• Nenhum resultado encontrado

Autonomia municipal e participação do capital na organização do território urbano brasileiro

SUMÁRIO

7. CONCLUSÃO: OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO MODELO COMPLEXO DE PLANEJAMENTO E DE GESTÃO URBANOS

2.3. Autonomia municipal e participação do capital na organização do território urbano brasileiro

As origens da institucionalização das parcerias público-privadas no Brasil estão, entre outros fatores, na crise, nos anos 1970, dos modelos tecnicista e funcionalista de regular o solo urbano. Tais padrões foram questionados, sobretudo, pelos resultados que imprimiram nas cidades de maior porte, que, com toda sua complexidade, podem ser sintetizados na exclusão das camadas mais pobres e expansão dos assentamentos precários e, concomitante, no enriquecimento de grupos de maior poder de apropriação dos atributos urbanos de qualidade, implantados pelo próprio Poder Público. Nesse contexto,

A demanda pelo estabelecimento de um novo instrumento na experiência brasileira partiu de quatro matrizes simultâneas nos anos 80: a falta de recursos públicos para realizar investimentos de transformação urbanística das áreas, a convicção de que investimentos públicos geram valorização imobiliária que pode ser captada pelo poder público, a convicção de que o controle do potencial construtivo era a grande ‘moeda’ que o poder público

16 Alguns municípios, como São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Curitiba e Porto Alegre, mesmo antes da regulamentação nacional, entretanto, inseriram, entre o arcabouço de suas leis, instrumentos para planejamento e gestão do solo, alguns dos quais contendo ideias afetas ao solo criado. As operações urbanas, a contribuição de melhoria e a transferência do direito de construir, por exemplo, foram inseridas na política urbana daquelas cidades, assim como outros instrumentos pensados com referências na discussão que permeara as últimas décadas, mas sob construções técnica e jurídica próprias de cada município.

poderia contar para entrar na operação e a crítica às estratégias correntes de controle de uso e ocupação do solo no sentido de sua incapacidade de captar singularidades e promover re-desenho ou, em outras palavras, urbanismo (BRASIL, 2002a, p. 80).

A observância da situação de desigualdade da cidade e o questionamento do regime político vigente que a alimentava fortaleceram a organização do Movimento pela Reforma Urbana, como abordado na seção anterior desta tese17. As reivindicações e ideias surgidas naquela época acabaram por interferir na retomada do Regime Democrático, quando da elaboração do novo texto constitucional, ao final da década de 1980, com a regulamentação do capítulo sobre Política Urbana18. A nova Carta Magna estabeleceu a função social da propriedade e da cidade e tornou o direito à propriedade imobiliária particular um direito vazio, definido pela municipalidade quanto ao significado, aos limites e às possibilidades de utilização que possui, por meio do plano diretor.

A autonomia do poder local, regida pela Constituição Federal de 1988, proporcionou aos municípios a capacidade de auto-organização, de decisão sobre o futuro e de escolha dos meios para promover o desenvolvimento de seu território. Alguns municípios começaram a buscar formas de conter a geração de renda sobre a terra urbanizada e de instituir a gestão participativa da cidade. A tributação sobre a terra passou a ser paulatinamente mais organizada e foram abertas possibilidades legais para a formulação de parcerias que dividissem com o setor privado os ônus e os benefícios do processo de urbanização, bem como para o desenvolvimento de mecanismos de captura das mais-valias geradas pela ação do setor imobiliário no solo urbanizado.

Municípios como Belo Horizonte e São Paulo dispuseram, em suas leis de organização territorial, mecanismos de estabelecimento de parcerias público-privadas, sendo a principal delas as operações urbanas. No caso de São Paulo, o instrumento consta da proposição de plano diretor de 1985, que, entretanto, não foi aprovado, e, em Belo Horizonte, as operações urbanas foram regulamentadas no plano diretor promulgado em 1996. Cota (2010) aponta os principais fatores que desencadearam a regulamentação das parcerias público-privadas naquele contexto:

17 A reprodução do modo de produção urbano da década de 1970, durante o Regime Militar, não era mais tão intensa frente ao expressivo endividamento em que o País encontrava-se. O Brasil sentia os efeitos da crise econômica mundial e enfrentava, internamente, a perda de legitimidade do regime político vigente. A reprodução dos meios de produção e a massificação da implantação de infraestrutura deixaram ambientes incompletos nas cidades. A propagação do modo de vida urbano – melhoria de transporte e dotação de energia às várias localidades – foi minimizada pelo Governo Central nessa época, sem que os municípios tivessem autonomia e condição de escolha de sua forma de desenvolvimento.

