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Do princípio do solo criado no Brasil à incorporação das operações urbanas consorciadas no Estatuto da Cidade

SUMÁRIO

7. CONCLUSÃO: OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS COMO MODELO COMPLEXO DE PLANEJAMENTO E DE GESTÃO URBANOS

2.2. Do princípio do solo criado no Brasil à incorporação das operações urbanas consorciadas no Estatuto da Cidade

Movimentos e pensamentos que eclodiram no Brasil na década de 1960 começaram a delinear e justificar a necessidade de haver uma reforma urbana no País. Alguns dos assuntos tratados naquela época levaram pesquisadores, técnicos e políticos, formados em diversas áreas de conhecimento, a desenvolver o conceito de solo criado no Brasil na década de 1970, entre muitos outros ideais que influenciariam a introdução de um capítulo sobre Política Urbana na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Eventos ocorridos como os III e IV Congressos Brasileiro de Arquitetos, organizados pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), e realizados, respectivamente, em Belo Horizonte (1953) e em São Paulo (1954), significaram oportunidades de discussões sobre as disfunções da cidade, ressaltando, principalmente, os problemas afetos às condições de habitação no meio urbano. Pode-se apontar, entretanto, que foi o Seminário de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963 pelo IAB, na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, o encontro mais significativo quanto às discussões que impulsionariam o ideário da reforma urbana no Brasil. O principal objetivo desse seminário foi introduzir a questão urbana nas discussões das reformas de base do Presidente João Goulart, assunto ausente no Plano Trienal (1962-1964) formulado no início de seu governo. O ano de 1963 marcava a campanha popular pelas reformas de base, e o Governo havia encaminhado uma mensagem ao Congresso Nacional, reconhecendo a necessidade de tratar os problemas de habitação de modo articulado ao desenvolvimento do País.

O seminário reuniu cerca de setenta representantes de diversos setores sociais e com diferentes formações: arquitetos, assistentes sociais, engenheiros, sociólogos, advogados, economistas, técnicos, representantes de entidades civis e líderes sindicais e estudantis. Os participantes demandavam, frente às condições sociais, econômicas e políticas do País, a urgência em promover soluções para a questão habitacional. Apontavam a discrepância entre o salário da população e o preço da moradia; a decadência das atividades agrárias e a migração da população rural para a cidade; o crescimento demográfico; a formação de assentamentos precários – vilas, cortiços e favelas –; a urbanização e a industrialização desregradas, entre outros problemas.

As críticas e discussões acerca das questões urbanas levaram a conclusões que apontaram a habitação como um direito fundamental do homem e da família. Esse direito apenas poderia efetivar-se mediante uma reforma urbana que promovesse a justa utilização do solo, o que implicaria a limitação do direito à propriedade e ao uso da terra urbana como premissas. Os participantes do seminário conferiam ao Estado a responsabilidade pela ordenação – estruturação – das aglomerações urbanas e pelo provimento de habitação a todas as famílias. Consideravam que a solução do problema de moradia na cidade estaria relacionada à coordenação do esforço e da racionalização de métodos de produção e de avanços construtivos, mas, principalmente, à vinculação dos problemas habitacionais e da reforma urbana à política de desenvolvimento econômico e social10. Defendiam a intervenção do Governo Federal na regulação do solo de forma articulada com a atuação dos demais entes da federação e com a participação das camadas populares.

Os resultados do seminário avançaram na consideração de que as políticas para a cidade deveriam ser dispostas de forma integrada entre diversas disciplinas. As conclusões demonstraram, mesmo que de forma implícita, o conceito de função social da propriedade ao afirmarem a submissão do direito de propriedade a uma justa utilização do solo urbano. A preocupação com a especulação imobiliária levou os participantes do evento a concluírem sobre a necessidade de haver formas de coerção para que fossem evitadas a não utilização ou a subutilização do imóvel urbano.

As conclusões do Seminário de Habitação e Reforma Urbana foram organizadas em uma minuta de projeto de lei (PL) que dispunha sobre as obrigações dos entes federados e formas de sua atuação para organização do território urbano, para tratamento das questões de apropriação dos imóveis na cidade e, principalmente, para solução das demandas ligadas à habitação.

