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Até ao presente, a sequência mecanística dos eventos pelos quais a AA induz os diferentes tipos de tumores em roedores não está totalmente definida (Klaunig, 2008). Embora os efeitos cancerígenos resultantes de uma exposição a AA sejam convincentes, o modo de acção deste composto é ainda uma questão em debate.

O suporte para um mecanismo genotóxico (mutagénico e clastogénico), baseado em ensaios de reactividade com o DNA in vitro e in vivo, não pode ser rejeitado. Contudo, a predominância de tumores realcionados com o sistema endócrino levou à hipótese de que o efeito cancerígeno da AA é causado por um mecanismo de acção não genotóxico (Besaratinia and Pfeifer, 2007).

1.6.1. Hipótese de mutagenicidade

A maioria dos dados suporta um mecanismo de acção mutagénico na cancerigénese decorrente da exposição à AA (Besaratinia and Pfeifer, 2004; Besaratinia and Pfeifer, 2007), sendo a principal actividade mutagénica de AA proposta como resultado da

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ligação directa do seu metabolito ao DNA. A GA é assim implicada como o elemento- chave numa hipótese de mutagenicidade.

Fundamentalmente, AA tem sido relatada como indutora de mutações genéticas e CAs em células somáticas e germinativas de roedores in vivo e em culturas celulares e, da transformação celular em linhas celulares de rato (Klaunig, 2008; Parzefall, 2008). Adicionalmente, o potencial mutagénico da GA é bem caracterizado nos estudos sobre a indução de mutações genéticas em batérias e de formação de aductos de DNA (Besaratinia and Pfeifer, 2007), que estão presentes nos tecidos alvo de roedores logo após administração de AA (Gamboa da Costa et al., 2003; Doerge et al., 2005a). Existem também evidências de uma variedade de estudos de mutagenicidade da GA em células somáticas de mamíferos (incluindo humanas) que suportam um mecanismo de acção mutagénico para a AA, propondo a sua ocorrência em animais e seres humanos (Klaunig, 2008; Parzefall, 2008).

A demonstração de actividade de iniciação de tumor por diversas vias de exposição à AA em ratinhos, também forneceu suporte adicional para um mecanismo de acção mutagénico (Bull et al., 1984a; Bull et al., 1984b). Além disso, a característica de vários locais de tumor em ratos é consistente com outros agentes cancerígenos que actuam através de mecanismos mutagénicos envolvendo alquilação do DNA (Jägerstad and Skog, 2005). No entanto, são necessários dados adicionais que demonstrem uma sequência temporal de acontecimentos entre a formação de aductos de DNA, desenvolvimento de mutações e formação de tumores. É necessário também estabelecer a concordância dose-resposta para estabelecer firmemente que um aducto de GA-DNA é um evento percursor obrigatório na formação de tumores. Dados adicionais são necessários para se identificarem as causas que justificam a observação do aumento de tumores nos bioensaios crónicos apenas em tecidos de resposta hormonal (Friedman et

al., 1995), uma vez que aductos de DNA têm sido observados numa maior variedade de

tecidos (Doerge et al., 2005a).

Outra hipótese realçada ultimamente em investigações adicionais in vitro está relacionada com o potencial papel do stress oxidativo no mecanismo de acção da AA. Mei et al. (2008) em células de linfoma de rato tratadas com AA e GA demonstraram a indução de mutações (grandes delecções) por ambos os compostos mas através de diferentes mecanismos. Estes autores sugeriram que as quebras do DNA após o tratamento com GA provavelmente envolvem a formação de aductos GA-DNA,

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enquanto que a AA pode incorrer em lesões do DNA através de stress oxidativo (Mei et

al., 2008).

