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2. POLÍTICA CULTURAL E TV PÚBLICA: AGENDAMENTO E MOBILIZAÇÃO

2.2. INTERSEÇÕES ENTRE COMUNICAÇÃO E CULTURA NO GOVERNO LULA: AGENTES E CONTEXTO

2.2.1 O Ministério da Cultura

O presidente Lula indica pessoalmente o cantor e compositor Gilberto Gil para comandar o Ministério da Cultura. A escolha ocorre dentro do que se convenciona chamar cota do presidente e não por meio de negociações com os partidos que dão sustentação ao governo. Sob tal perspectiva, uma importante noção para a reflexão ora proposta é a de capital político.

E em que consiste o capital político? O cientista político Luís Felipe Miguel (2003, p. 121), elucida que o capital político “baseia-se em porções de capital cultural (treinamento cognitivo para a ação política), capital social (redes de relações estabelecidas) e capital econômico (que dispõe do ócio necessário à prática política)”. Ademais, apoiando-se nas categorias presentes na teoria bourdieusiana, este autor elabora uma divisão das formas de capital político103 para a reflexão da realidade brasileira:

103 Embora a categorização de Bourdieu inclua, ainda, o capital heróico, esta seria apenas uma subespécie de capital convertido, a partir de ação heróica em alguma situação de crise. Em sua reflexão do caso brasileiro,

a) capital delegado, entendido como o capital originário do próprio campo político e/ou estatal. Isto é, a notoriedade advinda de mandatos eletivos anteriores, da ocupação de cargos públicos (de confiança) no Poder Executivo e da militância partidária;

b) capital convertido, ou seja, a popularidade conseguida em outros campos e deslocada para a política e também a transferência do capital econômico, por meio de campanhas eleitorais dispendiosas (idem, ibidem, grifos do

autor).

Embora o trecho acima transcrito se refira ao capital delegado como algo adquirido ao longo de uma trajetória, entendemos que esta forma de capital político também pode ser transmitida de forma imediata. Nas palavras do próprio Bourdieu, o capital político é um “crédito firmado na crença e no reconhecimento, ou mais precisamente nas inúmeras operações de crédito pelas quais os agentes conferem a uma pessoa – ou a um objeto – os próprios poderes que eles reconhecem” (2007, p. 187-188, grifos do autor).

Ao analisar o modo como se constitui o capital político, Pierre Bourdieu (2011a, p. 204) assevera que:

À medida que o campo político avança na história e que, notadamente com o desenvolvimento dos partidos, se institucionalizam os papéis, as tarefas políticas, a divisão do trabalho político, aparece um fenômeno muito importante: o capital político de um agente político dependerá primeiramente do peso político de seu partido e do peso que a pessoa considerada tem dentro de seu partido.

A escolha de Gilberto Gil para comandar o Ministério da Cultura se coaduna com a perspectiva da crescente importância dos partidos para a constituição do capital político apenas em partes. Ao convidar o compositor, o presidente Lula revela que, além de considerar suas habilidades pessoais, também pretendia trazer para o governo o Partido Verde (PV) por acreditar que ele pertencesse a seus quadros. Descoberto o equívoco, mantém a decisão, pois “o Gil não precisa representar nenhum partido político” (LULA DA SILVA, 2008, p. 2). Ou seja, ainda que a expectativa partidária tenha sido frustrada, Gil é reconhecido como uma “autoridade propriamente cultural” (BOURDIEU, 2011b, p. 156) e detentor de um importante capital artístico, portanto simbólico, devido à relevância de sua atuação no campo cultural, sua consagrada produção musical e reconhecida militância em causas como o meio ambiente.

O prestígio de Gil, “uma espécie de capital de reputação, um capital simbólico ligado à maneira de ser conhecido” (BOURDIEU, 2011a, p. 204), somado à legitimação conferida pelo presidente Lula, representam, portanto, a soma de capital delegado e convertido, que contribuem inegavelmente para a importância atribuída à cultura e a efetiva reorientação das

políticas empreendidas em sua gestão. Posteriormente, a estes elementos se somam a retomada do um “papel ativo do estado” (RUBIM, 2010, p. 64) em inúmeras áreas culturais, em circunstâncias democráticas; além de uma atuação abrangente, participativa, e por vezes até inauguradora104 do MinC no período.

