• Nenhum resultado encontrado

Princípios legais para gestão participativa e para monitoramento das operações urbanas consorciadas

SUMÁRIO

PROPOSTAS APROVADAS NA III CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE POLÍTICA URBANA

59 Grifo da autora em itálico e grifo nosso em negrito.

3.3. Princípios legais para gestão participativa e para monitoramento das operações urbanas consorciadas

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Estatuto da Cidade dispõem sobre a obrigatoriedade da promoção do planejamento e da gestão participativos dos municípios. A cidade, entendida como território de conflitos, deve ter seu desenvolvimento constituído por concertações entre diversos agentes. A participação nos processos de decisão quanto a políticas de desenvolvimento urbano deve ser ampla, direta, equitativa e inerente a todas as etapas concernentes às intervenções no espaço como planejamento, elaboração de programas, aprovação de normas, gestão, decisão de empregos de recursos, entre outras ações de ordenamento e transformações efetuadas sobre o tecido citadino.

Rogério Araújo (2009) destaca alterações nas formas de proceder a modelos democráticos, de caráter deliberativo e consultivo, que são alternativas à democracia representativa, que por anos perdura no País, de forma elitista, e que considera a participação como uma ameaça. O autor ressalta, em sua tese de doutorado, a importância da criação de mecanismos de participação popular, sobretudo na discussão sobre assuntos de interesse local.

[...] as metodologias de planejamento participativo e os instrumentos de regulação urbanística e ambiental passam cada vez mais a se impregnar, até mesmo por exigência legal, de mecanismos de participação ampliada da sociedade no processo de tomada de decisão, objetivando, segundo a retórica oficial, a promoção da função social da propriedade urbana, do desenvolvimento sustentável e justiça ambiental. Estas novas referências legais e institucionais pressupõem um ideal de democracia a ser problematizado pelo contexto sócio-político da sociedade brasileira, caracterizada por uma série de assimetrias sócio-econômicas e por um alto déficit de reconhecimento e representatividade dos poderes políticos instituídos. Neste sentido, a avaliação das possibilidades de realização dos ideais de reforma urbana e de justiça ambiental também passa pelo entendimento dos desenhos institucionais vigentes e de como eles condicionam as possibilidades de participação (ARAÚJO, 2009, p. 45).

Todo cidadão tem o direito de receber informação sobre processos públicos. Fazem parte do serviço das administrações públicas o atendimento aos munícipes e o fornecimento de informação de forma transparente. Esse princípio está contido na Constituição Federal de 1988, no inciso XXXIII do artigo 5°78, no inciso II do parágrafo 3º do artigo 37 e no parágrafo 2º do artigo 216. Tais dispositivos receberam nova regulamentação pela Lei Federal n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe

78 “Art. 5° [...]

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” (BRASIL, 1988).

sobre os procedimentos a serem observados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações aos cidadãos.

O EC, no inciso II do artigo 2°, apresenta como uma de suas diretrizes gerais a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano79 (Capítulo IV - Da Gestão Democrática da Cidade, BRASIL, 2001). A Lei Federal n° 10.257/01 também determina a obrigatoriedade de promover a gestão democrática da cidade mediante órgãos colegiados da política urbana, debates, audiências e política pública, além da organização de conferências sobre assuntos de interesse urbano. Observa-se que não é facultado ao Poder Público promover a participação da população nos processos de garantia da gestão democrática da cidade. Essa função é obrigatória ao Estado. Conforme interpretam Kazuo Nakano e Natasha Menegon,

Para que a gestão das políticas públicas se efetive na destinação de recursos públicos através de medidas que priorizem investimentos para reverter o quadro de desigualdade nas cidades, o controle social do Poder Público deve ser efetuado com base em um sistema democrático participativo. O Estatuto prevê uma série de instrumentos [...] que possibilitam interlocuções técnicas e políticas regulares e sistemáticas entre o Poder Público e a sociedade civil. Desse modo, os representantes da sociedade civil organizada podem acompanhar, opinar e até direcionar as políticas e a realização dos investimentos públicos. Para que haja um controle efetivo, é necessária representatividade de diversos grupos sociais, com informações de fácil compreensão fornecidas pelo Poder Público (MENEGON; NAKANO, 2010, p. 144).