18 Os artigos 182 e 183 do capítulo sobre Política Urbana da Constituição Federal de 1988 são tratados na Seção 3 desta tese.

No Brasil, a aplicação da parceria público-privada no planejamento urbano já havia sido aventada nos anos 1980, com o objetivo duplo de promover mudanças estruturais relativas à ocupação do solo em determinadas áreas da cidade e mobilizar recursos para tais mudanças. Quatro fatores principais teriam justificado sua instituição como instrumento urbanístico em algumas cidades brasileiras, a partir de 1988:

• a carência de recursos públicos para a realização de investimentos de transformação urbanística;

• a convicção de que investimentos públicos alteram o valor da terra, gerando valorização imobiliária que poderá ser parcialmente captada ou recuperada pelo poder público;

• a rigidez das normas urbanísticas que não consideram as singularidades e as necessidades de localizações específicas;

• a possibilidade de o poder público usar a flexibilização do potencial construtivo como contrapartida aos investimentos do setor privado (COTA, 2010, p. 236 e 237).

A concepção das operações urbanas era baseada, principalmente, na flexibilização de parâmetros urbanísticos dispostos nas leis de zoneamento e na expectativa de utilização da contrapartida de particulares para realização de empreendimentos de interesse público. Acreditava-se na possibilidade de ter, com o instrumento, controle da regulação urbana e das pontuais desregulações compensadas pela captura de recursos derivados da sobrevalorização da terra. As medidas estariam embasadas na função social da propriedade e da cidade.

A perspectiva de inserção de cidades brasileiras na economia global conferiu à parceria público-privada, contudo, outro viés de utilização dessas pelos municípios do País. A abertura econômica, iniciada na década de 1990, colocou as cidades latino- americanas como espaços de expansão do capital, fornecedoras de matéria prima e mão de obra na estrutura horizontal de produção mundial e como mercados consumidores para aquisição de bens e serviços. O Brasil, particularmente, voltou ao cenário de investimentos estrangeiros depois de um processo de liberação e desregulamentação financeira que atraiu um elevado montante de capital, em um contexto de mobilidade e de abertura de possibilidade de renda e de empreendedorismo fora dos países centrais. Os governos dos presidentes Fernando Collor (gestão 1991-1992), seguido de Itamar Franco (gestão 1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (gestão 1995-2002) adotaram aceitação e obediência a diretrizes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), implementando medidas de liberalização comercial, flexibilização do mercado de trabalho, reformas econômicas e do Estado e privatizações (FIX, 2007, p. 167). Essas ações contribuíram para a entrada do País na chamada “dinâmica global”.

Castells (1998, apud FERREIRA, 2007) relaciona o processo de globalização como um novo paradigma, surgido, sobretudo, a partir da década de 1970, com recentes processos de informacionalização da sociedade a partir da revolução

tecnológica e do aumento da velocidade de fluxos derivado da evolução dos meios de transporte e de comunicação. O autor coloca a existência de um sistema, que chama de “pós-industrialismo”, que é dominado pela economia de serviços e pela economia informacional (FERREIRA, 2007, p.93). Castells (1998) afirma que, sob esse novo sistema, o Estado tem seu papel reduzido em uma nova realidade que se relaciona e convive com a globalização, a desregulação e a privatização.

A expressão global cities foi cunhada por Saskia Sassen em 1991 (COMPANS, 1999, p. 98), para designar pontos nodais dos fluxos financeiros que passaram a controlar mercados secundários em diversos pontos do mundo. Cidades como Tóquio, Nova Iorque e Londres passaram a exercer poder de influência e controle econômico em diversas localidades do globo, aproveitando-se das mudanças ocorridas ao longo dos últimos anos, como o aumento da mobilidade do capital em nível transnacional, em contexto de grandes facilidades de comunicação e abertura para instalar, em diversas cidades, estruturas industriais, tecnológicas e de serviços, além de outras formas produtoras de espaços e de capitais.

