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2.5 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO CONCEITO JURÍDICO-

2.5.1 Os direitos fundamentais sociais

A origem dos direitos fundamentais baseia-se na garantia de liberdade dos indivíduos frente ao Estado. Esse parâmetro, bem como a sua eficácia, ampliou-se no decorrer do processo histórico, incluindo-se a relação entre os indivíduos no mesmo nível de igualdade, os quais, assim, nas palavras de Sarlet (2010a, p. 378), “expressam uma ordem de valores objetivada na e pela Constituição”. O que dá sentido, valor e concordância prática ao sistema de direitos fundamentais é a Constituição que, em que pese ter um cunho compromissário, repousa na dignidade da pessoa humana, esclarece Sarlet (2012, p. 91), ou seja, “na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado [...]”.

Pode-se dizer que a dignidade está entrelaçada em diversas áreas do espaço social e é tomada como referência por elas, da forma como ilustra Sarlet (2012, p. 92-93) ao mencionar que a dignidade tem uma função normativa, porém não jurídica, ao ser usada como parâmetro sociocultural no processo decisório político jurídico em que se afirma, por exemplo, que toda violação da dignidade é injusta. Ou quando é tomada como um conceito referencial sobre o que cada um entende o que é e sua forma de promoção e/ou proteção, mesmo que seja entre particulares.

A dignidade, portanto, possui duas naturezas: a primeira, como fonte dos direitos fundamentais (e direitos humanos também); e a segunda, como conteúdo desses direitos. As duas funções são compatíveis entre si, sendo que os tribunais brasileiros, cada vez mais, utilizam-se da dignidade da pessoa humana como critério hermenêutico, isto é, como fundamento para a solução de controvérsias, nas mais diversas áreas jurídicas. No entanto, afirma Sarlet (2012, p. 96), os julgadores desvalorizam e fragilizam a aplicação do princípio da dignidade humana quando não demonstram a noção subjacente utilizada, bem como não indicam qual conduta é ou não considerada ofensiva à dignidade.

Os Direitos e Garantias Fundamentais61 estão expressos na Constituição, no Título II e abrangem o Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), o Capítulo II (Dos Direitos Sociais), o Capítulo III (Da Nacionalidade), o Capítulo IV (Dos Direitos Políticos) e o Capítulo V (Dos Partidos Políticos). Em que pese algumas críticas a respeito de serem ou não os direitos sociais considerados como direitos fundamentais, a autora desta tese acompanha o entendimento majoritário da obra brasileira de que todos os capítulos do Título II são direitos fundamentais e, ainda, outros previstos ao longo do texto constitucional, matérias de Direitos Humanos expressas em tratados internacionais e direitos fundamentais implícitos subentendidos naqueles manifestadamente positivados. E esse posicionamento, explica Sarlet (2010, p. 17):

[...] não significa necessariamente um tratamento jurídico equivalente de todos os direitos fundamentais (especialmente no que concerne à sua proteção, eficácia e efetividade) [...] o que não equivale a dizer que o regime jurídico dos direitos fundamentais não seja substancialmente o mesmo.

Ademais, os direitos fundamentais formam, em nosso ordenamento jurídico- constitucional, um grupo de posições jurídicas complexas e heterogêneas e, em função de sua multifuncionalidade, são reconhecidos através de sua (a) dimensão negativa como direito de defesa e (b) positiva, como direito à prestação. Esse último (b) divide-se, ainda, em dois subgrupos: (b1) o dos direitos a prestações em sentido amplo (englobando os direitos de proteção e os direitos à participação na organização e no procedimento) e (b2) o dos direitos a prestações em sentido estrito (direitos a prestações materiais sociais). Essa classificação está alicerçada na posição jurídico-subjetiva reconhecida ao titular de direitos fundamentais62, a partir da defesa contra interferências inapropriadas, ou a exigência de atuação positiva do Estado e da sociedade.

Os direitos sociais, por sua vez, também são constituídos das dimensões negativas e positivas63 e sujeitam-se à lógica do art. 5°, §1°, da Constituição, no que diz respeito à sua eficácia e efetividade, no sentido explícito por Sarlet (2010a, p. 384-385):

61

A Constituição ainda distingue, de forma expressa, o que são os direitos humanos (posições jurídicas de qualquer pessoa humana, reconhecidas e tuteladas pelo direito positivo internacional) e os direitos fundamentais (positivados expressa ou implicitamente no âmbito do direito constitucional). (SARLET, 2010, p. 17).

62 Esse critério foi desenvolvido principalmente por Jellinek, aperfeiçoado por Robert Alexy e inserido por Gomes Canotilho e Vieira de Andrade no direito constitucional português, bem como para o direito constitucional brasileiro por Ingo Sarlet, dentre outros e pode ser consultado na obra desses autores para um aprofundamento no assunto.

