• Nenhum resultado encontrado

O auditório particular e a análise do dano moral pela perda de uma chance

3.1 O PERCURSO HISTÓRICO E A REABILITAÇÃO DA NOVA RETÓRICA DE

3.1.3 O auditório particular e a análise do dano moral pela perda de uma chance

O que normalmente se chama de senso comum, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1988] 2005, p. 112), “consiste numa série de crenças admitidas no seio de uma determinada sociedade, que seus membros presumem ser partilhadas por todo o ser racional.” No entanto, ao lado dessas crenças, existem os acordos próprios de uma disciplina particular, qualquer que seja sua natureza (científica ou técnica, jurídica ou teológica). Na lição de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1988] 2005, p. 112), “tais acordos constituem o

regra pragmática e assegura a vinculação da discussão ao direito vigente. Determina que os “argumentos que

expressam uma vinculação ao teor literal da lei ou à vontade do legislador histórico prevalecem sobre outros argumentos, a não ser que possam apresentar motivos racionais que deem prioridade a outros argumentos.” Larenz ([1991] 1997, p. 214) estabelece a diferença da Teoria da Argumentação desses dois autores, explicando que Alexy afirma que no discurso jurídico trata-se da justeza de enunciados normativos, enquanto, para Perelman, só é possível encontrar argumentos “aceitáveis” para os interlocutores quando surge a aptidão de consenso no lugar da justeza.

95

É sempre útil e importante poder qualificar de justas as concepções sociais que se preconizam. Todas as revoluções, todas as guerras, todas as revoltas sempre se fizeram em nome da Justiça. (PERELMAN, [1990] 2005, p. 8).

96 Pode-se dizer que as Teorias da Argumentação, qualquer que seja a matriz teórica que adotem, não só a de Perelman, tratam da justificação racional das decisões judiciais.

97A justificação é racional em face da racionalidade dos julgadores. Adotamos o entendimento de Gadamer ([1995] 2009, p. 384) sobre a racionalidade: “Racionalidade não significa simplesmente ser dotado com razão, mas racionalidade é uma ‘propriedade’ positiva, que um homem possui que o capacita a tomar decisões racionais e responsáveis. Portanto, racionalidade não é meramente uma capacidade de pensar, ver e conhecer algo, mas é uma postura fundamentada do próprio ser.”

corpus de uma ciência ou de uma técnica, podem resultar de certas convenções ou adesão a

certos textos, e caracterizam certos auditórios.” Esses auditórios particulares adotam uma linguagem técnica que escapa ao conhecimento dos cidadãos “comuns” e, em relação aos membros desse auditório, os juízes, advogados, promotores, ele é considerado mais geral (universal).

No caso do Direito, destacam Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1988] 2005, p. 114), o auditório é especializado e está bem delimitado graças às considerações de ordem formal, “está ligado por textos bem determinados, constituem domínios de argumentação específicos” e são o ponto de partida de novos raciocínios. Esse ponto de partida pode ser entendido, também, como uma situação relacional, uma vez que se irá argumentar sempre em relação a eles. O ponto de partida poderá ser a lei, a jurisprudência ou as obras jurídicas, mas, para ser considerado um argumento racional, além de estar justificado, deverá ser relacionado a. Mais adiante, veremos que o ponto de partida da argumentação em nosso sistema jurídico é a Constituição. Sendo assim, deve-se interpretar a jurisprudência ou as demais fontes do Direito, para se adequar ao caso particular e realizar a justiça concreta através da/em relação à Constituição, devendo ser considerada sempre aberta e em sintonia com as mudanças sociais. Determinados tipos de objetos de acordos podem admitir definições particulares em certos tipos de auditórios especializados como, por exemplo, o que é considerado um fato e, também, podem estabelecer a forma como será invocado ou criticado. Ao jurista cabe acatar como fato o que está previsto nos textos ou o que permite ser tratado como tal, e não o que pode desejar o acordo do auditório universal. Existem ficções no Direito que obrigam a tratar como inexistente uma coisa que existe e vice versa, assim, um fato pode ser ignorado juridicamente mesmo que seja admitido como senso comum.

No que diz respeito à responsabilidade civil pela perda de uma chance na Justiça do Trabalho sob a ótica que aqui está sendo analisada, os interessados em participar desse ambiente deverão conhecer as regras, técnicas e noções específicas de tudo quanto nele é admitido. Sobre elas, não é necessário esforço de argumentação para sustentá-las, já que podemos identificar essas informações como sendo os acordos próprios desse auditório. Quando se fala da reparação pelo dano moral, em especial no Direito do Trabalho, trata-se de um assunto sem definição explícita no texto jurídico e não há um consenso do auditório e, por sua vez, abre-se espaço para as condutas argumentativas. Pode-se dizer que, ao se encontrar o dano moral pela perda de uma chance nesta tese, ter-se-á estabelecido o lugar comum de um auditório especializado.

Se os argumentos são aceitos por alguns e não por outros, seria vantajoso que os oradores pudessem escolher seus auditórios. No entanto, no Direito, para evitar que uma das partes escolha o auditório que melhor atenda a seu postulado em detrimento da outra, por uma regra processual, a distribuição dos processos se faz pela rigorosa ordem de entrada98. Os julgamentos tendem a decidir por equidade e, por esse motivo, o julgador não pode ignorar argumentos que lhe são apresentados enquanto membro de um grupo social particular, mas não especializado, ou enquanto membro do auditório universal. Existe, aí, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1988] 2005, p. 117), um apelo ao senso moral do juiz que pode “incentivá-lo a inventar argumentos válidos em seu âmbito convencional, ou a apreciar de modo diferente aqueles de que dispõe.”

Os acordos devem ser estabelecidos para se ter um mínimo de estabilidade ao viver em sociedade. No início de um processo, parte-se das premissas; contudo, na sequência, estabelecem-se explicitações e estabilização de acordos. Isso permite que se organizem os argumentos e se estabeleça quais serão utilizados, uma vez que sobre as premissas, as explicitações e os acordos não há necessidade de argumentação, porque já são admitidas pelo auditório. No caso específico do Direito, Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1988] 2005, p. 119- 124) pontuam alguns como a técnica da coisa julgada, que estabiliza determinados julgamentos ao vedar o questionamento de certas decisões; e as presunções, que são baseadas na inércia, ou seja, presume-se que uma atitude ou uma opinião já adotada permanecerá no futuro até prova em contrário e com as devidas justificativas (razões suficientes para admitir a mudança).

3.2 AS PREMISSAS DA ARGUMENTAÇÃO: ACORDOS PRÓPRIOS DE CADA