• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 Avaliação das aprendizagens em Matemática

3.1 A avaliação

3.1.3 Avaliação como juízo de valor

A terceira geração, designada por Guba e Lincoln (1989) como a geração do julgamento ou da formulação de juízos, surgiu muito provavelmente impulsionada por um conjunto de críticas à eficácia do sistema educativo, que despontaram nos finais da década de cinquenta, nos Estados Unidos. Nesta altura, era lançado ao espaço o Sputnik, pela já extinta União Soviética, o que abalou fortemente a confiança do Ocidente, que receava agora ficar para trás, entre outros, no desenvolvimento científico e tecnológico (Guba & Lincoln, 1989; Fernandes, 2005; Mateo, 2006). O sistema educativo era aceite como o principal catalisador do progresso económico e social. No entanto, o facto de lhe ser atribuído o sucesso, também o obrigou a assumir o fracasso (Mateo, 2006). “Houve então uma generalizada reacção com uma importante expressão no desenvolvimento de reformas educativas orientadas para promover, em especial o ensino da matemática e das ciências” (Fernandes, 2005, p.58). Com o objetivo de se certificarem que os novos currículos permitiam alcançar os critérios de qualidade pretendida fizeram-se

investimentos muito significativos na avaliação dos currículos, dos projetos e das aprendizagens dos alunos. Foi um período de grande desenvolvimento e expansão conceptual e metodológico da avaliação, de onde proliferou vários modelos avaliativos com grande alcance heurístico e prescritivo (Fernandes, 2005; Mateo, 2006; Pinto e Santos, 2006). Segundo Pinto e Santos (2006) estes modelos cresceram tendo como base principal duas linhas conceptuais distintas, a de Ralph Tyler e a de Cronbach. A primeira centra-se no desenvolvimento de instrumentos que sustentam a avaliação, ou seja, é baseada no desenvolvimento de técnicas que sirvam os objetivos em questão e a sua medida. Esta linha conceptual dá continuidade ao que já tinha sido iniciado na segunda geração de avaliação, e tem como principal objetivo responder às suas falhas e pontos francos. Continua-se não só a trabalhar na maior clarificação dos objetivos, como também se investe na construção de instrumentos de avaliação que sejam o mais fiáveis possível e consigam testar o que é realmente importante na aprendizagem. Ainda neste período, a ideia de avaliação como medida continua a desenvolver-se. O âmbito do objeto de avaliação é alargado, associando-se a avaliação dos currículos e a qualidade do ensino em geral à aprendizagem dos alunos. Neste contexto, a avaliação como medida desenvolver- se-á tomando como base as orientações do currículo prescrito. Ou seja, a avaliação passa inevitavelmente a estar separada de qualquer modelo pedagógico, uma vez que existe fora do contexto de aprendizagem. Não obstante, as funções que pretende dar resposta continuam a ser formativas, mas muito marcadas pela lógica da certificação e validação de diferentes aspetos do próprio sistema. A segunda associa a avaliação ao processo de tomada de decisões, isto é, começa a assumir-se que a avaliação não se reduz ao processo de recolha de informação, incluindo também o processo de julgamento sobre a informação recolhida. Os modelos que seguiram esta linha centraram os seus esforços na associação do processo avaliativo ao da tomada de decisões. Neste contexto, foram criadas alternativas de ação justificadas na reflexão sobre os dados recolhidos durante o processo de avaliação, com o objetivo de melhorar a realidade educativa (Mateo, 2006). Esta nova função da avaliação, que obriga o avaliador a tomar decisões sobre a informação obtida, traz novas exigências ao avaliador, que passa a ter de saber apreciar os dados, por forma a tomar decisões adequadas. Razão pela qual foi considerado que a avaliação devia passar a ser da responsabilidade dos especialistas, o que poderia vir a transformar o processo avaliativo num segredo bem guardado, em vez de algo capaz de clarificar toda a informação subjacente aos dados recolhidos, nomeadamente no que diz respeito aos critérios e aos padrões utilizados para avaliar (Hadji, 1994; Pinto & Santos,

2006). Facto que foi ultrapassado ao considerar-se o avaliador como parte integrante da própria avaliação, ou seja, “não só os actos, mas também a pessoa que os produz, o avaliador, passa, ou deve passar, a ser tomado em conta nos processos de avaliação” (Pinto & Santos, 2006, p.29).

Pelo que foi anteriormente referido, verifica-se que o conceito de avaliação formativa surge no âmbito dos desenvolvimentos teóricos do behaviorismo e posteriormente integra os quadros conceptuais de outras perspetivas teóricas, como as que pertencem à família do cognitivismo (Fernandes, 2005). Estas últimas, muitas vezes, utilizaram e integraram contributos da antropologia, da sociologia e da pedagogia social, o que lhes permitiu dar uma maior profundidade e densidade àqueles conceitos (Fernandes, 2005; Mateo, 2006). Na realidade, a compreensão que behavioristas e cognitivistas têm sobre avaliação formativa é muito diferente. Enquanto os primeiros a usam maioritariamente na análise de resultados, num quadro, de definição de objetivos muito específicos e de tarefas que testam cada um desses objetivos, os segundos utilizam a avaliação mais na análise dos processos de aprendizagem dos alunos, num quadro de definição mais lata e integrada de objetivos e de tarefas, que avaliam um conjunto mais alargado e integrado de saberes (Fernandes, 2005). Segundo o autor, é neste período em que surge a geração da avaliação como juízo de valor, que emergem ideias como: (i) a avaliação deve induzir e/ou facilitar um conjunto de decisões que regulem o ensino e as aprendizagens dos alunos; (ii) a recolha de informação deve ser diversificada, indo além dos resultados que os alunos obtêm nos testes; (iii) é fundamental que a avaliação envolva os professores, os alunos, os pais e outros intervenientes; (iv) os contextos de ensino e aprendizagem também devem ser levados em conta no processo de ensino e avaliação; e (v) a definição de critérios é fundamental para que se consiga apreciar o mérito e o valor de um dado objeto de avaliação. Além dos aspetos anteriormente referidos, Pinto e Santos (2006) salientam outro não menos importante, que é o facto de ao longo deste período o desenvolvimento da reflexão teórica sobre a avaliação e as suas práticas ter consolidado de forma definitiva a investigação avaliativa como um campo específico da investigação científica.