A tomada do Governo Nacional pelos militares em 1964, entretanto, implicou a interrupção das propostas com vieses democráticos nas lides com a cidade e a confiança na aplicação de modelos de planejamento tecnicistas, adotados na época. O chamado “milagre brasileiro”, período do Regime Militar em que o País experimentou reprodução dos modos de produção e grande crescimento econômico, provocou o crescimento vertiginoso das cidades, sobretudo das capitais, impulsionado pela chegada de migrantes aos grandes centros urbanos. O Regime propagou a urgência em regular a apropriação da terra e controlar o aumento da expansão dos núcleos citadinos. Muitas capitais e cidades de médio porte brasileiras adotaram o zoneamento, baseado nos modelos da Alemanha e, principalmente, dos Estados

Unidos, também vigente entre as décadas de 1960-1980 em diversos outros países do mundo, como normativa para controle urbano. O instrumento de regulação do solo em tela foi instituído nas cidades do País, sobretudo na década de 1970.

A regra geral das legislações baseadas na organização da cidade por zonas está na determinação de índices construtivos e parâmetros edilícios mais ou menos permissivos de acordo com características das regiões e com a dimensão dos lotes. Às normas de ocupação do solo, somavam-se disposições sobre a utilização da terra para as diversas funções da cidade – da moradia e implantação de atividades para atendimento imediato da população, a outras funções urbanas produtivas e de serviços mais impactantes ao meio ambiente e à vizinhança.

O valor da terra e, consequentemente do imóvel urbano, vincula-se à completude da infraestrutura, à inserção ou proximidade de espaços centrais, à qualidade dos serviços urbanos, às facilidades de acessos e, entre outros fatores, às possibilidades que a regulação pública do solo confere aos terrenos11. A desigualdade no preço da terra, consequência gerada pela regulação da terra urbana por meio das legislações de zoneamento, promovia, e ainda promove, impactos na urbanização da cidade e na continuidade dos processos excludentes de apropriação do solo. O instrumento não se mostrou capaz de reverter para a cidade a lucratividade da concessão da ocupação e do uso intensivos da terra urbanizada e ainda provoca a saturação de espaços demandados pelo próprio mercado, que se depreciam após períodos de valorização, sendo necessária a abertura de novas áreas para a atuação do capital.

O solo criado surgiu como alternativa para equalizar o valor da terra urbana e reverter para a coletividade benefícios conformados pela concessão de potencial construtivo adicional, autorizada pela regulação do solo dos municípios. Surgiu também da prerrogativa de controle ao adensamento construtivo e da necessidade de geração de áreas livres destinadas a espaços de lazer, áreas verdes e áreas de implantação de estrutura urbana. A “multiplicação de solo para ocupação” deveria, assim, na concepção original do instrumento, ser acompanhada de geração de espaço público, premissa que se foi perdendo ao longo da discussão sobre esse tema no Brasil.

O princípio do solo criado foi abordado de forma diferente na Europa e nos Estados Unidos, conforme esclarece Cota:

11 A regulação urbana, como abordado por Cota (2010), pode ser utilizada como forma de reserva de mercado para a produção imobiliária formal, principalmente destinada às classes mais abastadas. Pode também aumentar a situação de exclusão da população mais pobre, mantida em classificações periféricas mais “receptivas” para a produção de suas habitações ou, como em alguns zoneamentos comuns da década de 1970, as vilas e favelas foram recortadas do território por não serem reconhecidas no espaço da cidade, sob justificativas como a informalidade jurídico-tributária dos assentamentos.

1) nas cidades européias, o instrumento surge da constatação de que o

zoneamento não poderia conter a valorização da terra, sendo necessário o

enfrentamento dos efeitos perversos da dinâmica capitalista de produção do espaço, em um contexto de crescimento das lutas urbanas e da possibilidade de um governo popular; 2) nos Estados Unidos, o instrumento é pensado como forma de promover a adaptação do zoneamento à lógica do capital imobiliário, visando a promoção de projetos de ‘desenvolvimento urbano’ em um contexto de crise econômica. Nota-se que a justificativa européia para a aplicação do solo criado condiz com os princípios da reforma urbana e do

direito à cidade, enquanto que a americana liga-se muito mais ao ideário da cidade-mercadoria. Isso terá repercussões na aplicação do instrumento no

caso brasileiro (COTA, 2010, p. 167, grifo da autora).