Sendo a OUC um instrumento vinculado ao plano diretor do município e inferindo sobre a premissa disposta no artigo 40 do EC de que, no processo de elaboração desse plano e na fiscalização da implementação deste, é necessário promover “audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade”, conclui-se que: a implementação da operação urbana consorciada, assim como a instituição de outras ferramentas a ele atreladas, deve promover espaços e momentos para discussão com os cidadãos sobre elaboração e monitoramento.

79 “CAPÍTULO IV -

DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (BRASIL, 2001).

As diretrizes legais sobre participação e gestão mencionadas para a implementação dos planos diretores são complementares à especificação feita pelo EC no que se refere às OUCs, lei que em seu artigo 32, versa diretamente sobre a necessidade de compartilhamento com a sociedade para instituição e acompanhamento do instrumento de política urbana em questão. O parágrafo 1° do caput do artigo 32 da Lei Federal n° 10.257/01 coloca a obrigatoriedade da participação social para a própria condição de existência da OUC. O instrumento, coordenado pelo Poder Executivo Municipal, deve ser implementado “com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados” (BRASIL, 2001). O inciso VII do parágrafo 2° do artigo 33 da mesma norma cria a obrigatoriedade de haver “forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil” (BRASIL, 2001).

A gestão compartilhada da operação engloba: a fiscalização da aplicação das regras definidas pela lei que criou a operação, a avaliação precisa das contrapartidas extra-monetárias, o controle dos fluxos de dinheiro e suas aplicações para evitar desvios para outras finalidades que não da própria operação a resolução de conflitos e controvérsias que surgirem ao longo do processo de implementação, a promoção permanente da operação. Para que estas funções sejam exercidas é recomendável que, além de um fundo específico, seja criado um organismo gestor, de caráter permanente, que possa contar com autonomia em relação à estrutura do poder público a que estiver vinculado (BRASIL, 2002a, p. 85).

A regulamentação das operações urbanas consorciadas como lei urbanística não a torna uma norma imediatamente aplicável, como ocorre com outras leis de ordenação do território. A implementação das OUCs depende de um sistema de gestão organizado e participativo. Há muitos desafios a serem vencidos para que modelos de gestão eficientes sejam conformados na aplicação das operações urbanas e demais instrumentos de atuação no espaço citadino, de forma a fazê-los trabalhar sob os objetivos da própria existência da política urbana: “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (BRASIL, 2001).

O reconhecimento das desigualdades territoriais existentes na realidade urbana brasileira é condição essencial para uma atuação que promova um desenvolvimento social e humano efetivo nas cidades do país. Os processos de gestão dos instrumentos da política urbana podem contribuir para enfrentar essas desigualdades e gerar avanços na construção de cidades mais justas. Nesse sentido, os instrumentos urbanísticos não podem ser dissociados do processo de gestão. Temos que construir o hábito de apresentarmos e discutirmos esses instrumentos sempre à luz das condições de gestão necessárias para a sua aplicação prática (MENEGON NAKANO, 2010, p. 142).

O modelo de monitoramento e fiscalização das operações urbanas inicia-se com a publicização do instrumento e a participação das comunidades locais e dos agentes formadores do espaço na concepção da ferramenta de atuação concertada. Os processos de elaboração do plano urbanístico e do EIV demandam construção coletiva do que se espera para a conformação da nova estrutura derivada de um plano de ocupação e de definição de prioridades para intervenção. É preciso que os participantes estejam cientes das possibilidades levantadas pelas ações de planejamento para tomada de decisão em acordos realizados e da forma de equilíbrio necessário para a divisão de cargas e de benefícios dos processos de urbanização, chegando-se à aferição dos recursos econômicos apreendidos e dos resultados sociais aplicados até o decurso do prazo de vigência do instrumento. A aprovação da lei que regulamenta a operação urbana é um marco para que toda uma estrutura de suporte funcione em favor da gestão do instrumento.

A gestão das OUCs requer que seja instituído um grupo específico, responsável pela evolução da implantação do projeto urbanístico e do controle de recolhimento e gastos de contrapartidas. As funções do grupo gestor das operações devem ser especificadas na lei que rege o instrumento, que pode definir também composição deste grupo por categorias representativas do setor público e da população, garantindo, na norma específica, o cumprimento da premissa da Lei Federal n° 10.257/01 de que a gestão da operação deve ocorrer de forma compartilhada com a sociedade civil. Cada município e cada operação constituirão sistemas de gestão diferentes, mesmo que se saiba que terão em comum alguns procedimentos básicos.

