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2. POLÍTICA CULTURAL E TV PÚBLICA: AGENDAMENTO E MOBILIZAÇÃO

2.1. CAMPANHA PRESIDENCIAL E OS CAMPOS DA CULTURA E COMUNICAÇÃO

2.1.1 A imaginação a serviço do Brasil

No que diz respeito ao setor cultural, de forma mais ampla, o Partido dos Trabalhadores (PT) organiza ainda durante a campanha a discussão de um programa que envolve inúmeros militantes e consultas a artistas e intelectuais, com a realização de seminários nas cinco regiões brasileiras (nas cidades de São Paulo, Porto Alegre, Belém, Recife e Campo Grande),

filantropia ou o Welfare State, mas para nos centrar na atividade dos sujeitos concretos que habitam e dão vida ao Estado, que “são” o Estado. (tradução nossa)

além de um encontro nacional em Belo Horizonte. Destas discussões, nasce o documento A imaginação a serviço do Brasil92 (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002). Quanto à sua elaboração, em entrevista ao periódico Políticas Culturais em Revista, José Nascimento Júnior, relata:

[...] havia uma energia que movimentava uma série de agentes para fazer inúmeras reuniões pelo país na formulação do próprio programa, que tinha uma base e depois foi se adensando. Então, o que de fato ocorreu é que ao final nós formamos aquele A imaginação a serviço do Brasil, o programa de 2002, talvez, na história do PT, o momento mais intenso da formulação de um programa de governo para área cultural (NASCIMENTO JÚNIOR, 2009, p. 155).

Dentre outros importantes aspectos abordados pelo documento, toma relevo para este estudo a inclusão, de forma explícita e embrionária, da comunicação como um dos temas prioritários na formulação de políticas públicas de cultura para o Brasil. Além de do sociólogo e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), José Nascimento Júnior, sua elaboração conta com a participação de atores relevantes para a construção e implantação do novo Ministério da Cultura93 e de suas políticas. São exemplos desta afirmação o ator Antonio Grassi, ex-presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte); o ator Sergio Mamberti que ocupa diversos cargos no Ministério, como a presidência da Funarte, a chefia da Secretaria da Diversidade e Identidades Culturais e, atualmente, da Secretaria de Políticas Culturais; o antropólogo Márcio Meira94, que torna-se secretário de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas e de Articulação Institucional; do arquiteto João Roberto Peixe, ex-secretário de Articulação Institucional, dentre outros.

Também deve ser destacada a colaboração de diversos agentes historicamente ligados ao campo da comunicação, como o jornalista Celso Schroeder, o teórico e professor Antonio Albino Canelas Rubim, o jornalista e professor Eugênio Bucci (que se tornaria presidente da Empresa Brasileira de Comunicação./Radiobrás de 2003 a 2007), o deputado, jornalista e

92 O título do documento faz alusão a um dos slogans do movimento francês de Maio de 68, “A imaginação ao

poder”. A partir dessa proclamação, o conceito de imaginação ousada e interventiva, capaz de gerar novas visões para enfrentar os problemas e conflitos sociais é trazido, então, para a ordem de protestos. Alexandra Patrícia das Neves Ribeiro (2012, p. 17), em sua dissertação de mestrado A imaginação ao poder em educação

visual, assevera que “A Imaginação ao poder foi uma proclamação revolucionária porque se tentava

compreender que a verdade não estava apenas na realidade, mas também no imaginário. Estudantes e intelectuais conseguiram incutir esta ideia, de que o imaginário é talvez o lugar mais livre em que o homem se pode apoiar e sonhar”.

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O poeta Hamilton Pereira, conhecido pelo pseudônimo Pedro Tierra, que atua de forma destacada na elaboração do documento, também passa a compor os quadros do governo federal no primeiro mandato, mas na pasta do Ministério do Meio Ambiente como secretário de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental.

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professor Emiliano José, dentre outros. Tal participação certamente contribui para a introdução do tema da televisão, e em especial da TV pública nos debates sobre a cultura.

A imaginação a serviço do Brasil toma como base seis eixos principais: 1) Cultura como Política de Estado; 2) Economia da Cultura; 3) Gestão Democrática; 4) Direito à Memória; 5) Cultura e Comunicação; e 6) Transversalidades das Políticas Públicas de Cultura. No que se refere às relações entre comunicação e cultura, são apresentadas propostas audaciosas: a tão reivindicada regulamentação das comunicações conforme disposto na Constituição de 1988, com ênfase em aspectos como a regionalização da produção do conteúdo audiovisual, o estímulo à produção independente e nacional, a democratização e o funcionamento efetivo do Conselho Nacional de Comunicação Social; a taxação de emissoras com vistas à criação do Fundo de Apoio à Radiodifusão Comunitária, bem como o entrelaçamento desta modalidade de comunicação com os veículos de comunicação do setor público.

As alusões à comunicação pública, por sua vez, são tímidas em seus objetivos, ainda que correspondam a três dos seis subtópicos do eixo “Cultura e Comunicação”. A primeira delas, no subtópico 5.2, recomenda:

[...] utilizar a Empresa Brasileira de Comunicação S.A. - a Radiobrás -, possuidora de uma rede nacional de TVs e rádio, incluindo uma agência de notícias (Agência Brasil), como um valioso instrumento de estímulo à produção e divulgação da produção cultural das diferentes regiões brasileiras que não encontram espaço na mídia comercial (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002, p. 22)

Em seguida, o texto indica a necessidade de reequipamento e ampliação da atuação territorial das emissoras públicas de comunicação, conceituadas de maneira genérica, em prol da consolidação de uma Rede Pública de Comunicação de alcance nacional. Por fim, sugere- se que o processo de “regionalizar a produção informativa e cultural; estimular a produção independente; valorizar a cultura brasileira (...); divulgar conteúdos em sintonia com as campanhas de saúde pública e defesa da sustentabilidade ambiental” (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002, p. 22 e 23) seja liderado pelas emissoras estatais – Empresa Brasileira de Comunicação/Radiobrás, a Agência Brasil e TV Nacional de Brasília, após a reorientação de suas perspectivas.

