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Avaliação do potencial genotóxico da GA em MCF10A

+ Homogeneização Absorvância λ = 595 nm

4.4. Avaliação do potencial genotóxico da GA em MCF10A

Vários autores têm reportado que o potencial genotóxico da AA in vivo se deve à formação do epóxido reactivo GA (Paulsson et al., 2003; Besaratinia and Pfeifer, 2005; Rice, 2005). Para além disso, tem sido demosntrado que este composto forma aductos com o DNA e causa genotoxicidade, mutagenicidade e clastogenicidade em células de mamífero (Besaratinia and Pfeifer, 2004; Doerge et al., 2005a; Martins et al., 2007).

Como referido anteriormente, as células mamárias não têm sido modelos celulares adoptados regularmente nos testes de genotoxicidade da AA ou GA. Dos poucos estudos existentes, destaca-se o trabalho in vitro de Butterworth et al. (1992) com

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ensaios de reparação de DNA em células epiteliais mamárias humanas (HMEC). Nestas células normais, derivadas de amostras cirúrgicas de cinco mulheres diferentes, os autores verificaram que a AA produziu um ligeiro aumento na síntese de DNA não programada (UDS). Em contraste, a GA induziu uma forte resposta de UDS nas mesmas células. A indução de reparação de DNA pela GA não só contribuiu para mostrar o potencial genotóxico deste metabolito, como também para mostrar que as células mamárias podem ser um alvo específico para a sua actividade cancerígena nos seres humanos (Butterworth et al., 1992). Este efeito também já foi demonstrado em modelo animal (Johnson et al., 1986; Friedman et al., 1995).

Perante o conjunto de evidências sugerindo que a AA, através do seu metabolito, possa ser um agente cancerígeno da mama humana (Parzefall, 2008) e perante a dificuldade dos estudos epidemiológicos demonstrarem de forma conclusiva uma associação entre o cancro de mama e o consumo de AA (Hogervorst et al., 2010), torna- se evidente a necessidade de serem adoptadas diferentes abordagens experimentais para investigar o envolvimento da AA no cancro de mama. Assim, tornou-se preponderante a avaliação da genotoxicidade da AA no nosso modelo celular não tumoral.

4.4.1. Avaliação da indução de MN

O estudo da lesão do DNA ao nível do cromossoma é uma parte essencial da toxicologia genética, dada a importância destas lesões na cancerigénese. O ensaio do micronúcleo (MN) surge como um dos métodos preferidos para avaliação da lesão cromossómica, uma vez que permite avaliar tanto a perda de cromossomas (efeito aneugénico), como a ocorrência de quebras cromossómicas (efeito clastogénico) de forma adequada (Fenech, 2000). Especificamente, este ensaio permite detectar anomalias durante o processo mitótico com células em citocinese bloqueada, observando-se fragmentos de cromossomas, ou cromossomas inteiros, que não foram ligados ao fuso acromático e não sofreram um deslocamento normal aos pólos do fuso mitótico durante a anafase, designados por MN. (Fenech, 2000). Neste contexto, escolheu-se realizar o ensaio do micronúcleo com citocinese bloqueada (CBMN) nas células MCF10A para avaliar ambos os efeitos clastogénicos e aneugénicos da GA nesta linha celular. A utilização deste ensaio poderá fornecer não só informações

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relevantes relacionadas com a ocorrência de lesões cromossómicas adicionais em células tratadas a curto prazo com a GA, como informações relacionadas com a progressão do ciclo celular (Fenech et al., 2003).

O perfil de citotoxicidade da GA determinado nas MCF10A (Figura 9) foi muito importante para delinear a estratégia a abordar no estudo da genotoxicidade do composto, nomeadamente na escolha das concentrações de GA a utilizar.

No âmbito deste trabalho, foi possível avaliar a diminuição da proliferação celular para as experiências descritas pela % de células binucleadas (% BN), visto que o decréscimo destas células e consequente aumento da frequência de células mononucleadas está de acordo com um aumento similar na paragem da progressão do ciclo celular (Fenech et al., 2003). Adicionalmente, determinou-se o índice de divisão nuclear (NDI) que reflecte a frequência de células com 1, 2, 3 ou 4 núcleos. O NDI e a proporção de células BN são parâmetros úteis para a comparação das respostas mitogénicas das células e respostas citostáticas da GA (Fenech, 2000).