O conceito foi enunciado no Brasil durante a estruturação dos movimentos pela Reforma Urbana, que tiveram atuação desde a década de 1960, mas que se fortaleceram nas décadas de 1970 e de 1980, sobretudo pela atuação de tais movimentos diante da Assembleia Nacional Constituinte. O solo criado estava imbuído do intuito de conseguir gerir as cidades brasileiras com maior controle da apropriação da terra e da valorização imobiliária, consubstanciando princípios da função social da propriedade e da desvinculação entre o direito de construir e o direito de propriedade. O fundamento jurídico do princípio do solo criado é, portanto, a dissociação entre o direito de propriedade, exercido pelo dono do imóvel, e o direito de utilização deste, pois se parte da prerrogativa de que o Estado é que tem o poder e o dever de dar limites ao uso e à ocupação dos terrenos urbanos.

O conceito de solo criado pode ser entendido literalmente como a multiplicação artificial da dimensão do terreno, por meio de pavimentos que são mais numerosos quanto mais técnicas construtivas e tecnologias são envolvidas em um projeto e quanto mais coeficiente de aproveitamento adicional possa utilizar.

O solo criado pode ser compreendido como a área edificável além daquela correspondente à aplicação do coeficiente de aproveitamento único ou básico do lote, estabelecido na legislação urbanística municipal, a qual pode ser adquirida, de forma onerosa, pelo empreendedor. Essa aquisição se dá por meio de uma compensação que segue o conceito de ônus gerado na infraestrutura, proporcional a esta área edificável adicional, podendo ser física ou financeira (em obras ou em dinheiro) (BRASIL, 2009, p. 12)12.

O acréscimo ao índice de aproveitamento único ou básico dos terrenos, geralmente, é exercido pelo particular de duas formas, mesmo que por instrumentos diferentes. A primeira maneira pode ser pela transferência do direito de construir, que ocorre entre particulares em situações em que um deles, impossibilitado de edificar em

12 É importante observar que o princípio do solo criado pode também ser deturpado para dar respaldo a uma negociação de exceções à legislação urbanística pelo Estado para obtenção de recursos pelo Poder Público para o encadeamento de ações de desenvolvimento urbano, angariando uma série de vantagens aos particulares, ainda maiores do que possuem em virtude da qualidade dos locais que empreendem (BRASIL, 2009, p. 11).

sua propriedade, por fatores como conservação de atributos ambientais ou culturais de interesse da coletividade, aliena a outro o poder de utilizar, em seu terreno, o coeficiente ou o utiliza em outra propriedade que possa receber o acréscimo de potencial construtivo. A outra corresponde a concessões previsíveis e programadas que o Poder Público faz às leis de zoneamento e deve, por elas, receber compensações. Tais compensações, a princípio, deveriam ser conjugadas a formas de amenizar sobrecargas geradas pelas altas densidades à estrutura urbana e passaram a serem recolhidas por contrapartidas financeiras, quando da aplicação de instrumentos que viabilizam o incremento de índices edilícios em alguns municípios.

A noção de que a valorização territorial não deveria ser apropriada integralmente pelo proprietário foi foco de debates nos quais se discutia o conceito de solo criado e que foram sintetizados na Carta de Embu em dezembro de 1976. Esse documento foi produzido por arquitetos, urbanistas, juristas e sociólogos que participaram do Seminário “Aspectos Jurídicos do Solo Criado”, organizado pela Fundação Prefeito Faria Lima, ligada ao Governo de São Paulo, especificamente pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (CEPAM), na cidade paulistana que deu nome ao documento. O seminário foi concluído pela enumeração de um conjunto de princípios – como o solo criado e a outorga onerosa do direito de construir –, voltados à solução do pagamento de contrapartidas econômicas por aqueles que se beneficiariam de direitos adicionais de construção.