A opção pelo músico, no entanto, surpreende a equipe responsável pelo programa cultural do PT que vinha trabalhando na campanha eleitoral. Os considerados “ministeriáveis”, naquele momento, são nomes pertencentes ao quadro de militância do partido, como Hamilton Pereira, Antonio Grassi e Sérgio Marberti.

Havia uma expectativa entre os participantes do processo de discussão que o Ministério da Cultura ficasse sob o comando do PT. Com a indicação de Gilberto Gil, foi realizada uma complexa negociação que garantiu a composição plural na equipe do ministério. Da formação inicial participaram pessoas próximas ao ministro Gilberto Gil, ao Partido Verde (PV), ao Partido dos Trabalhadores (PT) e logo ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Esta composição, apesar das tensões inevitáveis, garantiu uma boa abertura e a incorporação de um conjunto amplo de ideias, inclusive muitas das contidas no documento “A imaginação a Serviço do Brasil”, que foram vitais para o trabalho desenvolvido posteriormente pelo ministério (RUBIM, 2011, p. 39).

Ou seja, embora não tenham assumido o cargo máximo do Ministério, conforme já mencionado, os membros da equipe responsável pela elaboração d’A imaginação a Serviço do Brasil – somados a profissionais de destacada atuação no setor, em grande parte oriundos também da militância política – exercem importantes funções no Ministério da Cultura.

Em meio às propostas da nova gestão, cabe salientar alguns aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, o MinC reivindica uma noção “antropológica” de cultura105. Em seu discurso de posse, por exemplo, Gilberto Gil explicita a forma como o Ministério passa a encarar o termo:

Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade

104

Um exemplo é a política de atenção e apoio às culturais indígenas implantada pelo Ministério (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2006 apud RUBIM, 2010).

105 A princípio, não há uma noção única de cultura na antropologia. Entretanto, a instituição, ao trazer a noção do

que seria a cultura “no sentido antropológico”, busca incluir, no âmbito da cultura, setores não contemplados por uma ideia de cultura limitada e restrita à “alta cultura” ou “belas artes”. É importante perceber, no entanto, que o conceito de cultura, se ampliado ao seu extremo, torna-se pouco operacional, inclusive no sentido de orientar uma política pública efetiva, conforme já assinalado por autores como Isaura Botelho (2001a) e Albino Rubim (2008).

e de toda a nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos.

Desta perspectiva, as ações do Ministério da Cultura deverão ser entendidas como exercícios de antropologia aplicada. (GIL, 2013a, p. 230).

Um documento que exemplifica a abrangência dessa atuação é o Programa cultural para o desenvolvimento do país, elaborado pelo Ministério. Ali são explicitados, como políticas setoriais e eixos estruturantes da primeira gestão Gil (2003-2006): audiovisual; patrimônio, memória e preservação; cidadania e tecnologias sociais; identidades e diversidade cultural; cultura afro-brasileira; democratização, modernização e alcance nacional; um novo padrão de fomento, investimento e financiamento; economia da cultura; e política e presença internacional (BRASIL, 2007c).

Em seu âmbito de atuação, torna-se possível, portanto, incluir outras modalidades de bens simbólicos, como as culturas populares, afro-brasileiras, indígenas, de gênero, das periferias, midiáticas etc. Duas importantes consequências desta escolha são a ampliação do público-alvo do ministério, pois suas políticas passam a abarcar não apenas artistas, criadores e setores ligados ao patrimônio, mas a totalidade da população como produtora de cultura; e a transversalidade da atuação do MinC. (Idem, ibidem).

Para o ministro Gil, a inserção do órgão “no contexto em que o Estado começa a retomar o seu lugar e o seu papel na vida brasileira”, (2013b, p. 239) perpassa a solução de três questões-desafios:

[a] retomada de seu papel constitucional de órgão formulador e executor de uma política cultural para o país; a sua reforma administrativa e a correspondente capacitação institucional, do ponto de vista técnico e organizacional, para operar tal política; e a obtenção dos recursos financeiros indispensáveis à implementação desta política, seus programas e projetos. (Idem, ibidem, p. 240)

Ou seja, este ambicioso projeto tenciona realocar o campo da cultura nas políticas públicas, tanto em termos propositivos, como institucionais. Tal anseio perpassa as ações postas em prática por todo o ministério e, no setor audiovisual não poderia ser diferente.