Como índices de genotoxicidade utilizou-se a ‰ de células binucleadas micronucleadas (‰ MNBN), bem como o índice MN/1000BN, que dá indicação do número total de MN por 1000 células binucleadas. Estes índices dão informações complementares. A ‰ MNBN representa a frequência de células com citocinese bloqueada contendo micronúcleo, independentemente do número de MN por célula, enquanto o MN/1000BN reflecte a totalidade dos MN presentes em 1000 células BN.

As determinações, referidas nos parágrafos anteriores, foram efectuadas após diferenciação da fracção citoplasmática e nuclear por uso do corante Giensa, e por contagem de células binucleadas com citoplasma preservado, um dos critérios essenciais desta técnica. Da mesma forma, os MN foram identificados de acordo com os critérios descritos por Fenech et al. (2000). Os resultados obtidos nos ensaios de CBMN da GA em células MCF10A são apresentados na Figura 14 e na Figura 15, na forma de valores médios ± desvio padrão de três experiências independentes. Mais precisamente, estão apresentadas as avaliações anti-proliferativas, %BN e NDI, na Figura 14A e 14B, respectivamente, e a avaliação genotóxica (‰ MNBN) na Figura 15.

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Figura 14. Efeito da glicidamida na proliferação celular/divisão celular das células MCF10A. (A) % de células binucleadas (%BN); (B) o índice de divisão nuclear (NDI). Os resultados apresentados correspondem à média aritmética ± desvio padrão de três experiências independentes (n=3).

Em relação aos efeitos genotóxicos e anti-proliferativos da GA em células mamárias humanas, verificou-se que a incubação com a GA aumenta de um modo dependente da concentração o índice ‰MNBN e diminui a %BN e NDI quando comparado com os valores basais das MCF10A.

Com os resultados obtidos foi possível constatar um decréscimo claro da %BN e do NDI com o aumento da concentração de GA a que as células foram expostas. Uma vez que a maioria das células eram mononucleadas ou binucleadas, o perfil dos dois gráficos de avaliação dos efeitos anti-proliferativos é semelhante (Figura 14). Verificou-se que as concentrações elevadas de GA afectaram a divisão celular/proliferação celular. Aliás,

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 0,25 0,5 0,75 1 1,25 1,5 1,75 2 % C él ul as B N Glicidamida (mM) 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 0 0,25 0,5 0,75 1 1,25 1,5 1,75 2 N D I Glicidamida (mM) A B

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com 2 mM de GA, a % de células BN foi tão baixa (~8%) que impossibilitou a avaliação correcta de MN. Este facto já tinha sido reportado anteriormente para o índice mitótico nas células V79 (Martins et al., 2007), exactamente para a mesma concentração de GA. A explicação dos efeitos anti-proliferativos causados pela concentração de GA mais elevada prende-se com uma eventual interferência da GA a nível da progressão do ciclo celular.

No que respeita à indução de MN, as células MCF10A por si só apresentaram uma frequência basal de ‰ MNBN da ordem dos 18‰, valor que estará associado a efeitos genotóxicos que possam ocorrer espontaneamente no decurso da cultura celular (Figura 15). A GA mostrou ser genotóxica para estas células. De facto, para a concentração de GA mais elevada (1 mM), a ‰ MNBN, que corresponde à frequência de células BN com MN foi de 40,3 ± 5,5 versus 17,7 ± 4,2 para o valor basal das células MCF10A. Aliás, com 1 mM de GA foi encontrado um aumento significativo de cerca de 2 vezes (Ρ<0,01) em relação à genotoxicidade basal das células MCF10A. Em termos de MN/1000BN, os valores foram de 21,3 ± 4,7 ‰ para os controlos versus 46,0 ± 7,5 ‰ para a GA (1 mM, Ρ=0,01). A GA mostrou assim aumentar a frequência de MN nas células binucleadas. A maioria das células micronucleadas continham essencialmente 1 MN por célula, embora para as concentrações mais elevadas de GA também tenham ocorrido algumas células com 2 ou mais MN. Desta forma, ambos os índices apresentaram perfis similares (gráfico do índice MN/1000BN não apresentado).