Nas décadas de 70 e 80 do século passado, considerar a avaliação como um processo deliberado e sistemático de recolha de informação, sobre um ou mais objetos, com o objetivo de se formular um juízo acerca do seu valor, por forma a permitir a tomada de decisões, era um processo relativamente consensual. No entanto, vários autores consideram que as três gerações de avaliação anteriormente apresentadas possuem limitações, três em particular (Guba & Lincoln, 1989; Fernandes, 2005). A primeira de

todas prende-se com a falta de isenção dos estudos, uma vez que tendencialmente as avaliações refletem os pontos de vista de quem as encomenda e/ou financia. Neste contexto, as falhas dos sistemas educativos são usualmente distribuídas quase exclusivamente pelos alunos e professores, ficando de fora outros intervenientes. Ainda neste ponto, no que se refere à avaliação das aprendizagens a tendência é invariavelmente a atribuição da responsabilidade das falhas ocorridas aos alunos. A segunda está associada à dificuldade que as avaliações têm na adaptação à pluralidade de valores e de culturas atualmente existentes na sociedade. Ou igualmente grave, a dificuldade que algumas abordagens de avaliação têm na diversificação dos seus procedimentos, por forma a promoverem uma articulação mais positiva e significativa com o ensino. A terceira está relacionada com a excessiva dependência que as abordagens avaliativas têm em relação ao método científico, o que se traduz em avaliações muito pouco contextualizadas, com uma excessiva dependência da conceção de avaliação como medida. Os avaliadores são tidos como neutros, uma vez que segundo os seus teóricos não contaminam o processo de avaliação, nem são contaminados por ele. Na mesma linha de raciocínio, os instrumentos, normalmente testes, utilizados nos processos de quantificação também são considerados neutros, capazes de medir com rigor e objetivamente o que os alunos sabem. Estamos perante a denominada avaliação científica. Desta forma, a adesão ao método científico iliba o avaliador de quaisquer responsabilidades, nunca os colocando em causa (Guba & Lincoln, 1989; Fernandes, 2005).

Não obstante, atualmente, a imagem da avaliação ainda é muitas vezes associada à medida. Na realidade, a rapidez da evolução teórica nunca é acompanhada da necessária evolução prática (Pinto e Santos, 2006). Ou seja, as conceções das três gerações de avaliação continuam, de forma mais ou menos expressiva, a prevalecer nos atuais sistemas educativos. Todavia, estamos perante modelos teóricos que muito dificilmente se adequam às exigências da efetiva democratização de sistemas complexos, além de cultural e socialmente muito diversos. Em Portugal, as dificuldades são bem evidentes, e, muito provavelmente, estão relacionadas com a predominância daquelas conceções de avaliação, mais orientadas para as classificações e para a certificação. Pode-se mesmo afirmar que as práticas de avaliação mais conservadoras ainda marcam quer o universo conceptual, quer as práticas profissionais dos professores (Fernandes, 2005; Pinto e Santos, 2006). A este respeito, o projeto AERA (Avaliação e Ensino na Educação Básica em Portugal e no Brasil: Relações com as Aprendizagens - 2014-2016), financiado pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e CAPES (Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que incidiu na caracterização das práticas avaliativas dos professores em sala de aula, veio trazer evidência empírica sobre este aspeto. De acordo com Alves (2004), é possível afirmar que ainda são muitos os professores que privilegiam uma avaliação mais formal, objetiva e rigorosa, das aprendizagens dos alunos, afastada do processo de ensino e aprendizagem, onde o teste é, por excelência, o instrumento de avaliação.

Guba e Lincoln (1989), como era expectável, propuseram uma quarta geração de avaliação, cujos autores encaram com uma proposta de rutura epistemológica com as anteriores. Obviamente que a proposta apresentada se propõe colmatar as dificuldades detetadas nas gerações anteriores. A quarta geração, denominada pelos autores como avaliação recetiva, é uma geração de rutura e caracteriza-se pelo não estabelecimento, inicial, de quaisquer parâmetros ou enquadramentos. Os quais apenas serão determinados e definidos após um processo interativo de negociações com todos os intervenientes na avaliação. Segundo Fernandes (2005), daqui pode concluir-se que os autores pretendem enfatizar o facto de se ouvir todos os que de alguma forma estão envolvidos no processo de avaliação. É ainda de salientar que esta é uma proposta construtivista, quer do ponto de vista epistemológico, quer no que diz respeito à metodologia em questão. Todavia, são os próprios autores os primeiros a assumirem que a proposta apresentada tem algumas limitações e dificuldades na sua implementação. Na realidade, sendo um modelo de rutura, é possível questionarmo-nos se os sistemas educativos aguentariam determinados tipos de ruturas no que diz respeito à avaliação das aprendizagens (Fernandes, 2005).

Pelo acima referido, neste trabalho optou-se por não se desenvolver mais sobre a quarta geração de avaliação. No entanto, de acordo com Fernandes (2005), é de referir que esta proposta de Guba e Lincoln (1989), juntamente com a de muitos outros teóricos e investigadores, contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento de uma avaliação alternativa às caracterizadas nas três primeiras gerações.