Antecedeu os eventos do final de 1976 a produção de diferentes propostas sobre o que deveria ser instituído como o mecanismo do solo criado. Documento produzido por técnicos do CEPAM apontaram três condições a serem adotadas pelo Poder Público nessa vertente, quais sejam: “1) coeficiente único de aproveitamento; 2) transferência do direito de construir; 3) proporcionalidade entre áreas construídas e áreas públicas” (COTA, 2010, p. 177). O Prefeito de São Paulo, Olavo Setúbal, propôs princípios diferentes ao instrumento no Congresso Estadual de Municípios, a saber: “1) a instituição de coeficiente único de construção para todos os terrenos; 2) a possibilidade de o Poder Público conceder direitos de criar solo mediante pagamento; 3) que os recursos da venda de direitos de construir fossem destinados à aquisição de áreas públicas para equipamentos comunitários ou reurbanização” (COTA, 2010, p. 178). As propostas apresentavam divergências e a vertente defendida pelo então Prefeito de São Paulo acabou ganhando mais visibilidade e força nos debates do seminário ocorrido em dezembro de 197613.

13 O solo criado teve seus princípios de controle urbanos e recuperação da valorização da terra urbana, cada vez mais, deturpados por ações do Governo, até que grupos sociais, principalmente alguns juristas e setores de produção imobiliária, passaram a conferir ao instrumento um caráter meramente arrecadatório.

As discussões que vinham sendo feitas acerca da organização urbana e de instrumentos de intervenção na dinâmica da cidade na década de 1970 foram sintetizados em um Anteprojeto de Lei de Desenvolvimento Urbano pela Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) da Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Esse anteprojeto foi publicado no Jornal da Tarde, no dia 24 de maio de 1977, e provocou polêmica entre os especialistas que tiveram acesso a seu conteúdo. Alguns deles consideravam o projeto inconstitucional, outros viam a importância das medidas que propunha, mas o consideravam ousado demais para ser implementado frente à estrutura política, econômica e social do País. Seus idealizadores, entretanto, apontavam as vantagens e a urgência no controle de utilização da terra urbana e da valorização derivada da apropriação do solo.

O anteprojeto baseava-se no condicionamento do direito de construir à função social da propriedade e buscava, assim, regular sobre a desvinculação entre o direito de propriedade e o direito de nela edificar. A norma, mesmo com avanços, foi baseada na concepção tecnicista vigente no período. Não foram inseridas condições para a participação popular. Foram pensados instrumentos coercivos de intervenção direta da Administração Pública na cidade, tais como: desapropriação; servidão administrativa; limitação administrativa; ocupação temporária; requisição; tombamento; direito de preferência para aquisição de imóvel; urbanização compulsória; constituição de reserva de terrenos; decretação de Áreas de Interesse Especial (Art. 41 do Anteprojeto de Lei de Desenvolvimento Urbano de 1977, apud COTA, 2010, p. 184). Instrumentos financeiros e tributários foram inseridos no anteprojeto como forma de auxiliarem no desenvolvimento urbano: tributação sobre o imóvel e o lucro imobiliário; taxação diferenciada, progressiva ou regressiva; contribuição de melhoria, incentivos fiscais e financeiros; financiamentos e subsídios; fundo financeiro para o desenvolvimento urbano (Art. 47 do Anteprojeto de Lei de Desenvolvimento Urbano de 1977, apud COTA, 2010, p. 185). O ensaio normativo não expôs explicitamente diretrizes para a aplicação do solo criado, mas inseriu a transferência do direito de construir, mesmo que não utilizando exatamente este termo.

Os anos 1980 deflagraram maior organização dos movimentos sociais em reivindicação por melhores condições na cidade. As péssimas condições de transporte, habitação, acesso à educação e saúde, entre outros problemas vivenciados pelas populações urbanas, reuniam pessoas, pensamentos e bandeiras nas ruas. Os grupos de reivindicações por melhores condições de urbanidade

Essa interpretação gerou entraves à aplicação do solo criado, em virtude da forma de cobrança e classificação como taxa, imposto ou tributo, bem como à formatação jurídica que deveria conter, proveniente da dúvida em relação à necessidade de haver uma lei nacional que direcionasse a aplicação do instrumento pelos municípios.

