• Nenhum resultado encontrado

A fundamentação racional das decisões judiciais a partir da Nova Retórica

3.1 O PERCURSO HISTÓRICO E A REABILITAÇÃO DA NOVA RETÓRICA DE

3.1.1 A fundamentação racional das decisões judiciais a partir da Nova Retórica

Nesta tese, a leitura e a análise dos argumentos feitas pelos Desembargadores do TRT4 sobre a responsabilidade civil pela perda de uma chance são consideradas racionais sob a ótica da Nova Retórica76, desde que demonstrado o caminho percorrido. Por esse motivo, analisa-se a parte da fundamentação das decisões, justamente para verificar o procedimento adotado pelos julgadores para formar seu entendimento sobre o tema.

A Constituição prevê que o magistrado, ao proferir sua decisão, deve fundamentá-la, sob pena de nulidade (art. 93, inciso IX), porque é o corolário da tramitação do processo, respeitando preceitos fundamentais como o princípio do devido processo legal77. Essa postura de fundamentar as decisões judiciais traz segurança jurídica para as partes e ética por parte do julgador, sendo considerada por Mendonça (2000, p. 153-154) um imperativo da segurança jurídica: “se, por um lado, o juiz deve ter um grau de autonomia em face da lei, por outro, não pode o magistrado decidir arbitrariamente, pois, dessa forma, se estaria colocando em risco a própria estabilidade institucional do Estado.” A motivação da decisão judicial é o que legitima o trabalho hermenêutico que, através de seu resultado, surtirá efeito sobre a coletividade.

Uma preocupação constante de Chaïm Perelman, de acordo com Freitas (2007, p. 334), é com a “responsabilidade ética dos decisores judiciais e com o raciocínio dialeticamente adequado sobre justiça.” A partir disso, corrobora-se com o entendimento de que a conduta argumentativa é um procedimento e que, de acordo com Feltes (2003, p. 260), é

76 Perelman ([1977] 1997, p. 24) também denomina a nova retórica de nova dialética. 77

Esse princípio é a base de outros que regem a tramitação dos processos, como o contraditório, a ampla defesa, o respeito às formalidade legais.

“um procedimento baseado em atitudes de assentimento ou refutação.” O julgador, ao justificar sua decisão através da fundamentação, realiza uma tarefa eminentemente prática, justamente porque o julgador tem que aplicar a norma a um caso particular e se evidencia, de acordo com Perleman ([1990] 2005, p. 480-481), nas análises das obras jurídicas, nos arrazoados dos advogados, nas peças de acusação do Ministério Público ao fornecerem razões que podem exercer uma influência sobre a decisão do juiz.

Essa justificação descaracteriza a decisão como arbitrária ou injusta, explica Perleman ([1990] 2005, p. 481), e o raciocínio judiciário apresenta-se como o próprio padrão do raciocínio prático, tendo como objetivo justificar uma decisão, uma escolha, uma pretensão, em que a sentença será justificada se estiver conforme o Direito. Ao demonstrar o caminho percorrido, o magistrado fundamenta sua decisão aceitando como verdade os argumentos de uma das partes (assentimento78), rejeitando a afirmação da outra (refutação79) e, ainda, se entender necessário, adere aos entendimentos de outras fontes (assentimento) sequer levantadas pelas partes. Esse percurso deve ser coerente e, para ter uma força persuasiva, aproximar-se dos esquemas ou estruturas de raciocínio rigoroso, formal e demonstrativo, ou seja, dos raciocínios formais lógico-matemáticos.

A prova demonstrativa que é analisada pela lógica formal não é persuasiva, mas convincente,80 uma vez que admite a verdade das premissas de que se parte, garantida pela

evidência81, consequência do fato de se referirem a ideias claras e com um sentido inequívoco. A verdade das premissas era aceita através de um acordo entre as partes que não permitia a discussão dos sentidos, já que eram considerados unívocos. Contudo, a partir do instante em que uma palavra tem um sentido ambíguo, deve-se escolher o sentido que for mais adequado ao caso particular, fornecendo as razões de escolha para obter adesão à solução apresentada. Esse é um problema que a lógica formal não consegue resolver, consoante destaca Perelman ([1979] 2004, p. 142).