O conceito de cidades mundiais ou globais propagou-se das capitais mundiais principais e atingiu cidades periféricas, sobretudo asiáticas e latino-americanas, que adequaram políticas e até costumes, para melhor inserir-se na “suposta” rede de cidades globais. A alternativa de receberem financiamento de investidores estrangeiros, aceitando seus padrões e demandas, foi considerada por muitas administrações municipais como uma forma de reversão do aumento do desemprego, da crescente carência de atendimento à população de suas necessidades básicas e da escassez de repasses monetários dos cofres nacionais em virtude da crise fiscal e financeira instalada nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

As cidades sempre foram o lugar de reprodução do capital e de sua lógica de acumulação e, com a circunstância da globalização da economia, reforçaram esse papel. Alguns governos locais passaram a acreditar ser necessário se especializarem para atingir um “padrão global” (FERREIRA, 2007). Os núcleos urbanos que desejam estar na lógica em discussão são compelidos a se adaptar às condições impostas pelo mercado financeiro e imobiliário, para atingir o conceito de desenvolvimento contemporâneo que parece ter acertado um “senso comum”: uma cidade globalizada deve reunir qualidades locacionais; inserção no mercado financeiro; competitividade no preço da terra; mercado de trabalho preparado; completa rede de comunicação; boas condições de acessibilidade; oferecimento de flexibilidade e dinamismo aos negócios; composição de edifícios dotados de alta tecnologia, entre outros atributos ligados à evolução da informática, da construção e da política urbana. “As grandes cidades devem responder a cinco tipos de objetivos: nova base econômica, infra-

estrutura urbana, qualidade de vida, integração social e governabilidade” (BORJA; CASTELLS, 1996, p. 155).

A exigência de infraestrutura moderna e qualificada deve dar suporte para a instalação de “megaprojetos”. São edifícios ou conjuntos de prédios de padrão internacional, com capital de empresas nacionais e estrangeiras que se unem de forma organizada para empreender, a partir de estudos complexos, com definição de padrões e o máximo de certeza da relação entre investimentos e lucros, ou seja, com o menor risco possível19.

A concepção arquitetônica local, nesse contexto, tende a ser adaptada a padrões mundiais:

Essa incorporação do padrão internacional aparece no aumento da área da laje e do número de vagas de estacionamento; na instalação de sofisticados sistemas de ar-condicionado central, de sistemas informatizados de controle de energia elétrica e de regulagem automática da iluminação artificial; nos sistemas de termoacumulação; e assim por diante. A aparência dos edifícios também altera-se significativamente: de maior porte, formas arredondadas ou chanfradas, revestidos externamente com chapas metálicas ou vidro espelhado, e forrados por dentro numa combinação de granitos de cores e tipos variados (FIX, 2001, p. 110).

Os prédios são desenvolvidos de modo a proporcionar um grande número de arranjos em seus espaços internos, que não são especialmente dimensionados para nenhuma empresa, mas que servem a várias delas. O padrão das construções segue preceitos da economia global que agregam qualidades mundialmente aceitas de estética e de materiais de acabamento, além de um uso intensivo de tecnologia. O partido arquitetônico, sob as premissas da globalização, confere ao edifício maior teor de atemporalidade e diminui a rapidez das desvalorizações. Os edifícios são concebidos com serviços que “replicam” a diversidade da rua, sem “seus problemas”, permitindo que seus usuários tenham satisfeitas várias de suas necessidades sem saírem das edificações.

Muitos dos prédios são construídos para continuarem sob propriedade de grandes incorporações, mas locados a altos preços que envolvem, além do aluguel do espaço, taxas e serviços. Empresas de capital internacional, muitas vezes, optam ou são convencidas pelos setores de produção imobiliária a não construir sedes próprias

19 Surgiram novos mecanismos de financiamento na década de 1990, que propiciaram uma aproximação entre o mercado imobiliário e o mercado de capitais. Os fundos de investimentos imobiliários, regulamentados em 1993, podem ser citados como exemplo. O arranjo que promovem permite angariar recursos provenientes de vários investidores sob uma administração centralizada e que distribui os lucros sem “fragmentar” o imóvel por proprietários. Muitos empreendimentos surgidos na época, sobretudo em São Paulo, também foram feitos a partir da participação de investidores institucionais, os fundos de pensão estatais (Valia, da então Vale do Rio Doce, Previ, do Banco do Brasil e Petros, da Petrobras), que, após um período de intensa atividade em negócios imobiliários, regrediram para uma forma de atuação nesse ramo mais moderada, em decorrência da insegurança que o setor imobiliário implica (FIX, 2007).

