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Capítulo 4 -Álgebra e Pensamento Algébrico

4.2 Pensamento algébrico Desafios para professores e alunos

4.2.1.1 Tarefas

Como pode ser percebido pelo referido no ponto anterior, as tarefas representam um papel fundamental em qualquer aula de Matemática e, em particular, naquelas cujo obje- tivo é desenvolver o pensamento algébrico. Além de ser a partir delas que os alunos de- senvolvem a atividade matemática (Canavarro, 2007; Pereira, 2012), e daí poder-se afir- mar que são tarefas de ensino e aprendizagem, estas também têm de ser simultaneamente tarefas de avaliação (Fernandes, 2011a), pois só desta forma é que o ensino, a aprendiza- gem e a avaliação virão a constituir um ciclo articulado e coerente (Fernandes, 2005). Para tal, o autor salienta a importância da seleção das tarefas, “porque é nas atividades que suscita, quer aos professores, quer aos alunos que pode residir a essência de um pro- cesso de ensino orientado para a resolução de problemas, [e] para o desenvolvimento dos processos mais complexos do pensamento” (p. 78). Desta forma, as tarefas a utilizar de- vem ter uma tripla função: (i) integrar as estratégias de ensino do professor; (ii) ser um meio privilegiado de aprendizagem; e (iii) ter associado um processo de avaliação. O que só é possível se se conseguir distinguir o essencial do acessório, identificando os saberes, os conceitos e os procedimentos efetivamente estruturantes e, consecutivamente, elaborar tarefas que reflitam essa mesma distinção (Fernandes, 2005).

Para promover o desenvolvimento do pensamento dos alunos, Blaton e Kaput (2008) identificam a transformação das tarefas típicas da aula de Matemática como um dos ca- minhos a seguir pelos professores. Os autores recomendam a algebrização dos problemas aritméticos, ou seja, a conversão de problemas aritméticos de resposta única em situações problemáticas que permitam a construção de regularidades, conjeturas, generalizações e sua justificação e explicitação. Nesta linha de ideias, Brocardo et al. (2006) também de- fendem que as tarefas para desenvolverem o pensamento algébrico dos alunos devem permitir: (i) que estes encontrem vários números para diferentes casos antes de construí- rem uma regra geral. Uma progressão que lhes vai permitir perceber quais os fatores que permanecem os mesmos e quais os que variam; e, por outro lado, (ii) que exijam que estes encontrem um resultado para pequenos números, aumentando-os até se chegar a números suficientemente grandes a ponto de os obrigar a deixar para trás as suas estratégias de desenho, contagem, ou qualquer outro esquema, caminhando no sentido de realizar a ge- neralização da regra que existe na relação. Do mesmo modo, Kieran (2007b) acentua a importância das tarefas, em articulação com as questões que o professor propõe na sua exploração, dando destaque à necessidade dos professores serem capazes de conduzir

“sequências estruturadas de operações que foquem a atenção dos alunos em aspetos cru- ciais da forma e da sua generalização” (p. 22). Em suma, pode-se afirmar que uma tarefa adequada ao desenvolvimento do pensamento algébrico é uma tarefa de natureza proble- mática e investigativa que leva ao estabelecimento de propriedades gerais (Canavarro, 2007). Ou seja, o professor deve propor tarefas como explorações e investigações, de maneira a que os alunos tenham oportunidade de construir conceitos, desenvolver o raci- ocínio e a comunicação matemática, além de progredir nos modos de representação, o que deve ser feito, sempre que possível, com o contributo dos alunos (Pereira, 2012).