Sobre as operações urbanas efetuadas no Município de São Paulo e sobre os grupos de gestão dessas operações, Daniel Montandon (2009) aponta algumas características:

A maioria das operações urbanas contemplou o componente de gestão em suas leis, cada qual com suas particularidades. Em quase todas existe um instituto de gestão criado pela operação urbana, com atribuições muito distintas entre si: alguns tratam somente da gestão do fundo da operação urbana, outros têm o poder de deliberar sobre o plano de intervenções e obras, outros têm a atribuição de formular e acompanhar planos e projetos e outros se constituem meramente em comissão executiva para análise dos pedidos de benefícios possibilitados pela lei da operação urbana.

[...] existe a previsão da participação representada da sociedade nos grupos e conselhos gestores, se considerarmos o que foi definido nas leis de operação urbana. Essa representatividade se dá por segmentos e setores (instituições de classe, universidades, empresários, comerciantes, movimentos de moradia) e por agentes e lideranças locais (associação de moradores e subprefeituras). Tal composição supõe uma distribuição entre entidades de caráter geral e local e também um equilíbrio entre sociedade e poder público (MONTANDON, 2009, p. 66).

Montandon (2009) questiona a real participação da população nas decisões de prioridades a serem implantadas nas operações urbanas e diagnostica desigualdades de participação dos diversos segmentos nos processos deliberativos. O autor compara a efetividade da implantação das obras de infraestrutura, sobretudo viária, e a falta de implementação de medidas de cunho social, principalmente a construção de moradias voltadas para o atendimento da população mais vulnerável.

A efetiva participação da sociedade não supõe unicamente a validação dos processos do Poder Público por meio de reuniões periódicas e audiências públicas, mas o pleno envolvimento da sociedade na elaboração e implementação de projetos. Tal envolvimento requer a capacitação da sociedade a partir da leitura técnica da região, da cidade e dos instrumentos de gestão e também uma sensibilização do poder público a partir da leitura comunitária que possibilite a compreensão dos problemas de caráter local (MONTANDON, 2009, p. 68).

O entendimento do processo pela população e a fomentação da capacidade de diversos grupos de participarem de processos decisórios de aplicação da OUC pode fazer com que as políticas sociais sejam exigidas e implementadas juntamente com aquelas que provocam maior transformação da dinâmica urbana voltadas à atração do capital em investir no espaço, estas, certamente requeridas pelos setores mais organizados nos processos de interveniência junto ao Poder Público. A forma de implantação e funcionamento de gestão participativa é rara entre as referências bibliográficas pesquisadas sobre as operações urbanas. Cabe ao Estado garantir a participação da população nos processos decisórios organizando fóruns e condições favoráveis para a constituição das intervenções no espaço citadino de modo democrático e organizar a tomada de decisão para melhoria do território baseada na maximização de benefícios para a coletividade.

O município, como função do processo de gestão da OUC, deve organizar um fundo financeiro específico para cada uma delas. Os órgãos municipais ligados às finanças públicas devem auxiliar nesse processo. É preciso que haja um grupo interno à Prefeitura e ligado à Comissão de Valores Mobiliários para a prestação de informações a esse órgão e para organização de leilões dos CEPACs junto à Bolsa de Valores, caso seja esse o mecanismo de recolhimento de contrapartidas da operação. Os pagamentos e os gastos dos valores arrecadados pelas operações demandam trabalho constante de cálculos e organização de fluxos, pois se trata de verba pública e, portanto, faz-se necessária toda a tramitação que confere legalidade ao manuseio de fundos municipais.

*****

Sem esgotar os vieses interpretativos dos atributos jurídicos das operações urbanas consorciadas, acredita-se terem sido elucidados, nesta parte da tese, alguns conceitos legais que demonstram possibilidades de utilização do instrumento de forma bastante diferente das praticadas até então por algumas administrações municipais. A OUC, tal como explicitado na legislação e pela complexidade que congrega, incita a participação de agentes sociais e financiadores em parceria com o Poder Público para que seja consolidada. O processo político de constituição do instrumento é condição sem a qual ele não adquire legitimidade e nem mesmo legalidade.

A revisão sistematizada da legislação que rege as OUCs leva a concluir que o instrumento ainda não foi utilizado em sua complexidade em favor da qualificação da cidade. Sendo um processo de regulação e transformação urbanística que envolve planejamento, gestão e participação popular, abre-se, nessa pesquisa, espaço para discutir mecanismos que podem conferir segurança à elaboração e à implementação das operações.