e, assim, não comprometer parte dos recursos que dispõem em bens que não sejam parte dos negócios a que se dedicam. As multinacionais conseguem também, com essa alternativa, ter mais mobilidade para acompanhar seus investimentos e se localizar em pontos de maior visibilidade e dinâmica, procurando situações e parcerias que podem aumentar seus lucros.

As cidades, para dar respostas rápidas ao capital, exigidas no modelo global, “precisam” ser disciplinadas a resolver seus problemas, modernizar sua estrutura física e organizar sua composição socioeconômica, a fim de conquistar as maiores divisas e atrair investimentos. É preciso que os núcleos citadinos, sob a lógica do imediato, ofereçam bases para o desenvolvimento dos interesses capitalistas, como alternativa de “evitarem o risco” de verem prosperar, em qualquer lugar do mundo, o capital que um dia pleiteou um lugar em seu território para se desenvolver, pois

No discurso das cidades globais a convergência ocorreria não entre nações, mas entre cidades, que passam a competir pela atração de capital e de pessoas do ‘tipo certo’, por meio da produção de uma série de vantagens comparativas (FIX, 2007, p. 167).

Algumas cidades, sobretudo a partir da década de 1990, recorreram à concepção de planos baseados nas teorias de gestão empresarial20 e promoveram a consolidação de “planos estratégicos” para se adequar às novas demandas da economia global e da competitividade internacional. A gestão das cidades, sob essa conjectura, passou a estar baseada na lógica de uma empresa privada, e o espaço urbano e regional passou a ser tratado como parte do mercado global. O direcionamento da cidade como empresa é baseado na adaptação de ideias neoliberais no âmbito das questões urbanas (FERREIRA, 2007). A implantação das premissas do planejamento estratégico depende, normalmente, da atuação conjunta entre Estado e capital, de uma aparente formação de consenso, da promoção de um “patriotismo de cidade” e de uma liderança política forte. A lógica da adoção da cidade como mercadoria baseia-se na propagação de uma imagem que mascara qualquer crise, por meio de um marketing urbano que não veicula problemas, mas, sim, “oportunidades” e benfeitorias que promovem municípios, governos e governantes.

Para o funcionamento da cidade como empresa é preciso “desregular, privatizar, fragmentar e dar ao mercado um espaço absoluto” (MARICATO, 2000, p. 59), e, nesse sentido,

20 O pensamento da cidade como empresa surgiu com a reurbanização de Barcelona para a realização dos Jogos Olímpicos em 1992 e teve bases nos ideais de práticas empresariais da Harvard Business

Os instrumentos de ‘parceria’ tomam como justificativa a crise fiscal, diante da qual o Estado não teria mais condições de financiar as obras urbanas, e portanto deveria assumir o papel de ‘promotor’ (‘normativo’, ‘regulador’, ‘indutor’), ou seja, de criar as condições que facilitem a instalação da oferta de infra-estrutura pela própria iniciativa privada. Desse modo, uma nova forma de associação do setor privado com o Estado seria o melhor caminho, talvez o único possível, para empreender a reordenação do espaço e adequá-lo às ‘novas demandas da economia global’ (FIX, 2001, p. 71).

As alternativas de obtenção de lucros criadas com intervenções no solo para urbanização ou alteração da estrutura urbana alimentam as possibilidades e permissões pleiteadas por grupos do mercado imobiliário e da construção, que conseguem manter-se lucrativos por meio da produção de espaços. Essa prática viabiliza a mercantilização da cidade, a geração de capital imobiliário.

Embora o objetivo manifesto seja o de incrementar a competitividade das cidades, em repetidas experiências, o resultado dos programas ditos de renovação urbana de áreas centrais e de waterfonts tem promovido gentrificação, valorização de capitais privados e especulação fundiária. Muitas vezes transformadas em parques temáticos, espetacularizados, estes espaços reúnem em seu repertório um conjunto de objetos que privilegiam a lógica do consumo, reforçando a transformação do cidadão em consumidor (SANCHEZ; BIENENSTEIN, 2003, p. 11).