78 Assentimento. Aceitação, como verdade, do conteúdo de um juízo, de uma ideia ou de uma doutrina. (IDICIONÁRIO AULETE. Disponível em: < http://aulete.uol.com.br/assentimento>. Acesso em: 28 mar. 2014). 79 Refutação. Parte do discurso destinada a refutar os argumentos contrários. (IDICIONÁRIO AULETE. Disponível em: <http://aulete.uol.com.br/assentimento>. Acesso em: 28 mar. 2014).

80 Perelman e Olbrechts-Tyteca fazem essa distinção entre convencimento e persuasão quando explicam que a convicção é fundamentada na verdade de seu objeto, podendo ser provada e, portanto, válida para qualquer ser racional. A persuasão, por sua vez, tem um alcance unicamente individual, ou seja, direcionada aos auditórios particulares. Na sequência, dizem que na prática os termos convencer e persuadir são imprecisos e assim devem permanecer, porque a distinção entre diversos auditórios é incerta. ([1988] 2005, p. 32-33).

81

Nas palavras de Perelman ([1977] 1997, p. 25): “una argumentación jamás puede procurar la evidencia y no es posible argumentar contra lo que lo es.”

A decisão dos magistrados é tomada com base nos fatos, documentos e provas apresentados nos autos82 do processo e a adesão aos argumentos de uma das partes representa a interpretação que foi dada pelos Desembargadores ao caso concreto. Na explicação de Warat (1994, p. 31-32), a interpretação da lei é um processo redefinitório de determinada classificação ou sentido, ou seja, cada termo tem seus critérios definidos, é aplicado em uma determinada classe de objetos e sempre em um contexto de comunicação (caso concreto). Quando se pergunta qual é o significado de um termo, se está requerendo a apresentação de um critério que permita identificar a que classe de objetos o rótulo, cujo sentido não se conhece, é aplicado. Muitas vezes, essas definições não são suficientes para resolver determinado problema porque as coisas ou objetos possuem as propriedades dadas pelos critérios de definição, mas se apresentam em diferentes graus comparado aos casos em que a sociedade o aceita como modelo ou paradigma. É o caso da aplicação dos termos gordo, calvo e rico. E questiona: quantos fios de cabelo deve ter um indivíduo para ser considerado calvo? Quantos quilos deve pesar um homem para ser considerado gordo? Quanto dinheiro ele deve ter para ser considerado rico? Esses termos são vagos e, para ter uma definição, são necessários uma explicação ou esclarecimento dos critérios que devem ser considerados.

No entanto, existem termos dos quais não sabemos quais características considerar relevantes para sua distinção, a propósito da valorização de quem os utiliza. Exemplos disso seriam mulher bonita e bom pai de família. Nesse caso, disserta Warat (1994, p. 33-36), há uma ambiguidade por polissemia, e a única maneira de eliminar as dúvidas é estabelecer definições persuasivas. São chamadas de persuasivas porque os critérios de relevância são utilizados com o objetivo de “convencer o receptor a compartilhar o juízo valorativo postulado pelo emissor do caso.” Assim, as normas jurídicas apresentam problemas de imprecisão linguística e precisam de uma explicação para que seus termos ou definições sejam esclarecidos. Porém, ainda segundo Warat (1994, p. 36), muitas vezes, é possível esclarecer as definições através dos critérios já estabelecidos, chamados de argumento

explicativo.

Se esses critérios, por outro lado, não coincidem com a posição ideológica do julgador por entender que a classe normativa apresentada representará uma decisão completamente injusta no caso concreto, o julgador apresenta argumentos persuasivos para embasar sua decisão. Nesses casos, o decisor apresenta como relevantes outras conotações não explicitadas para caracterizar algum termo chave incluído na norma, e sua sentença ou

82

Conjunto organizado das peças de um processo judicial. (IDICIONÁRIO AULETE. Disponível em: <http://aulete.uol.com.br/assentimento>. Acesso em: 08 dez. 2014).

acórdão mudará a linha genérica de solução de uma lide. Essa posição vem ao encontro da Teoria da Argumentação de Perelman, a qual permite a seleção e a aplicação de determinado valor como sendo o mais adequado, por ser mais justo, para a solução de um caso. A interpretação da lei por meio da readequação de definições possui sempre uma carga axiológica e o processo argumentativo justifica a direção adotada pelo julgador, não sendo considerado arbitrário o desfecho final desse processo.