2.2.1.1 As propostas para a nova Secretaria do Audiovisual

Antes da divulgação do novo Ministro da Cultura, a equipe de transição responsável pelo programa da cultura do PT já havia formalizado o convite a Orlando Senna para gerir a

Secretaria do Audiovisual, acreditando na escolha de um de seus colaboradores. Por este motivo, na primeira reunião de Gil com este grupo, o Relatório do Seminário Nacional de Audiovisual é apresentado como proposta de políticas para o setor, bem como o nome do coordenador do processo, para colocá-lo em prática. A indicação também é referendada pelo setor audiovisual. (SENNA, 2008a) A demora em formalizar o convite gera especulações na imprensa e, mesmo que inicialmente sugerida pelo PT, a nomeação do cineasta também era cara a Gil106. Convocado, ele se reúne com o Ministro para debater o programa elaborado para o setor.

A conversa girou em como pôr em prática aquela quantidade de providências, quais as estratégias a serem adotadas, quais as sustentações políticas para ações públicas tão inéditas, que dificuldades encontraríamos no caminho. Ele deixou bem claro que estava ali para mudar radicalmente a qualidade da relação do Estado com a Cultura, nas dimensões do simbólico, do econômico e da cidadania, e para dotar o ministério de capacidade operacional no que se refere às indústrias culturais. E disse que eu devia entrar em ação imediatamente porque o tempo voa (SENNA, 2008a, p. 327).

A atuação de Senna na Secretaria do Audiovisual (SAv)107 se inicia, portanto, tendo como principal norteador o relatório do Seminário de Audiovisual, apontado por ele como um “diagnóstico e uma via programática” (SENNA, 2003a), cuja participação de entidades e profissionais do setor em sua elaboração merece destaque. Também contribui para oxigenar a Secretaria, a renovação de seus quadros, a partir do ingresso de uma nova geração de profissionais da prática cotidiana e militante no setor audiovisual (SENNA, 2009). Em entrevista, o ex-assessor especial do Ministério para o Audiovisual, Mário Borgneth (2013, p. 3) ressalta a importância destes agentes para a conformação das políticas que se seguiram:

[...] um dos acertos do governo Lula, logo na partida, no campo audiovisual, foi o fato de que os gestores e os formuladores da política pública de audiovisual vieram exatamente do universo da produção e da luta política do audiovisual, tanto Orlando, quanto Leopoldo, quanto Manuel Rangel, quanto Mario Diamante, quanto Paulo Alcoforado, como Sérgio Sá Leitão... Quer dizer, todo mundo que estava ali naquele momento reunido em torno da

106 Amigos de infância, Gilberto Gil e Orlando Senna se conhecem desde a década de 1950, quando foram

colegas no Colégio Marista, em Salvador. (SENNA, 2008) Neste sentido, Senna narra que, durante sua primeira reunião com o então ministro Gil, este último, olhando os jornais comenta: “estou vendo aqui que você é cota do PT, é cota do setor e de não sei mais quem. Se lhe perguntarem diga a pura verdade, que você é cota de Gilberto Gil” (Idem, p. 327)

107 O Decreto nº 4.805 de 12 ago. de 2003, que promove a primeira reformulação do Ministério da Cultura

renomeia a Secretaria de Audiovisual como Secretaria de Desenvolvimento das Artes Audiovisuais (BRASIL, 2003b). No entanto, considerando a revogação desta denominação oito meses depois, pelo Decreto nº 5.036, de 7 abr. 2004 (BRASIL, 2004a), optamos em não utilizá-la neste trabalho, a fim de evitar possíveis confusões de nomenclatura.

equipe do Orlando Senna eram pessoas que vinham do embate diário do fazer, do embate diário da produção independente.

Por outro lado, o reconhecimento do caráter estratégico do audiovisual como uma indústria cultural, determina a permanência da SAv como única secretaria dedicada a um segmento artístico específico108, apostando na ampliação de suas atividades e, ao mesmo tempo, na integração entre os diversos elos da cadeia produtiva do audiovisual.

Para o Ministério da Cultura, a Política Brasileira de Cinema e Audiovisual é uma questão estratégica, que deve ter, por parte do Poder Público, tratamento de assunto de Estado. (...)

