RS) critica em plenário a criação da TV pública por meio de medida provisória. O parlamentar argumenta que, devido à relevância do tema para o país, é necessário que haja um debate aprofundado com a sociedade e com o poder legislativo, possibilitado pela tramitação de um projeto de lei. “Ele classificou a decisão do governo como ‘um escândalo’, a seu ver, a MP de criação da TV pública seria ‘a mais absurda e mais imoral que já houve’.” (SIMON CRITICA..., 2007, online). Senadores de partidos da oposição também referendam o julgamento:

O líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM) disse que já se indispõe com a proposta somente pelo fato de ela vir sob a forma de medida provisória. Destacou os expedientes existentes na Casa para facilitar a tramitação de projetos importantes como a solicitação de urgência para a matéria, caso os parlamentares concordem com seu mérito. Arthur Virgílio insistiu na realização de audiências públicas para debater o assunto. (Idem, Ibidem)

Os movimentos sociais, por sua vez, adotam uma postura mais ponderada. A jornalista Ana Rita Marini, em matéria para o Observatório do Direito à Comunicação, reconhece como democrático o processo que envolve estudos, debates e um fórum nacional que reúne grande parte do setor e a sociedade civil organizada em torno da criação da nova TV pública

nacional, a TV Brasil. Ressalta, porém, que a opção pelo formato de medida provisória, “para um projeto que foi construído em grande parte de forma compartilhada, o desfecho parece contraditório”. (MARINI, 2007, online).

O texto traz, ainda, as justificativas apresentadas pelo governo para a adoção do instrumento jurídico, ao enfatizar a incorporação pela nova empresa da estrutura de pessoal da Radiobrás e da Acerp. O período alargado necessário à tramitação de um projeto de lei provocaria desmotivação e insegurança ao quadro de pessoal destas instituições. Tal argumento, somado à proximidade do início das transmissões da TV Digital no país, é reforçado em fóruns de discussões com parlamentares180, tanto pelo Ministro Franklin Martins, como pela futura diretora-presidente da EBC, Tereza Cruvinel (LOPES; 2007) A Exposição de Motivos que acompanha a MP nº 398, é bem menos enfática:

A relevância e urgência da proposta encontram-se presentes na necessidade de se estabelecer as bases materiais para o sistema complementar ao sistema privado de serviços de radiodifusão, previsto no art. 223 da Constituição, e assegurar uma nova forma de prestação de serviços de comunicação à sociedade, com autonomia editorial em relação ao Governo Federal e diversidade nas abordagens educativa, cultural, artística, informativa, científica e de promoção da cidadania, bem assim contribuir para a viabilização do início das transmissões da televisão digital no País, previsto para o próximo mês de dezembro.

Entretanto, apesar da insistência do Governo em argumentos de ordem administrativa e tecnológica, há outros aspectos, relativos ao contexto conflitivo do período, a serem ressaltados:

A cineasta Berenice Mendes, membro da coordenação executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), avalia que, efetivamente, uma MP não é o melhor encaminhamento para a TV pública. Um projeto de lei no Congresso seria, segundo ela, mais uma oportunidade da sociedade debater melhor a questão. Por outro lado, pondera Berenice, as questões de ordem técnica apontadas pelo governo podem ser, sim, uma justificativa para a medida. (MARINI, 2007, online).

Na matéria, Berenice Mendes afirma ser “notório, neste momento, que qualquer coisa que entra no Congresso está se tornando moeda de troca dos partidos para conseguirem

179 Caso o Congresso a rejeite, ou não delibere no período estipulado, a MP perde sua validade, ficando o

presidente da República impedido de reeditá-la na mesma sessão legislativa (BRASIL, 2001a).

180 À exemplo da já citada participação de Tereza Cruvinel em debate com parlamentares da Frente Parlamentar

Mista da Radiodifusão, no dia 30 de outubro de 2007 e da Audiência Pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, que além de Cruvinel e do Ministro Franklin Martins contou com

cargos” (Idem, Ibidem) e que a medida poder ser uma das maneiras de “transpassar o bloqueio a qualquer projeto do governo que chega ao Congresso”. (Id., Ibid.) Ou seja, mesmo reticente com um provável autoritarismo na adoção de uma medida provisória para o encaminhamento do projeto, a cineasta – que representa um importante agente dos movimentos sociais, o FNDC – verbaliza as reais dificuldades encontradas para a criação de um sistema público de comunicação na esfera federal: os frequentes embates entre o Governo e a oposição e, conforme visto, mesmo com membros insatisfeitos da base aliada para aprovação de projetos considerados prioritários.

Também como reação à medida, o partido Democratas (DEM) ajuiza uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com o n.º 3994, no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 03 de dezembro, alegando a inobservância dos necessários pressupostos da urgência e da relevância requeridos para a edição deste tipo de norma jurídica, entre outras argumentações. (BITTAR, 2007) Atualmente, o processo encontra-se em fase final de tramitação no STF.