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Capítulo 3 Avaliação das aprendizagens em Matemática

3.1 A avaliação

3.1.1 Avaliação como medida

Numa primeira fase, a avaliação era entendida como uma medição com recurso a valores, só posteriormente é que se passaria a associar o termo medir à avaliação educacional (Mateo, 2006). Segundo o mesmo autor, a utilização mais formal e sistemática da medida no campo das ciências sociais deve-se a Fechner, próximo da segunda metade do século XIX, aquando da introdução da medida em termos da psicofísica e, seguidamente, da psicometria. Posteriormente, Galton com o objetivo de estudar as diferenças individuais, introduz a noção de teste mental. No entanto, não foram apenas as grandes preocupações de natureza científica que impulsionaram o desenvolvimento da avaliação, as transformações sociais e em particular as da escola, também forçaram o processo. Com o virar do século, dá-se início à realização da avaliação dos traços de personalidade e, posteriormente, a atenção recai sobre o desempenho dos alunos (Pinto & Santos, 2006). Nos primórdios do século XX, em França, Alfred Binet lança os testes destinados a medir a inteligência, que vieram a dar origem ao conhecido coeficiente de inteligência. Este tipo de testes mentais foi utilizado para fins de recrutamento, encaminhamento e orientação de jovens para as forças armadas, tornando-se muito populares nos sistemas educativos da época (Guba & Lincoln, 1989; Fernandes, 2005; Pinto & Santos, 2006).

Na primeira geração de avaliação, inspirada nos testes destinados a medir a inteligência, denominada por Guba e Lincoln (1989) como a geração da medida, avaliar era sinónimo de medir. Na altura, a avaliação era entendida como uma questão meramente técnica que permitia medir com rigor e isenção as aprendizagens dos alunos, através de testes bem construídos (Fernandes, 2005).

Segundo, Guba e Lincoln (1989), houve dois principais fatores que influenciaram a primeira geração de avaliação. O primeiro desses fatores teve a ver com a legitimação dos estudos sociais e humanos que se começavam a realizar, em especial no contexto dos sistemas educativos e nos sistemas de saúde (Fernandes, 2005). Os grandes sucessos da Matemática e das ciências experimentais, que ocorreram ao longo do século XVIII e no princípio do século XIX, também contribuíram para o sucesso dos métodos que lhes eram característicos, em particular o método científico. Assim, tendo em conta que a investigação em ciências sociais não seguia qualquer método, nem tinha uma base

sistemática que lhe permitisse resolver os problemas, a tendência era pressionar para que estes seguissem os métodos científicos. Além disso, instrumentos de medida, como por exemplo os exames, eram capazes de medir aptidões ou aprendizagens humanas, permitindo a sua quantificação, comparação e ordenação numa escala. Desta forma, os dados podiam ser trabalhados matematicamente, o que possibilitava uma interpretação dos mesmos e, consequentemente, um sem número de transformações de acordo com o pretendido. Neste contexto, obtinha-se a credibilidade pretendida, uma vez que estas quantificações permitiam seguir o modelo científico (Guba & Lincoln, 1989; Hadji, 1994; Fernandes, 2005).

A emergência do movimento da gestão científica no mundo da economia foi o outro fator que teve um papel determinante no desenvolvimento e utilização de provas para fins educativos, e que tinha como principal objetivo aperfeiçoar ao máximo a eficácia e a produção do trabalho humano. Este movimento, cujo principal mentor foi Frederick Taylor, era caracterizado pela sistematização, estandardização e eficiência, e rapidamente influenciou o mundo da educação. Na realidade, as principais ideias de Taylor foram celeremente adotadas pelos sistemas educativos que, para muitos educadores e responsáveis políticos, passaram a ser considerados como organizações empresariais. Neste contexto, as provas passaram a desempenhar um papel determinante na verificação e medição, verificando a partir dos alunos, a matéria-prima disponível, se os sistemas educativos produziam, ou não, bons produtos. Nesta época, só nos Estados Unidos foram elaborados milhares de testes estandardizados (Guba & Lincoln, 1989; Fernandes, 2005).