Ao se buscar a definição de Justiça (com letra maiúscula) em uma decisão judicial, deve-se ter em mente que essa concepção está longe de ser arbitrária. Ao contrário, ela é um termo considerado prestigioso, posto que tem um sentido emotivo que faz com que se confira um valor a ele e que é definido como sendo a justiça83. Ao se definir uma noção a um signo que já é preexistente na linguagem e carrega seu sentido emotivo, não se pratica um ato arbitrário. Quando se define a Justiça de determinada forma e não de outra, significa que se reconhece o sentido de determinados valores que são identificados e aceitos por aquele que apresentou essa definição. Esse reconhecimento é um instrumento muito útil na ação e constitui verdadeira força social, explica Perelman ([1990] 2005, p. 5): “admitir uma definição de uma noção assim é, longe de praticar um ato indiferente, dizer o que estimamos e o que desprezamos, determinar o sentido de nossa ação, prender-se a uma escala de valores que nos permitirá guiar-nos em nossa existência.”

Além disso, Perelman ([1990] 2005, p. 18) parte do ponto em que a justiça tem um elemento essencial que é a igualdade: “todos estão de acordo sobre o fato de que ser justo é tratar de forma igual.” Quando se defendem diferentes formas de justiça, o ponto em comum entre elas é que, sob certa ótica, os seres são iguais e, portanto, fazem parte de uma mesma classe ou categoria e fazer justiça dentro de cada categoria é tratá-los de forma igual. Esse é um entendimento puramente formal, porque não estabelecem as discussões sobre quando dois

83 A palavra “justiça” (com letra minúscula) é um signo que representa um valor, da mesma forma como “liberdade”, “bem”, “virtude”, “realidade”, entre outras o representa. Esse valor já preexiste na linguagem, mas com um sentido emotivo, um termo prestigioso e que está representado pelas palavras em letra maiúscula: Justiça, Liberdade, Bem, Virtude e Realidade. (PERELMAN, [1990] 2005, p. 4-5). Quando se define uma noção que não é um signo novo, mas já preexiste na linguagem, ou seja, quando se define “justiça” desse ou daquele modo, não se comete um ato arbitrário, mas, antes, aplicada à valoração do sujeito que a define naquela determinada situação. Adeodato ([1996] 2007, p. 159) explica que a palavra “justiça” (com letra minúscula) confere a determinada situação real o caráter de bem jurídico. No sentido jurídico, a justiça não é mais um valor moral, mas um valor situacional. Já a palavra “Justiça”, com letra maiúscula, é a justiça moral que une de forma abstrata os indivíduos em suas relações sociais - “A justiça jurídica reage consequentemente a um número menor de relações do que a justiça moral: ela defende valores morais legítimos, embora em grau mais modesto, e esta base é indispensável para o desenvolvimento dos valores morais mais altos da hierarquia em que a ética de Hartmann os organiza. Para defender este mínio ético necessário, a justiça social é apreendida pelo direito positivo e então limitada a fronteiras mais rígidas, é codificada. Surgem assim instituições garantidoras dessa moral mínima (justiça jurídica), tais como a legalidade, a sanção organizada, a ameaça de coação, o constrangimento pela violência legal.”

seres fazem parte de uma categoria essencial e como eles devem ser tratados; e, nesse ponto, verifica-se a diferença entre a justiça formal ou abstrata e a justiça concreta. A justiça formal ou abstrata é definida por Perelman ([1990] 2005, p. 19) como sendo “um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma.” Esse é um acordo dentro das diversas formas de justiça defendidas e as divergências ocorrem no campo do prático, ou seja, na aplicação da justiça, no qual se determinam quais são as características essenciais para a sua aplicação.

A justiça tem, no entendimento de Larenz ([1991] 1997, p. 257), dois significados de fundamental importância prática: um negativo e outro positivo. O negativo, considerado mais inteligível, através da experiência, é mais fácil reconhecer uma resolução injusta do que a única justa. Dessa forma, o juiz deveria evitar todas as resoluções reconhecidamente injustas. O positivo, por sua vez, são ideias diretivas que surgem, gradualmente, sempre que se passa das categorias mais gerais das relações sociais às particulares, de modo que a ordem expressa só possa ser determinada, em último grau e de forma plena de conteúdo, diante do problema jurídico concreto, mas sem estabelecer por si só a solução. Daqui pode-se identificar a justiça distributiva, a equitativa e a protetiva, resultando em um “conjunto de pontos de vista, que em parte se entrecruzam, que na literatura metodológica se repetem como fins jurídicos, valorações supralegais ou como topoi.”