encontraram os grupos de luta pela democracia. Os grupos congregavam pessoas diversas, como integrantes de sindicatos, professores, intelectuais, técnicos, profissionais e organizações empenhadas em batalhar por soluções para os problemas das cidades. Muitos manifestantes e pensadores convergiram suas causas e delinearam o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), que sintetizava a luta pela cidadania e pelo direito à cidade.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), órgão ligado à Secretaria de Planejamento e que, posteriormente, foi subordinado ao Ministério do Interior, elaborou um novo anteprojeto de Lei de Desenvolvimento Urbano do Poder Executivo, publicado no Jornal da Tarde e no Jornal Estado de São Paulo, em 27 de janeiro de 1982. Cota (2010) ressalta a evolução e a maturidade no tratamento das questões urbanas que aquele material demonstrava, em comparação com o ensaio normativo precedente. O anteprojeto apresentado em 1982 congregava premissas como as seguintes: contenção de processos especulativos; controle de parcelamento e ocupação do solo; uso racional do solo urbanizado e contenção dos vazios urbanos; necessidade de regularização fundiária; localização de usos conflitantes no território; questão ambiental no solo urbano; preservação do patrimônio; entre outros conceitos afetos à instituição do direito à cidade e à qualidade de vida no ambiente citadino. As diretrizes versavam explicitamente sobre a participação dos munícipes nos processos de desenvolvimento urbano e sobre o estímulo à participação da iniciativa privada nos processos de urbanização, preceito pelo qual se lançou a condição básica para instituição das operações urbanas no País.

O anteprojeto explicitava a questão social como fundamento para o desenvolvimento citadino, evocando o princípio da função social da propriedade, do qual o Poder Público poderia utilizar-se para alcançar objetivos tais como: redução dos desequilíbrios regionais do desenvolvimento pela ordenação do processo de criação e expansão dos núcleos urbanos; expansão ordenada e socialmente desejável das zonas urbanas; condicionamento da propriedade imobiliária urbana à sua função social; controle do uso do solo urbano; adequação dos investimentos públicos, notadamente no sistema viário, nos transportes, em habitação e em saneamento, aos objetivos do desenvolvimento urbano; recuperação, pelo Poder Público, dos investimentos que resultem valorização dos imóveis urbanos; proteção, preservação e recuperação do meio ambiente e do patrimônio cultural e paisagístico e controle da poluição; estímulo à participação individual e comunitária no processo do desenvolvimento citadino; estimulo à participação da iniciativa privada na urbanização (Incisos do Art. 2º do Anteprojeto de Lei de Desenvolvimento Urbano preparado pelo CNDU em 1982 e que deu origem ao PL n.º 775/1983, apud COTA, 2010, p. 189).

Os instrumentos para a intervenção do Poder Público na propriedade contidos no anteprojeto de 1977 foram reafirmados e foram introduzidos outros, quais sejam: edificação ou utilização compulsória; direito de superfície; direito real de concessão de uso; legitimação de posse; usucapião especial. Os meios para controle fiscal e financeiro também foram resgatados do outro anteprojeto com alteração da caracterização do fundo, que passou a “fundos e recursos públicos destinados ao apoio ao desenvolvimento urbano” (Art. 28D do Anteprojeto de Lei de Desenvolvimento Urbano de 1982, apud COTA, 2010, p. 191).

O Governo Militar enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional, com poucas alterações do anteprojeto apresentado em 1982. O Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano (LDU), nome pelo qual foi batizado, PL n° 775/83, gerou avanços na forma como foi organizado, principalmente, levando-se em conta o momento político pelo qual o País passava. Recebeu críticas e colocou em debate, novamente, as considerações sobre a interferência na propriedade, feita pelos setores empresariais, e também enfrentou análises de setores técnicos que consideravam a proposição normativa como positiva, mas incompleta e centralizadora. A LDU, apesar de nunca ter sido votada e de ter recebido emenda substitutiva que destituía todo entendimento sobre a função social da propriedade, por se basear na propriedade privada como algo intocável, significou uma nova forma de pensar o urbano. A votação do PL foi maculada não apenas pela complexidade do tema e pela oposição que recebeu, como também pela polarização de debates organizados a partir de 1986 em torno do novo