63Alguns doutrinadores brasileiros, como Flávio Galdino, adotam a tese de Stephen Holmes e Cass Sunstein de que todos os direitos são positivos com dimensões negativas (The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton, 1999). Clémerson Clève diz que é possível falar em direitos fundamentais que

[...] todas as normas de direitos fundamentais se devem outorgar a máxima eficácia e efetividade possível, no âmbito de um processo de otimização pautado pelo conjunto de princípios fundamentais e à luz das circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras, também as normas de direitos sociais (inclusive de cunho prestacional) devem, em princípio, ser consideradas dotadas de plena eficácia e, portanto, direta aplicabilidade, o que não significa (e nem o poderia) que sua eficácia e efetividade deverão ser iguais.

O artigo 6° da Constituição estabelece como direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Em seguida, no artigo 7°, é elencada uma série de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que visam à melhoria de sua condição social, além de outros ali não estabelecidos. Dessa forma, não só os direitos sociais expressos na Constituição, bem como os direitos dos trabalhadores previstos nos tratados internacionais que tiveram a adesão do Brasil, nas legislações infraconstitucionais e os implícitos nas normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, são considerados direitos fundamentais, sob a ótica constitucional.

Os direitos dos trabalhadores são reconhecidos por Sarlet (2014, p. 18-21) como espécie do gênero de direitos fundamentais no âmbito do sistema constitucional brasileiro. E tanto os direitos sociais através dos direitos dos trabalhadores, como direitos fundamentais, reclamam uma leitura constitucional adequada, no que diz respeito à sua fundamentação, conteúdo e alcance. A Constituição serve de referencial como fundamento e critério interpretativo, tanto na aderência a determinadas concepções de Justiça, quanto no que diz respeito a determinada ordem de valores expressos, especialmente ao que diz respeito aos princípios e aos direitos fundamentais.

A construção doutrinária estabelece a necessidade de garantir um mínimo existencial para o reconhecimento da dignidade da pessoa, seja ele originado do direito básico de liberdade (existente antes da Constituição), ou como direito fundamental, decorrente do Estado Social (entre eles, a proteção à vida, à dignidade da pessoa e a vários direitos fundamentais sociais). Sua primeira e importante manifestação dogmática foi na Alemanha, no início da década de 1950. Além de autores, primeiro o Tribunal Administrativo Federal e depois também o Tribunal Constitucional Federal, reconheceram o direito fundamental às condições mínimas necessárias para uma existência digna. E dentro de suas peculiaridades, o

apresentem o caráter “prevalentemente” negativo ou positivo (Sobre os direitos do homem. In: CLÈVE,

Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional: (e de teoria do direito). São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 121-7). Essas críticas não são desenvolvidas para evitar mudanças de direção na pesquisa, até porque o entendimento da autora da tese é de que a classificação apresentada é perfeitamente aceitável.

direito anglo-saxão e o direito americano também estabeleceram suas bases para o reconhecimento do mínimo existencial. (SARLET, 2006, p. 563-564).

Em nosso país, no âmbito constitucional, Sarlet (2006, p. 568-569) faz referência ao fato de haver o reconhecimento do mínimo existencial, mas que ele não se confunde com o que é chamado de mínimo vital, já que esse último garante a vida, mas sem, necessariamente, garantir a sobrevivência em condições dignas. O conteúdo do mínimo existencial corresponde, então, ao conjunto de garantias materiais para uma vida condigna. No geral, assim como acontece com os direitos fundamentais sociais e a dignidade da pessoa, o mínimo existencial relaciona-se a um diversificado complexo de posições jurídico-subjetivas negativas (defensivas) e positivas (prestacionais), explícitas ou implícitas. Quando são objeto de análise, devem receber um olhar atento, principalmente quando está em pauta a promoção e a proteção do mínimo existencial por parte e contra o Estado e a sociedade. Isso porque se deve pautar pelos valores que são considerados relevantes naquela época e, ainda, considerar a organização política e econômica do Estado.

Esclarece-se, por oportuno, que a autora desta tese apresenta, de forma abreviada, os fundamentos que podem ser usados como argumentos para justificar as decisões prolatadas pelos desembargadores em seus julgamentos, deixando de lado as controvérsias sobre serem os direitos sociais considerados como direitos fundamentais, sobre a eficácia e aplicabilidade imediata desses mesmos direitos, em especial quando se trata de sua dimensão positiva, porque a intenção é apenas delinear os conceitos normativos jurídico-constitucionais dos direitos dos trabalhadores brasileiros, reconhecidos pela maioria dos autores para fins de análise dos acórdãos.

No próximo tópico, abordar-se-á a vinculação dos direitos fundamentais entre particulares e a sua influência na responsabilidade civil.