• Nenhum resultado encontrado

SUMÁRIO

7. CONCLUSÃO: OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO MODELO COMPLEXO DE PLANEJAMENTO E DE GESTÃO URBANOS

2.4. As operações interligadas e as primeiras operações urbanas no Município de São Paulo

2.4.1. As operações interligadas

As operações interligadas desenvolvidas no Município de São Paulo – regulamentadas pela Lei n° 10.209, de 09 de dezembro de 1986, conhecida como Lei do Desfavelamento – são marcos do modelo que está disposto atualmente para as operações urbanas consorciadas. As operações interligadas foram instituídas no governo do Prefeito Jânio Quadros (gestão 1986-1988) e continuaram a ser utilizadas quando o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu a Prefeitura em 1989, com Luíza Erundina (gestão 1989-1993) à frente do Executivo paulista.

O princípio do instrumento era o de que os proprietários de terrenos ocupados por favelas requeressem à Prefeitura de São Paulo a modificação dos índices e das características de uso e de ocupação do solo dos imóveis a eles pertencentes, nos

quais se localizavam assentamentos irregulares, ou de outros terrenos também de sua propriedade e, como forma de contrapartida, construíssem habitações de interesse social (HIS) a serem transferidas ao Poder Público. O objetivo primordial das operações interligadas era viabilizar investimentos em infraestrutura, mobilidade e construção de unidades habitacionais de interesse social no município, por meio de vantagens concedidas ao potencial construtivo vigente no zoneamento a empreendedores privados. O instrumento acabou por impulsionar o setor imobiliário e remover assentamentos precários de áreas com maior potencial de valorização, notadamente, em posições mais centrais da cidade.

O artigo 3° da lei que instituiu as operações interligadas previa a necessidade de um plano específico, a ser aprovado pelo Executivo Municipal, plano esse que deveria ser acompanhado de um estudo de viabilidade econômica. Era critério, para o estabelecimento da parceira, que a operação oferecesse solução para toda a população da favela.

Foram frequentes as críticas quanto a esse modelo de operação, sobretudo porque não havia diálogo com os moradores dos assentamentos que possibilitasse acordo sobre o destino que teriam e porque não havia limites para as alterações no zoneamento. As alterações às leis urbanísticas eram feitas caso a caso, o que poderia comprometer a infraestrutura instalada próxima aos terrenos com índices de aproveitamento aumentados (FIX, 2001, p. 73).

A recuperação do valor da concessão do direito adicional de construir pelo Poder Público foi convencionada em, no mínimo 60%, ou seja, por lei, o empreendedor ficava com 40% da provável mais-valia gerada pelo aumento da possibilidade de edificação derivada da modificação do índice das normas de regulação do solo originais do terreno. Paulo Sandroni contabiliza que,

Durante o período em que esteve em vigor, esta lei permitiu a realização de cerca de 150 operações na cidade de São Paulo e as contrapartidas alcançaram cerca de 120 milhões de dólares e a construção de cerca de 13 mil Habitações de Interesse Social (SANDRONI, 2009, p. 137).

As condições dispostas na Lei n° 10.209/86 foram alteradas pela Lei n° 11.773/95, durante o governo de Paulo Maluf (gestão 1993-1996). A alteração na norma, fundamentalmente, deixava de vincular o benefício concedido pela flexibilização do coeficiente de aproveitamento à construção de moradias de interesse social e passava a permitir o pagamento do benefício em contrapartida monetária. Deveria ser criado um fundo para investimentos em obras de habitação de interesse social, em substituição à produção direta de moradias destinadas às populações das áreas de assentamentos precários. A sobreposição feita, em 1995, à lei de 1986,

visando fundamentalmente à captação de recursos para construção de moradias no programa “Direito à Moradia”, recentemente lançado, foi, entretanto, considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a norma foi suspensa em 1998. O órgão julgador entendeu compor reserva legal a possibilidade de alteração de padrões urbanísticos e de características de ocupação e de uso do solo.

As operações interligadas colecionaram problemas não apenas decorrentes da lei que as instituiu, mas da forma como foram geridas. O modelo que partia da lógica do solo criado mostrou-se insuficiente para a promoção de urbanização das áreas reservadas às moradias de forma justa e sustentável. Houve a obtenção de recursos para o financiamento de habitação de interesse social, mas várias questões envolvendo a falta de critérios claros para definição das contrapartidas foram levantadas. O sistema das operações interligadas propiciava ganhos extraordinários aos investidores imobiliários, que atuavam, predominantemente, na área do Centro expandido, enquanto as moradias eram edificadas em áreas periféricas. “Ao contrário de ser um mecanismo redistributivista ou de justiça social, como se costuma dizer, a operação interligada favoreceu a concentração de investimentos públicos e privados nas áreas de interesse do mercado” (FIX, 2001, p. 76). Assim,

[...] se o Solo Criado pressupunha a recuperação de mais-valias fundiárias fazendo com que a propriedade cumprisse com sua função social, os princípios de mercado adotados nas interligadas tomaram força, de tal maneira, que por sua vez permitiam que empreendedores e proprietários explorassem ainda mais a apropriação exclusivista e patrimonialista da propriedade privada (MONTANDON, 2009, p. 34).

A ideia de parceria público-privada para intervenção no solo enunciada pelas operações interligadas seria reformulada, em São Paulo, na figura das operações urbanas, sem que essa medida significasse avanços na solução de problemas urbanos e, pelo contrário, ampliasse a utilização de instrumentos de concertação para intervir na regulação de modos de apropriação do território citadino a favor de ganhos ao capital. O instrumento usaria o princípio de modificação nos parâmetros urbanísticos em troca de contrapartidas a serem investidas na malha urbana, mas, diferentemente das operações interligadas, a aplicação dos recursos não seria vinculada à produção de espaços para a população de baixa renda.