Destaca-se que a inserção dos modelos financeiros e de planejamento das cidades globais nas cidades periféricas pode acentuar seus problemas e as diferenças socioespaciais. O capital não atua em locais onde sua reprodução não é certa ou, pelo menos, bastante provável, escolhendo dentro da cidade seus centros tradicionais ou lugares propensos a se transformar em espaços centrais para se multiplicar.

No lugar da convergência, além do aumento da distância entre centro e periferia, na divisão internacional do trabalho, aprofunda-se, internamente, o fosso entre dominantes e dominados. Essa nova diferença quantitativa obriga os dominados a um esforço descomunal para superá-la, o que introduz uma nova qualidade de desigualdade: a quase completa ausência de horizonte de superação (FIX, 2007, 168).

O empreendedorismo de cidades tem como elemento a adoção das parcerias público-privadas como uma prática especulativa e que, portanto, muitas vezes, envolve riscos não contidos no desenvolvimento planejado e coordenado pelas administrações locais (HARVEY, 2006). Em alguns casos, tais riscos podem ser assumidos apenas pelo setor público, pois as vantagens para o setor privado são, notadamente, garantidas pelas concessões governamentais na formatação das parcerias. Além disso, como afirma Mariana Fix (2007), ao examinar as consequências de operações urbanas desenvolvidas no município de São Paulo, “as estratégias voltam-se para o Poder Público, que passa a ser pressionado para a realização de

mais investimentos” (FIX, 2007, p. 134), com os quais o mercado aumentará seus ganhos.

O contexto de configuração das parcerias público-privadas no Brasil envolve, portanto, por um lado, o direito à cidade, instituído pela CF/88, e, por outro, o tratamento da cidade como mercadoria, muitas vezes, em situações de possíveis desequilíbrios, como atenta Cota (2010):

Esse duplo papel assumido pelas parcerias público-privadas – em especial pelas operações urbanas – no processo de produção do espaço urbano nos permite afirmar que esse instrumento de planejamento urbano pode ser visto então como uma ‘estratégia política’ do Estado, destinada a responder simultaneamente às exigências da acumulação e à própria necessidade de legitimação política, em um contexto democrático de governo no qual novos agentes sociais se tornam agentes políticos e passam a participar das discussões sobre a política urbana. Nesse ambiente institucionalmente politizado e conflituoso, a parceria público-privada, como ‘estratégia política’, aparece como alternativa para viabilizar interesses supostamente conflitantes que permeiam o processo de produção e de apropriação social do espaço urbano – quais sejam, aqueles vinculados à luta pelo direito à cidade e os da

cidade-mercadoria. Nesse sentido, acreditamos que a ‘inovação espacial’ decorrente da aplicação da parceria público-privada não necessariamente atenderá a esse duplo objetivo. Entendemos que, na prática, haverá uma tendência de as operações urbanas viabilizarem um dos princípios em detrimento do outro – tudo dependerá da relação de forças entre os diferentes agentes que participam da cena política de cada localidade brasileira (COTA, 2010, p. 138 e 139, grifo da autora).

*****

As formas como as parcerias entre setor público e entes privados são constituídas podem promover o aprofundamento das desigualdades socioespaciais inerentes à lógica de multiplicação do capital na cidade. Os instrumentos de inserção da participação do capital na formação de espaços urbanos, entretanto, podem ser dotados de complexidade e de refinamentos que os garantam como formas de planejamento e de gestão do solo, cuja assertividade e segurança jurídica e operacional acelerem os processos de implementação da premissa constitucional de direito à cidade, conforme a hipótese principal a ser explorada nesta tese. As operações urbanas consorciadas, nesse contexto, podem se prestar à responsabilidade territorial do agente público e à conquista de princípios como a distribuição de ônus e de benefícios derivados dos processos de urbanização e da função social da propriedade, se equacionar a dependência e a subordinação ao capital, construindo nova forma de relação com os organismos privados para financiamento de melhorias urbanas.

2.4. As operações interligadas e as primeiras operações urbanas no Município