O pensamento jurídico reflete de forma direta sobre o raciocínio jurídico, e a perspectiva argumentativa mais flexível surge como alternativa ao positivismo lógico voltado ao Direito e às discussões jurídicas totalmente irracionais. Até o século XVIII, a preocupação com a realização das decisões justas84 remeteu à importância dada aos precedentes, uma vez que se tinha o entendimento de que casos similares deveriam ser tratados de forma igualitária. A partir da Revolução Francesa, esclarece Atienza (2006, p. 76), ocorre uma série de mudanças fundamentais no Direito e, entre elas, está a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais. Nesse período, o Direito é entendido como um conjunto de leis formado através de sistemas jurídicos bem elaborados que representam a soberania nacional. As sentenças passam a ser objeto de conhecimento público com um papel reduzido do juiz, que é obrigado a apresentar o motivo de suas decisões. O sistema normativo de um Estado por si só

84 As decisões são intrinsecamente justas porque são legais, vale dizer, não arbitrárias porque contidos nos marcos das normas gerais. Na medida em que se possa relacionar um ato decisório com alguma norma geral pré- existente (sic), este será vivido sempre como justo. O que ultrapassar essa limitação também será considerado justo se conseguirem se apresentar argumentativamente como derivadas do marco inicial estabelecido. Essa é uma característica das teorias formalistas que perseguem o sentimento de segurança, que tem como base constitutiva: (a) a suposição de existir um legislador racional de uma ordem jurídica com os mesmos atributos, (b) a afirmação do caráter neutro da atividade judicial e (c) a pretensão de uma ciência do direito descomprometido dos atos decisórios e do jogo social. (WARAT, 1994, p. 54).

é insuficiente para dar conta de todas as situações existentes no Direito, devendo ocupar-se, também, dos conflitos da prática jurídica e atentando-se para as razões de decidir do juiz, ou seja, para a argumentação no processo que tem como objetivo, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1988] 2005, p. 50):

provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno.

No Brasil, um olhar crítico sobre o Direito iniciou com Tobias Barreto85. Seu estado natal era Sergipe, mas mudou-se para o Recife para cursar a Faculdade de Direito. Tinha ideias revolucionárias e travava batalhas intensas com seus porfessores, por estarem atrelados aos velhos conceitos da ciência jurídica. De acordo com Ferreira (1977, p. 15), Tobias Barreto leu profundamente o positivismo, o darwinismo, o evolucionismo e, em especial, a ciência religiosa alemã de Strauss e Baur: “a leitura dos publicistas e jurisconsultos alemãe, Mohl, Gneist, Ihering levou-o a uma nova intuição do direito, fecundou e aprimorou a ciência jurídica brasileira”.

O que analisaremos nos acórdãos do Capítulo 4 é justamente a quais teses os Desembargadores aderiram e quais argumentos foram considerados mais fortes/relevantes para eles, a partir da leitura dos argumentos de cada parte envolvida em um processo judicial. A argumentação não visa à adesão exclusivamente pelo fato de a tese ser verdadeira, destaca Perelman ([1979] 2004, p. 156), mas também por parecer mais equitativa, mais oportuna, mais útil, mais razoável e mais adequada à situação. A argumentação se torna mais forte quando se trata da jurisprudência, porque interpretam as leis e podem ir mais além, nas palavras de Perelman ([1990], 2005, p. 29), porque é dela que depende a definição de todas as expressões equívocas do Direito:

para ela [jurisprudência], será um jogo definir essas noções e interpretar essas expressões de forma que o sentimento da justiça do juiz não seja contrariado com demasiada violência pelas exigências da lei. Em certos casos, quando se tratou de leis cujo sentido dificilmente se poderia deformar, a jurisprudência se contentou mesmo, pura e simplesmente, em esquecer-lhes a existência e, de tanto não as aplicar, as fez cair em desuso.

