• Nenhum resultado encontrado

Discussões sobre o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD)

2. POLÍTICA CULTURAL E TV PÚBLICA: AGENDAMENTO E MOBILIZAÇÃO

2.3. MOBILIZAÇÕES QUE PRECEDEM A EBC/TV BRASIL

2.3.2 Discussões sobre o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD)

Conforme já visto no primeiro capítulo, são históricas e inegáveis as razões da necessidade e urgência da regulamentação da televisão no país. E os debates em torno da construção da legislação para a TV Digital país não fogem a esta lógica. Levando em consideração a participação marginal do Ministério da Cultura no processo, abordaremos o tema resumidamente, mesmo correndo o risco de incorrer em algum reducionismo quanto a este complexo e relevante tema146.

A criação de um Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) como um balizador das diretrizes políticas para a transição do padrão televisivo analógico para o digital tem como marco a promulgação do Decreto nº 4.901 de 26 de novembro de 2003. A legislação determina a composição do SBTVD por um Comitê de Desenvolvimento, formado por representantes de dez ministérios; um Comitê Consultivo, que contempla a participação de representantes da sociedade civil na discussão de alternativas de política; e por um Grupo Gestor formado por oito ministérios, e pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) (BRASIL, 2003d). O MinC, que participa tanto do Comitê de Desenvolvimento como do Grupo Gestor, elabora, então, o documento Projeto SBTVD – Questões centrais para uma tomada de decisão: Sugestões do Ministério da Cultura ao Comitê de Desenvolvimento do SBTVD147. Segundo Manoel Rangel,

[...] o Ministério da Cultura acompanhou e participou do debate do Sistema Brasileiro de Televisão Digital com a visão de que a definição de um padrão, de um novo padrão, tecnológico para a televisão, o padrão digital, não deveria ser encarado simplesmente como uma transição tecnológica, deveria ser visto como as possibilidades que essa transição tecnológica trazia para um rearranjo regulatório do setor, dentro de uma perspectiva de maior pluralidade na televisão brasileira, de abrir oportunidade para entrantes na oferta da televisão aberta, como o caminho e fortalecimento da televisão pública...(2013, p. 04).

146

Uma reflexão acurada sobre o período pode ser encontrada no livro A política da política de TV digital no

Brasil: atores interesses e decisão governamental, de Juliano Domingues da Silva (2011).

147 Para mais informações, ver: http://www.cultura.gov.br/upload/SBTVD_MinC_1143840740.pdf, acesso em

No entanto, a nomeação de Hélio Costa para a pasta das Comunicações implica uma mudança de rumos da digitalização da TV brasileira (DOMINGUES DA SILVA, 2011). Costa não privilegia as pesquisas nacionais, declara que o país deve adotar um dos três sistemas já em atividade e estabelece um canal direto de comunicação com os empresários de radiodifusão. Em entrevista à jornalista Ana Paula Sousa, ao ser questionado sobre o espinhoso tema da concentração do mercado de comunicação brasileiro, o ministro responde de forma irônica e descuidada.

CC: Algumas pessoas vêem este momento, com a TV digital e a possível entrada das teles no jogo, como uma oportunidade histórica de se mudar a estrutura concentrada da mídia no Brasil. Ilusão?

HC: (risada) Midnight Summer Dream, para fazer a coisa mais bonita. Sonho de uma noite de verão. Isso está longe.

CC: Como também a Lei Geral de Comunicações? (COSTA, 2005, online).

Já em entrevista ao site da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Costa é ainda mais explícito, ao afirmar que “a radiodifusão é mais antiga, a radiodifusão é uma empresa nacional, a radiodifusão é uma empresa que vem, há 50 anos prestando um enorme serviço no rádio a na televisão para a população brasileira [...] Temos que defender a indústria nacional, e a indústria nacional é a radiodifusão.” (COSTA, 2007, online).

Em 2006, a leitura feita por Gil do Cordel da TV Digital148, durante aula inaugural da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é emblemática quanto às diferenças entre os ministérios da Cultura e das Comunicações. Ao discorrer sobre a necessidade de democratização do acesso e da distribuição de conteúdos, bem como acerca dos impactos da digitalização, Gil lê para plateia um cordel que pede o investimento e adoção do padrão brasileiro da TV digital, além de chamar Hélio Costa de "empresário boçal" que apostava no "monopólio privado".

Dois anos e sete meses após a criação do SBTVD, é, por fim, promulgado o Decreto nº 5.820 de 29 de junho de 2006, que privilegia o padrão japonês, atendendo diretamente aos grupos dominantes de mídia, em especial aos radiodifusores. Dentre as principais vitórias destes últimos estão: a garantia da comercialização de seus conteúdos diretamente aos usuários da telefonia móvel, sem intermediação das empresas de telefonia; a manutenção do

mesmo espaço no espectro149 para os concessionários até a conclusão da digitalização da TV, impedindo a entrada de novos agentes no segmento televisivo no país; a omissão da possibilidade de multiprogramação150, considerada inviável economicamente pelos radiodifusores151; e a restrição formal da participação da sociedade civil no debate (BRASIL, 2006d).

Por sua vez, da proposta do Ministério da Cultura – consonante com as entidades e movimentos sociais que lutam pela democratização das comunicações e centrada na construção de um modelo para a TV digital com base na ampliação dos agentes do setor e na potencialização das funcionalidades interativas e convergentes com outros meios – é adotada apenas a incorporação, no Art. 13 do Decreto 5.820, da possibilidade de operação de quatro canais pela União: um do Poder Executivo, um da cultura, um da educação e um da cidadania (BRASIL, 2006d). Jonas Valente, em sua dissertação de mestrado TV Pública no Brasil: A criação da TV Brasil e sua inserção no modo de regulação setorial da televisão brasileira, avalia que:

A medida visou dialogar com as demandas apresentadas pela equipe do MinC durante o processo. Na cerimônia de assinatura da norma, a ausência de um único representante da pasta pode ser entendida como um sinal, em nossa visão, do descontentamento dos dirigentes do Ministério em relação ao desfecho do episódio. (2009a, p. 118-119)

Apesar da concessão feita, a alteração para o padrão digital não colabora para a formatação de um novo modelo para a televisão brasileira e tampouco de um novo arranjo regulatório para a televisão. Ou seja, as reivindicações do Ministério da Cultura de um modo geral não são atendidas.