Porém, há alguns desafios a ter em conta quando se pretende desenvolver o pensa- mento algébrico. O primeiro prende-se com a necessidade de haver uma aposta no racio- cínio dos alunos, o que implica também com a forma de pensar dos professores, para que passem a acreditar na possibilidade dos alunos construírem conhecimento matemático. O segundo desafio está estritamente ligado com as tarefas a desenvolver na aula de Mate- mática e com sua adequação ao desenvolvimento do pensamento algébrico. Os recursos utilizados habitualmente pelo professor, como o manual escolar, não constituem, no geral, pela abordagem ao tema e pelo tipo de tarefas que apresentam, um recurso adequado no domínio do pensamento algébrico. A algebrização das tarefas, atrás defendida por vários autores, requer um trabalho cuidadoso e continuado por parte dos professores, que devem passar de consumidores e aplicadores de tarefas a transformadores ativos das mesmas. O terceiro desafio prende-se com a cultura de sala de aula, na realidade as práticas de sala de aula centradas no professor enquanto explicador, seguidas de aplicação e treino por parte dos alunos também não são um contexto favorável ao desenvolvimento do pensa- mento algébrico (Blaton & Kaput, 2008; Canavarro, 2007). Todavia, elaborar boas tarefas não chega para promover o desenvolvimento do pensamento algébrico. Assim, é preciso ter atenção à forma como a tarefa é apresentada aos alunos pelo professor e também com a exploração que este lhes proporciona, pois isso pode exigir dos alunos apenas uma exe- cução de um procedimento ou apelar ao desenvolvimento do pensamento concetual (Du- arte, 2011), o que nos remete para a importância do papel que professores e alunos devem ter em sala de aula.

4.2.2 Papel do professor

Os estudantes possuem um forte potencial que deve ser rentabilizado ao máximo pelos professores. Mais do que treinar um conjunto de técnicas matemáticas o professor deve recorrer a diferentes caminhos que permitam explorar o potencial de cada um dos seus

alunos, com cada uma das tarefas utilizadas, de modo que aprendam a gostar de Matemá- tica, a apreciar a sua utilidade e, consequentemente, a compreendê-la de forma mais apro- fundada (Vale & Pimentel, 2010). Mais especificamente, o desenvolvimento do pensa- mento algébrico necessita continuamente de atenção por parte do professor (Canavarro, 2007). Desta forma, e de acordo com o já referido ao longo do presente estudo, cabe ao professor organizar o ensino por sequências lógicas e ordenadas de tarefas de ensino, aprendizagem e avaliação. Tarefas essas que devem ir ao encontro dos interesses, moti- vações e capacidades dos alunos. No entanto, o papel do professor não se pode reduzir à seleção de tarefas adequadas, ainda que corretamente algebrizadas. Na realidade, o pro- fessor também tem um papel de relevo a desempenhar durante a implementação das tare- fas, uma vez que é a ele que cabe propor adequadamente as mesmas, ajudar os alunos na sua exploração, encorajando-os a usar abordagens e estratégias diversificadas, mas ade- quadas à resolução das tarefas, sem permitir que o seu pensamento se substitua ao dos alunos (NCTM, 2017). Além disso, durante a exploração das tarefas, cabe ao professor ajudar os alunos a reunir um conjunto de ferramentas que os apoiem no desenvolvimento do pensamento algébrico, tais como diferentes tabelas, retas numéricas, diagramas, grá- ficos de vários tipos, artefactos visuais e materiais concretos (Blanton & Kaput, 2005; Canavarro, 2007). Posteriormente, estas ferramentas serão a referência em torno das quais os alunos pensam algebricamente (Blanton & Kaput, 2005). O professor deve ainda en- sinar os alunos a lidar com diferentes processos matemáticos, tais como registar, recolher, representar e organizar dados, com o objetivo de promover o uso consciente de modos de representação favoráveis à realização de generalizações (Canavarro, 2007; Kieran, 2007b).