85 A biblioteca digital do Senado Federal (http://www12.senado.gov.br/institucional/biblioteca) disponibiliza diversas obras e artigos de Tobias Barreto ou que tratam sobre sua trejetória como jurista, filósofo e poeta no Brasil.

A jurisprudência é relevante justamente porque demonstra um posicionamento reiterado dos julgadores na aplicação da norma ao caso particular e, ao fim e ao cabo, reflete os valores aceitos pela sociedade. O ato de decidir permite o esclarecimento de termos vagos ou ambíguos, e tamanha é a importância de um julgamento atender aos anseios sociais que a interpretação ou a aplicação de um sentido a uma determinada situação pode culminar com a não aplicação da lei. Por esse motivo, é relevante conhecer o entendimento dos Desembargadores ao reconhecerem, ou não, a existência de um dano que configure o prejuízo material ou não material, em um determinado contexto.

A Teoria da Argumentação86 de Perelman e Olbrechts-Tyteca pode ser considerada uma tese intermediária pela qual o julgador é considerado um criador e um aplicador do Direito. Se for considerado só criador, poderá apresentar decisões arbitrárias, e se for considerado só aplicador, nos remeterá às tendências realistas, em que a sentença é proferida a partir de um trabalho exclusivamente lógico-dedutivo. Assim, nessa tese intermediária, Warat (1994, p. 62) explica que as normas gerais predeterminam um conteúdo, podendo o juiz considerá-lo ou separar-se dele, apresentando ao órgão judicial uma alternativa genuína que decorre do direito positivo que transfere a esses órgãos judiciais o controle da predeterminação dos conteúdos: ou dita a sentença com o conteúdo determinado e as normas gerais predeterminando esse conteúdo ou adota outra linha de solução. E Warat (1994, p. 62) finaliza com o entendimento de que “se o conteúdo é alheio à predeterminação deve ser considerado normativamente equivalente ao que a norma superior predetermina.”

Nesse aspecto, uma crítica que se faz à teoria de Perelman e Olbrechts-Tyteca é a de que a relativização ou flexibilização do Direito para se aproximar do ideal de justiça concreta87 abala a segurança jurídica88 do sistema. Essa segurança jurídica trata dos procedimentos e entendimentos adotados por suas instituições em que previamente é conhecido ou esperado um determinado resultado. Presume-se que as decisões judiciais

86 Nesse mesmo sentido, Atienza ([2000] 2006, p. 77) afirma que a importância da obra de Perelman é a reabilitação da razão prática, em que se introduz algum tipo de racionalidade na discussão de questões concernentes à moral, ao Direito, à política, etc., que venha a significar algo assim como uma via intermediária entre a razão teórica (a das ciências lógico-experimentais) e a pura e simples irracionalidade.

87 De acordo com Perelman, existem duas espécies de justiça, conforme já explicitado na nota de rodapé n° 83, e que aqui se expande um pouco aquela explicação: a formal, que é engessada, estanque, e a concreta, que mais se aproxima da realidade social. O autor ainda explica que a justiça é considerada, por muitos, a principal virtude, a fonte de todas as outras. Isso porque se confunde o valor da justiça com o valor da moralidade inteira (entendimento de E. Dupréel). O valor justiça é o nome comum a todas as formas de méritos (os clássicos expressam sua ideia fundamental dizendo que a ciência moral tem como objeto ensinar o que é justo fazer ao que é justo renunciar). A ciência moral também diz que a razão deve ensinar a distinção entre o justo e o injusto, em que consiste toda ciência do bem e do mal. Conclui dizendo que a justiça é de um lado uma virtude entre as outras, e de outro, toda a moralidade e, nesse último sentido, a justiça contrabalança todos os outros valores. ([1990] 2005 p. 6-7). Na sequência, o autor explica as concepções mais correntes da justiça.

obedecerão aos procedimentos já conhecidos quando da resolução de um conflito e, assim, trarão estabilidade para o sistema jurídico. Quando argumentos diversos são adotados para decidir uma situação semelhante em que se busca a equidade89 e a aproximação com o que é aceito pela sociedade mais do que a verdade através da aplicação matemática de uma lei, a insegurança jurídica se instala.

Além disso, os positivistas afirmam que as decisões judiciais assentadas no racionalismo judicial, ou seja, que aderem a determinados argumentos para aceitar uma tese,