O audiovisual, por sua vez, considerado como área “estratégica na formação do imaginário cultural do país” pelo documento, é alvo da mais longa e detalhada explanação

dentre todos os subtópicos. E sua inserção se dá no encerramento do documento, no eixo que trata da transversalidade da cultura, e não da comunicação. A opção é justificada pela sua complexidade e crescente importância econômica.

Pelo caráter transversal de sua atividade, a produção e difusão audiovisual exigem um cuidadoso processo de discussão. Partimos da convicção de que o governo tem um papel fundamental a cumprir no estímulo à produção, distribuição e exibição do produto audiovisual brasileiro. Pelos fatores que envolve, pela complexidade do processo de elaboração, que conjuga a dimensão propriamente artística e cultural e a necessária dimensão industrial e comercial o que exige um tratamento interministerial, e pelas relações com o mercado, o produto audiovisual deve merecer um tratamento em outros capítulos do Programa de Governo. (...) A produção e difusão do audiovisual assumem uma importância cada vez maior no mundo contemporâneo. É, já de algum tempo, o segundo item das exportações norte-americanas, só ultrapassado pela indústria bélica. Este fato, por si só, nos dá a idéia do seu peso não apenas como um fator econômico, um ramo dinâmico, gerador de emprego e renda, mas também como portador de valores éticos, históricos, políticos e sociais cultivados pelo nosso povo. (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002, p. 23 e 24)

O texto prossegue afirmando a importância da distribuição e exibição para o cinema brasileiro, bem como a necessidade de fixar como diretriz uma política que estabeleça “um estreito vínculo entre a produção audiovisual brasileira e os mecanismos concretos de sua difusão: as redes de cinemas, as TVs abertas e fechadas, com as modificações que se fizerem necessárias na legislação” (Idem, ibidem). Recomenda-se, ainda, um amplo debate sobre a Ancine, cuja criação é considerada positiva, em relação ao seu lugar no governo e sua operação enquanto instrumento de política pública.

Cabe ressaltar que a secção entre comunicação e audiovisual, no documento, expõe uma grande contradição do setor: a relutância em compreender o audiovisual para além do suporte cinematográfico. Sob tal perspectiva, é bastante oportuna a análise da gradual substituição do termo “cinema” pelo conceito mais abrangente de “audiovisual” nos discursos de cineastas e nas políticas públicas, evidenciada por Anita Simis e Melina Marson (2010, p. 21). No artigo, as autoras, ao se debruçarem sobre os discursos dos cineastas com especial ênfase no texto das resoluções do III CBC, concluem que:

A contradição é gritante: embora se veja no audiovisual a solução para o problema de sustentabilidade do cinema brasileiro, ainda se prega o privilégio do cinema em relação à captação de recursos. Ou seja, o campo cinematográfico utiliza o conceito de audiovisual para alavancar o cinema, mas não se vê esse cinema como parte dessa indústria, e a ideia de audiovisual então fica restrita.

Tal assertiva também se adéqua ao documento A imaginação a serviço do Brasil. No documento, apesar das manifestações que ratificam o reconhecimento dos meios de comunicação massivos, especificamente a radiodifusão, como parte integrante do setor audiovisual, opta-se pela manutenção da separação histórica e mesmo conservadora entre estes dois âmbitos (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002).

De todo modo, mesmo que as propostas sejam apresentadas de maneira preliminar, sua inclusão em um programa de governo para a cultura merece relevo pelo caráter inaugurador e participativo. Também é necessário ponderar que, dada a natureza e o propósito de um texto voltado para uma campanha eleitoral, determinadas questões do campo comunicacional que venham a suscitar maiores controvérsias devem ser, obviamente, evitados. José Nascimento Júnior (2009, p. 155) destaca, ainda, a falta de experiência em gestão pública da equipe.

[a]o final nós formamos aquele A imaginação a serviço do Brasil, o programa de 2002, talvez, na história do PT, o momento mais intenso da formulação de um programa de governo para área cultural. Com todos os limites que, olhando agora para trás, se vê naquelas formulações, mas também não dava para pedir um exercício de formulação para além da experiência da gestão, pois ainda não a tínhamos do ponto de vista da dimensão do governo federal. Havia muitos desejos, muita expectativa, algumas opiniões gerais, que ao longo dessa gestão se confirmaram, se adensaram, criaram musculatura ao longo da gestão.

Em que pesem tais limitações, A imaginação a serviço do Brasil torna-se uma das principais bases para as políticas culturais impulsionadas pelo novo governo. Para a área do audiovisual, mais especificamente, dois outros documentos merecem evidência: a Declaração do Canecão, também conhecido como Documento Nelson Pereira dos Santos/Orlando Senna e o Relatório do Seminário Nacional de Audiovisual, compilação do evento de mesmo nome, realizado nos dias 03 e 04 de dezembro de 2002, no Rio de Janeiro.