O conteúdo audiovisual, além de movimentar riquezas e interferir em todas as dimensões da economia, é determinante para a vida cultural do país, definindo padrões de comportamento social e influindo em todas as manifestações artísticas. (GIL, 2003, online)

A introdução do audiovisual na agenda governamental e sua ascensão a tema estratégico do Estado, não é, porém, inaugurada pelo Ministério da Cultura. Conforme já dito, desde a construção do I Congresso Brasileiro de Cinema, em 2000, a mobilização dos profissionais do setor atrai a atenção estatal para o audiovisual. Estimulado pela forte crise no financiamento do cinema nacional, este evento, posteriormente transformado em uma entidade amplamente representativa do setor, suscita a criação de ações efetivas, a exemplo da formação do Gedic e a criação da Ancine, por parte do Governo FHC em prol de seu desenvolvimento.

A inovação da gestão Orlando Senna/Gilberto Gil reside em promover, no âmbito da cultura, ações estruturadas e articuladas para o setor audiovisual. A acepção do seu caráter estratégico é uma premissa da gestão desde a formulação programática de suas ações, que conta com ampla participação dos profissionais e entidades da área. Ou seja, embora tivesse adquirido relevância na agenda governamental desde o Governo FHC, apenas a partir de 2003 o tema é abarcado como política a ser empreendida pelo governo federal.

A reflexão acima pode ser ilustrada a partir dos debates acerca da vinculação da Ancine ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e do Conselho Superior de Cinema à Casa Civil, pela MP 2.228-1 de 2001. O pressuposto de que as políticas

108

Desde a reforma ministerial regulamentada pelo Decreto nº 4.805 de 2003, à exceção da Secretaria de Audiovisual, são extintas as secretarias do MinC dedicadas a segmentos artísticos. As secretarias de Livro e Leitura; Patrimônio, Museus e Artes Plásticas; Música e Artes Cênicas são substituídas pelas de Formulação e Avaliação de Políticas Culturais; Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais; Desenvolvimento das Artes Audiovisuais; Apoio à Preservação da Identidade Cultural; e Articulação Institucional e Difusão Cultural (BRASIL, 2003b). Tal configuração se mantém nas reformas seguintes e, ao fim do Governo Lula, além do Audiovisual, compõem a pasta as secretarias de Políticas Culturais; Cidadania Cultural; Identidade e Diversidade Cultual; Articulação Institucional; Fomento e Incentivo à Cultura (BRASIL, 2009).

para o audiovisual deveriam ser desenvolvidas com base em um tripé ministerial – MDIC, Casa Civil e MinC – por meio de uma atuação integrada e abrangente, considera que a crise no setor cinematográfico se atribui “à deficiente forma de relacionamento do setor cinematográfico com o governo e também à fragilidade do atual órgão governamental responsável pela política do cinema no Brasil, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura” (CONGRESSO BRASILEIRO DE CINEMA, 2000, p. 1). Embora o relatório do Seminário Nacional de Audiovisual determine a emissão de um decreto mantendo a Ancine na Casa Civil109 para que o governo analise o tema em profundidade (SENNA, 2002), a perspectiva de sua vinculação ao MDIC ainda é hegemônica no início da gestão, conforme se depreende da entrevista concedida pelo Secretário Orlando Senna a Daniel Caetano e Ruy Gardnier, no dia 07 de fevereiro de 2003:

O que aconteceu nesses últimos 15 dias foi muita movimentação no setor, aquela coisa de pessoas achando que deveria se repensar a saída da Ancine para o MDIC, gente falando que deveria juntar tudo no MinC, outras para que fosse para o Ministério das Comunicações... (...) No geral, nós continuamos no mesmo caminho, nessa primeira arrumação da "casa do cinema", e vamos cumprir o que o setor de cinema propôs, que é o tripé ministerial. Depois disso tudo arrumado, vai se voltar a estudar uma verdadeira reformatação do universo audiovisual brasileiro – até porque o próprio MinC está sendo reformatado também. Uma comissão, da qual faço parte inclusive, fará toda uma reforma no MinC, pois até agora ele não era um ministério para executar ou criar políticas públicas, estava sendo usado apenas para responder a demandas pontuais, não é? Todo um novo desenho está sendo pensado agora. E aí também a Secretaria do Audiovisual (SAv) requer algumas mudanças, para que depois se volte a discutir as propostas iniciais da Ancine. Mas agora o mais importante é instalar a Ancine, localizá-la no MDIC e tocar o barco (SENNA, 2003a, online).