Outro papel fundamental do professor em sala de aula é a criação de um ambiente de trabalho onde os alunos se vejam como uma comunidade de construção de conhecimento matemático e onde o discurso argumentativo impere (Canavarro, 2007; Kieran; 2007b; Blanton e Kaput, 2008). É, assim, percetível que o modelo de ensino e aprendizagem que mais se adequa ao desenvolvimento do pensamento algébrico é o que Ponte (2005a) de- fine como ensino-aprendizagem exploratório, uma vez que neste modelo a organização de aula permite que os alunos trabalhem autonomamente sobre as tarefas propostas, dando-lhes a possibilidade de confrontar as suas produções com a dos outros colegas, ou seja, aulas estas onde as suas contribuições são fortemente valorizadas, o que lhes pode vir a facilitar o estabelecimento de generalizações (Canavarro, 2007; Pereira, 2012). To-

davia, este tipo de aulas requer da parte do professor alguma atenção em relação a diver- sos aspetos. O primeiro, segundo Blanton e Kaput (2008), está associado à valorização do raciocínio dos alunos como ponto de partida do conhecimento matemático, uma vez que nas aulas de ensino exploratório há uma parte significativa do trabalho de construção do conhecimento, através da descoberta, que é realizada pelos alunos. A atividade mate- mática dos alunos na sala de aula é assim valorizada, acabando por lhes criar a consciência da importância do seu papel no desenvolvimento do saber (Canavarro, 2007), o que de- verá implicar que todos os alunos aprendam melhor e com mais profundidade. Há, no entanto, a possibilidade de os alunos resistirem a este tipo de participações, o que pode trazer algumas dificuldades aos professores que, caso não consigam vencer essa resistên- cia, acabam por validar as respostas dos alunos durante o seu trabalho autónomo, dei- xando-se cair no chamado modelo tradicional de ensino (Fernandes, 2011; Pereira, 2012). O segundo aspeto prende-se com a comunicação que deve ser estabelecida em sala de aula e com os cuidados a ter para que esta se desenvolva adequadamente. Na apresentação e discussão, em grande grupo, dos trabalhos dos alunos é crucial a forma como o professor coloca as questões (Boavida et al, 2008), não só por causa da clarificação dos raciocínios, mas como salienta Kieran (2007b), para ajudar no estabelecimento de relações e genera- lizações. Além disso, é ainda essencial ouvir bem os alunos, uma vez que só desta forma é que se torna possível descodificar possíveis expressões de generalização. Na preparação da discussão coletiva, é importante que o professor selecione criteriosamente as produ- ções dos alunos, deixando para o fim das apresentações as que revelam a generalização mais completa e/ou mais formalizada (Canavarro, 2007).

Cusi e Malara (2009), no âmbito de um projeto de inovação didática, identificaram cinco caraterísticas que o professor deve ter quando pretende promover a utilização da linguagem algébrica, através da comunicação em sala de aula. Neste contexto, o professor deve: (i) ter uma atitude investigativa sobre os problemas apresentados em sala de aula; (ii) ser um guia prático e estratégico capaz de promover a partilha de conhecimento com os alunos; (iii) manter o equilíbrio entre os aspetos semânticos e sintáticos; (iv) estimular e promover o desenvolvimento de processos de pensamento, através da linguagem algé- brica, como por exemplo interpretar processos e antecipar pensamentos; e (v) estimular e provocar atitudes reflexivas e ações metacognitivas.

Em síntese, o ensino exploratório aparenta ser o mais adequado ao desenvolvimento do pensamento algébrico. Para desenvolver um ensino desta natureza é fundamental que o professor: escolha criteriosamente as tarefas a apresentar aos alunos; planifique de

forma cuidada a exploração das tarefas em sala de aula; controle as questões e comentá- rios que faz aos alunos durante a apresentação das tarefas e durante o trabalho autónomo, de modo a não lhes indicar a estratégia a seguir; resista a validar as resoluções dos alunos durante o respetivo trabalho autónomo de modo a não reduzir o seu interesse em participar na discussão; seja capaz de recusar a alunos que se voluntariem a possibilidade de apre- sentar as respetivas resoluções à turma, caso estas não sejam o contributo mais interes- sante para o desenvolvimento da estratégia traçada pelo professor; preveja a utilização de recursos que agilizem a comunicação dos alunos; favoreça a discussão efetiva de ideias por parte alunos; promova um ambiente estimulante na sala de aula em que os alunos sejam encorajados a participar ativamente, a desenvolver o seu próprio trabalho e a querer saber do trabalho dos outros (Canavarro, 2011). Por fim, cabe ainda ao professor articular continuadamente a aprendizagem, a avaliação e o ensino (Fernandes, 2011).