Guba e Lincoln (1989) alertam para o facto das conceções desta geração ainda influenciarem os atuais sistemas educativos. Os testes e/ou os exames ainda são utilizados para a seriação de alunos, escolas, admissão às universidades, entre outras. A avaliação como medida tem na sua conceção as seguintes características: (i) a avaliação e a medição são conceitos intimamente interligados; (ii) o avaliador limita-se ao papel de técnico; (iii) o avaliador aplica simplesmente o conjunto de instrumentos de medição que lhe é dado. Caso não haja instrumentos disponíveis para aplicar, o avaliador espera que um especialista os crie; (iv) o aluno é comparado com outros grupos de alunos. Neste ponto, Pinto e Santos (2006) salientam que a utilização de medidas tipificadas, a garantia da sua aplicação em iguais condições e a comparação dos resultados de cada aluno com o grupo de referência, usualmente a turma do aluno, permite elaborar uma hierarquia de excelência dentro do grupo. Pode-se assim dizer que a avaliação utiliza um processo de referência normativa, ou seja, usa os resultados individuais e compara-os com um sistema

que se institui como norma; (v) a avaliação é descontextualizada dos programas e do desenvolvimento do currículo. Os testes limitam-se a recolher informações acerca dos desempenhos escolares dos alunos através de procedimentos e processos normalizados de modo a possibilitar a diferenciação dos alunos entre si, de uma maneira objetiva e fiável (Pinto & Santos, 2006). Os autores também referem que a avaliação como medida é o pilar da Escola Pública de Massas, pois, segundo eles, é esta avaliação que garante os processos de normalização para a organização das turmas. Além disso, é uma avaliação cuja principal e única função diz respeito à dimensão social, ou seja, está intimamente ligada a pedidos de natureza social. Responde às exigências do sistema, à rentabilidade dos recursos investidos na educação e ao controlo das qualificações profissionais, entre outros. Neste enquadramento, não há lugar para a existência de um processo de regulação pedagógica, dado que não se aceita que as coisas podem mudar devido a uma intervenção reguladora no processo de ensino e aprendizagem.

Fernandes (2005) também alerta para a influência que esta geração ainda tem sobre os atuais sistemas educativos. Segundo o autor, em termos práticos na sala de aula, esta conceção pode fazer com que a avaliação se reduza à aplicação de uns quantos testes num determinado período e, consequentemente, à atribuição de uma classificação. Ou seja, uma abordagem em que: (i) as principais funções da avaliação são classificar, selecionar e certificar; (ii) os únicos objetos de avaliação são os conhecimentos; (iii) os alunos não fazem parte do processo de avaliação; (iv) no geral, a avaliação é descontextualizada; (v) na procura de objetividade a quantificação de resultados é privilegiada, procurando-se sempre garantir a neutralidade do professor (avaliador); (vi) os resultados de cada aluno são comparados com os de outros grupos de alunos, ou seja, a avaliação refere-se a uma norma ou padrão.

Vasconcellos (2014) denomina a avaliação como medida “avaliação classificatória, excludente” (p. 28). Segundo o autor, esta conceção de avaliação, ainda hoje vigente na sala de aula, acarreta vários problemas para o atual sistema educativo, nomeadamente: - o desvio do objetivo principal da educação. Em vez de os professores estarem preocupados com a aprendizagem dos alunos, estão apenas fixados na classificação obtida. Ou seja, o sistema está mais preocupado em selecionar o aluno, concentrando-se na sua aprovação e/ou reprovação; - distorção da prática pedagógica, na medida em que há uma sobrevalorização dos testes e/ou exames, levando a que uma parte do total das aulas destinadas à lecionação da disciplina sirvam estritamente para a preparação da

prova; - questões de ética: dado que quando o aluno é classificado e não corresponde ao padrão exigido reprova, o que não deixa de ser uma forma de exclusão do sistema.