No entanto, a reforma no MinC então anunciada por Senna torna questionável a congruência do “tripé ministerial”, diante do empenho em robustecer a Secretaria do Audiovisual e ampliar seu escopo de atuação. Em pronunciamento no IV Fórum Brasil de Programação e Produção, em maio de 2003, o Secretário apresenta as perspectivas da política de audiovisual em torno de seis linhas programáticas: difusão, promoção, criação, patrimônio e pesquisa, formação e relações internacionais (SENNA, 2003b)110. Para tanto,

109 Contrariando o decreto de 4.121 de 2002, que prevê a mudança para o Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio Exterior em setembro de 2002, a agência continua vinculada à Casa Civil até o fim daquele ano, por questões burocráticas e de cronograma (ALVARENGA, 2010; BRASIL, 2002b). Assim, no dia 1 de janeiro de 2003, o Decreto nº 4.566 determina a manutenção da vinculação (BRASIL, 2003c).

110 Embora a proposta tenha mantido o seu cerne, os eixos programáticos são reorganizados em quatro itens no

Relatório de Gestão: produção/criação; difusão (com ênfase na promoção/exportação de conteúdo nacional); formação profissional e preservação da memória audiovisual; e política externa (BRASIL, 2006d).

propõe-se a integração a este órgão de instituições que se encontram dispersas. Além da Ancine e do CSC, atrelam-se à SAv, o Centro Técnico de Audiovisual (CTAv)111 e a Cinemateca Brasileira, respectivamente ligados à Funarte e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Por outro lado, a vinculação da Ancine ao MinC, para além do fortalecimento simbólico da atuação da pasta, também reforça sua ainda frágil estrutura física. Os 126 cargos comissionados que compunham a Ancine representam, na época, cerca de um terço dos cargos do Ministério (DAHL, 2010), fator que certamente contribui bastante para o empenho do MinC em agregar o órgão. Pelos motivos acima expostos, no dia 13 de outubro de 2003, na ocasião do lançamento do Programa Brasileiro de Cinema e Audiovisual, é então assinado o decreto que define o destino da Ancine.

Com a vinculação da Ancine ao MinC, o Governo demonstra que entende e situa a cultura como vertente estratégica do desenvolvimento social e econômico do Brasil e de nossa nova inserção no mundo. Para que cada pessoa nascida neste país tenha não apenas o poder de comprar e consumir, mas também o de criar e sonhar, engajando-se na construção de um Brasil que seja efetivamente (e afetivamente) de todos. (GIL, 2003, online)

São reafirmadas, portanto, a necessidade de se considerar a dupla natureza do audiovisual: seu viés artístico, cultural, simbólico; e sua face empresarial, industrial- tecnológica e mercadológica. A SAv, apoiada na “radical reconfiguração da dimensão simbólica do mundo contemporâneo” (BRASIL, 2006b, p. 4 e 5), ressalta em seu Relatório de Gestão (2003-2006), duas características do sistema comunicacional na globalização: a “forte concentração do mercado global da mídia/entretenimento” e o “caráter assimétrico dos processos de circulação e de produção dos bens simbólicos na arena internacional” (Idem, Ibidem).

Seguindo esta diretriz, os programas e ações desenvolvidos no âmbito desta Secretaria partem de uma concepção de cultura, que considera o conceito a partir de três dimensões: “enquanto produção simbólica (diversidade de expressão e valores), enquanto direitos e cidadania (inclusão social pela cultura) e enquanto economia (geração de renda e empregos, regulação e fortalecimento dos processos produtivos da cultura)”. (BRASIL, 2006b, p. 5)

111 O III Congresso Brasileiro de Cinema, realizado em 2000, já reivindica, em seu relatório final, a transferência

imediata do CTAv para a Secretaria do Audiovisual do MinC. (CONGRESSO BRASILEIRO DE CINEMA, 2000)

Embora tenha sido anunciada antes mesmo do início da gestão, o aumento de atribuições do MinC e de sua Secretaria de Audiovisual não se deu sem tensões, que envolveram instituições e agentes diversos, incluindo setores do próprio Governo Federal.