4.2.3 Papel do aluno

Se aos professores cabe selecionar e utilizar criteriosamente uma diversidade de tare- fas e desenvolver a comunicação a todos os níveis, aos alunos compete participar nos diferentes processos que os ajudem a aprender (Engestrom, 1999).

Nesta perspetiva, o NCTM (2017) defende que os alunos devem: ser perseverantes na exploração e no raciocínio aquando da resolução das tarefas; tomar para si a responsabi- lidade de dar sentido às tarefas, ancorando-se nos seus conhecimentos e ideias anteriores e estabelecendo conexões entre eles; usar ferramentas e representações que apoiem a re- solução do problema e as suas explicações; aceitar e esperar que os colegas usem abor- dagens diferentes e que venha a discutir e a justificar as suas estratégias uns aos outros. Nesta mesma linha de ideias, mas tendo como foco principal reforçar a avaliação como uma estratégia de melhoramento do ensino e da aprendizagem dos alunos a nível de sala e aula (NCTM, 2017), Fernandes (2005) defende que os alunos têm de: participar ativamente nos processos de aprendizagem e avaliação; desenvolver as tarefas propostas pelo professor; utilizar o feedback fornecido pelos professores para regularem as suas aprendizagens; analisar o seu trabalho através dos seus processos metacognitivos e da autoavaliação; regular as suas aprendizagens com base nos resultados da autoavaliação e dos seus recursos cognitivos e metacognitivos; partilhar o seu trabalho, as suas dificulda- des e os seus sucessos com os colegas e com o professor; organizar o seu processo de aprendizagem. Na realidade, é hoje assumido pela investigação que o melhoramento da aprendizagem dos alunos a nível da sala de aula, no que diz respeito à Matemática, ou

mais especificamente ao desenvolvimento do pensamento algébrico, depende da imple- mentação de práticas de avaliação formativa (NCTM, 2017).

4.3 Síntese

A conceção do que é a Álgebra tem sofrido alterações ao longo do tempo. Com o passar dos anos, a Álgebra deixa de estar conotada estritamente à manipulação simbólica e passa a ser reconhecida não só como um modo de pensar, mas também como um método de observar e expressar relações. Assim, aprender Álgebra, atualmente, significa desen- volver no aluno o pensamento algébrico, ou seja, significa que o aluno é capaz de pensar algebricamente, envolvendo relações, regularidades, variação e modelação.

O desenvolvimento do pensamento algébrico exige uma mudança nas conceções dos professores sobre o que significa ensinar e aprender Matemática. Quer isto dizer que em detrimento da aprendizagem descontextualizada de regras de manipulação simbólica, é necessário dar aos alunos a oportunidade de explorarem padrões e relações numéricas generalizando-os, assim como a possibilidade de explicitarem e discutirem as suas ideias, refletindo sobre as mesmas. Neste contexto, é possível afirmar que o desenvolvimento do pensamento algébrico se coaduna com uma organização de aula em que os alunos e os professores assumem um papel ativo, onde é através das tarefas que se aprende, ensina, avalia e regula a atividade que deve ocorrer em sala de aula.

Não obstante, é necessário que os professores tenham atenção à elaboração das tare- fas, que devem ser algebrizadas, além de ir ao encontro dos interesses, motivações e ca- pacidades dos alunos. Porém, o papel do professor não se restringe à sua elaboração. Cabe ainda ao professor, durante a implementação das tarefas, cuidar a forma como as propõe, ajudando os alunos na sua exploração, e incentivando-os a usar diversificadas, mas ade- quadas, estratégias de resolução.

Quanto aos alunos, devem assumir um papel ativo na gestão dos seus conhecimentos e na capacidade de os desenvolver de forma eficaz, cabendo-lhes, ainda, a responsabili- dade pelo desenvolvimento dos processos referentes à autoavaliação e autorregulação das suas aprendizagens.