Figura 15. Genotoxicidade da glicidamida nas células MCF10A, expressa em ‰ de células binucleadas micronucleadas (‰ MNBN). Os resultados apresentados correspondem à média aritmética ± desvio padrão de três experiências independentes (n=3); (**P<0,01 quando comparado com o controlo).

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 0 0,25 0,5 1,0 M N B N Glicidamida (mM) **

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Poucos trabalhos com a GA têm sido publicados com recurso ao ensaio do CBMN. A avaliação destes biomarcadores toxicológicos noutras linhas celulares (Baum et al., 2005; Koyama et al., 2006; Martins et al., 2007), revelou o aparecimento de genotoxicidade pela GA em gamas de concentração similares à utilizada neste estudo. No que diz respeito a outros endpoints, existem alguns estudos que avaliaram as lesões do DNA induzidas pela AA e pela GA através de diferentes ensaios laboratoriais, tais como o ensaio das aberrações cromossómicas (Adler et al., 1988; Martins et al., 2007) e detecção de mutações específicas (Besaratinia and Pfeifer, 2004; Manjanatha et al., 2006), em diferentes sistemas in vitro e in vivo, reportanto uma marcada genotoxicidade para a GA em todos os casos e para doses bastante mais baixas do que as utilizadas de AA. Para uma informação mais pormenorizada, outros parâmetros de instabilidade cromossómica, ou seja, por exemplo a avaliação de aberrações cromossómicas (Gil et

al., 2000) e translocações (Shelby et al., 1987) deveriam ser estudados neste modelo

celular a fim de confirmar a resposta positiva obtida no ensaio do CBMN.

Em conclusão, os resultados aqui apresentados apontam pela primeira vez para a existência de um potencial genotóxico da GA em células mamárias de origem não tumoral, que poderá ser importante numa avaliação de risco da GA na cancerigénese mamária.

4.4.2. Formação de aductos específicos de DNA

Apesar de ser consensual que a GA forma aductos específicos de DNA, é de extrema importância definir a formação dessas mesmas lesões a doses baixas de GA, próximas das exposições humanas, para esclarecer os riscos associados. A formação de níveis significativos de aductos de GA a baixas doses em células MCF10A poderá confirmar o risco de cancro de mama significativo, descrito por Olesen et al. (2008).

Neste âmbito, células MCF10A foram expostas a diferentes concentrações de GA, por um período de 24 horas, correlacionado com as experiências anteriores. O DNA foi extraido e quantificado. Actualmente, as amostras estão conservadas a -80ºC, aguardando quantificação dos aductos de acordo com o descrito em Martins et al. (2007) no National Center for Toxicological Research (NCTR/FDA), E.U.A.

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5. C

ONCLUSÕES E

P

ERSPECTIVAS

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Nos últimos anos, com a detecção de quantidades significativas de AA num grande número de alimentos processados, o consumo oral de AA foi considerado um factor de risco adicional para o cancro. As evidências de tumores benignos e malignos da glândula mamária em roedores, apoiada por alguns estudos epidemiológicos recentes, apontam a AA como um potencial agente cancerígeno para o tecido mamário humano.

O metabolito reactivo, GA, tem sido fortemente sugerido como o principal responsável na cancerigénese associada à AA, essencialmente devido ao seu maior potencial mutagénico, clastogénico e genotóxico. A GA não só parece possuir uma elevada afinidade para o DNA, formando quantidades apreciáveis de aductos específicos de DNA em vários tecidos de roedores, inclusive nas glândulas mamárias das fêmeas, como já provou formar aductos de DNA em células de mamífero tratadas com concentrações relativamente baixas.

Neste estudo, a GA mostrou ser citotóxica de forma concentração-dependente num modelo celular que mimetiza as células mamárias ductais e que retém muitas das funções normais das células da mama humana. Foi verificada uma citotoxicidade significativa para concentrações superiores a 0,5 mM, e o IC50 foi estimado em 1,56 mM de composto. Este valor, considerado relativamente elevado, mostra que as células MCF10A toleram grandes quantidades de GA, tal como já tinha sido demonstrado em outras linhas celulares de mamífero. Este facto pode ser problemático do ponto de vista da cancerigénese, caso a GA forme mutações não letais para as células que possam eventualmente originar células iniciadas num processo tumoral.

Nestas mesmas células, a deplecção de GSH intracelular por intermédio de BSO originou numa forte diminuição da viabilidade celular das células tratadas com GA. Adicionalmente, a incubação concomitante com GSH exógeno resultou numa protecção ligeira para o efeito citotóxico da GA, apenas significativa para a concentração conducente a elevada citotoxicidade. Estes últimos dados mostraram que a conjugação, essencialmente extracelular, do epóxido reactivo com o GSH, embora exista, não deve ser muito extensa. Contudo, o GSH intracelular foi crítico na toxicidade da GA. Assim, num cenário de exposição alimentar que envolva a ingestão simultânea de AA e de compostos que resultem na diminuição dos níveis de GSH, uma concentração mais baixa de GA pode gerar os mesmos efeitos adversos ao nível de tecido mamário do que aqueles que seriam normalmente gerados pela ocorrência isolada de GA em concentrações mais elevadas.

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Em relação ao papel dos antioxidantes na citotoxicidade da GA nas células mamárias, os resultados sugerem que duas das enzimas mais importantes na via de dextoxificação de ROS, a SOD e a CAT nas formas peguiladas, bem como um antioxidante catalítico sintético (MnTE-2-PyP), não desempenham uma função protectora dos efeitos citotóxicos deste composto. Além disso, a GA não influencia os teores intracelulares de ROS nas células MCF10A, nas concentrações testadas, indicando que o mecanismo de acção citotóxica da GA nestas células não é um mecanismo oxidativo de morte celular. Assim, o papel de GSH na destoxificação da GA, neste modelo celular, não parece estar relacionado com a presença de espécies reactivas, o que poderá favorecer a hipótese de que a acção protectora verificada para o GSH esteja relacionada com a conjugação com o composto. Provavelmente, a GA conjuga com o GSH via GST dando origem a ácidos mercaptúricos, diminuindo assim a quantidade de GA disponível para lesão citotóxica.

Paralelamente à citotoxicidade, a GA também mostrou ser genotóxica para as células MCF10A. Este composto aumentou a frequência de células binucleadas micronucleadas e o número total de micronúcleos, especialmente para a concentração de 1 mM, verificando-se assim instabilidade cromossómica. Além disso, a maior concentração testada provou uma redução marcada no índice de proliferação celular, mostrando uma redução importante ao nível da divisão celular. Recentemente, a AA per se tem vindo a ser associada a lesões oxidativas do DNA em algumas células animais. Contudo, associações semelhantes para a GA são limitadas e inconclusivas. Com base nos nossos resultados, a GA não parece influenciar a variação dos níveis celulares de ROS e devido ao seu amplo historial de lesão genética, os resultados aqui apresentados apoiam a teoria de um mecanismo genotóxico possivelmente por intermédio de formação de aductos de DNA. Estes poderão ser elucidados neste modelo celular assim que nos sejam reportados os dados das quantificações dos aductos específicos da GA-DNA em curso.

Em suma, estes resultados mostram que a GA é citotóxica e genotóxica para as células MCF10A, sendo o GSH importante para a redução da toxicidade do GA. Além disso, a formação de ROS não parece ser um mecanismo relevante para os efeitos celulares induzidos pela GA em células MCF10A. Estudos futuros dedicados à avaliação da expressão de genes-chave do processo apoptótico, que expressem proteínas-chave da via apoptótica (e.g. P53, P21 e Bcl-2) e a correlação desses níveis de expressão com a citotoxicidade e a genotoxicidade da GA, poderão ser mais uma ferramenta informativa, nomeadamente acerca do efeito citoprotector do tecido

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mamário. A correlação dos dados relativos à toxicidade celular, indução de micronúcleos pela GA e aductos específicos de DNA, com a expressão de proteínas apoptóticas completerá o conhecimento mecanístico de lesão genética, caracterizando- se, assim, a morte celular nas células MCF10A.

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