Na verdade, é possível que a AA per se possa ser citotóxica e genotóxica pela diminuição do sistema de defesa antioxidante das células (Park et al., 2002a; Jiang et

al., 2007). Pelos resultados apresentados por Park et al. (2002) a AA por si só parece

estar envolvida na transformação celular induzida e na transformação morfológica dependente do status de tiol celular. Estes autores observaram aumentos de transformação celular no co-tratamento com um inibidor do glutationo reduzido (GSH) e diminuições na presença de um dador de grupos SH. Além disso, observaram que a AA diminuiu os níveis de GSH nas células de embrião de hamster sírio, fornecendo evidências de que a AA estava a originar transformação celular pelo menos através da alteração da homeostase do GSH.

Em apoio aos estudos anteriores, em células HepG2 foi reportado um aumento de espécies reactivas de oxigénio (ROS) após tratamento com a AA, relacionado com a sua genotoxicidade (Jiang et al., 2007; Zhang et al., 2009). Em simultâneo, outros autores demonstraram a indução de deplecção de GSH e aumentos nos níveis de 8- hidroxideoxiguanosina6 (8-OHdG), compatíveis com os aumentos de ROS e com a extensão de danos no DNA (Zhang et al., 2009). Assim, ao que parece a AA induz stress oxidativo em modelos baseados em células animais, através do aumento de ROS que por sua vez também são responsáveis por criar lesões no DNA. Contudo, os dados de stress oxidativo também podem estar ligados à teoria epigenética (Besaratinia and Pfeifer, 2007), desenvolvida na secção seguinte.

1.6.2. Hipótese de desregulação dos níveis hormonais e sinalização

Uma via alternativa, não genotóxica, por perturbação dos níveis hormonais ou actividade hormonal também tem sido sugerida para os tumores induzidos pela AA, em tecidos sensíveis à influência hormonal (glândula mamária e tiróide) ou em tecido adjacente (túnica vaginalis e mesotélio do saco escrotal) (Dourson et al., 2008; Klaunig, 2008). Esta via é motivada pelo padrão de formação de tumores em roedores, que sugerem uma modificação do sistema endócrino, para além de genotoxicidade

6 Biomarcador de dano genético oxidativo. A sua produção é induzida pela oxidação da

deoxiguanosina (DG), que é um componente do DNA. Radicais hidróxilo actuam directamente sobre a DG para formar o 8-hidroxideoxiguanosina.

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(Besaratinia and Pfeifer, 2007; Klaunig, 2008), e pelo padrão da distribuição dos aductos de GA-DNA em tecidos que não correspondem ao padrão de tecido de cancerigénese animal da AA (Doerge et al., 2005a). Isto sugere que a genotoxicidade pode não ser a única, ou mesmo não ser a via de acção da AA que justifique o aparecimento de tumores (Besaratinia and Pfeifer, 2007).

Alguns autores referem que a cancerigénese pela AA pode ser devida a uma promoção do tumor, que envolve a expansão clonal selectiva da célula iniciada de forma indirecta, por exemplo através de interacções hormonais (Besaratinia and Pfeifer, 2007; Klaunig, 2008) ou outros efeitos epigenéticos que possam resultar da alquilação das proteínas (Friedman, 2003). Embora esta seja uma hipótese possível, até ao momento, nenhum estudo constatou uma desregulação dos níveis hormonais ou sensibilidade em roedores tratados com AA. Além disso, os tumores das glândulas endócrinas e tecidos dependentes de hormonas em roedores são frequentemente produzidos por compostos cancerígenos genotóxicos (reactivos com o DNA) (Klaunig, 2008).

No caso particular dos tumores da tiróide, recentemente um grupo de investigadores avaliou a formação desses tumores e o respectivo mecanismo de acção com a totalidade das provas existentes. De acordo com o peso das provas, os autores concluiram que ambos os mecanismos propostos podem ocorrer. Eles conservadoramente assumiram que um mecanismo de acção mutagénico determina a baixa dose-resposta e que a estimulação de crescimento provavelmente domina em altas doses de AA (Dourson et

al., 2008). O evento não genotóxico em causa nesta situação seria a alteração de uma

via de transdução de sinal, levando a um estímulo constante de proliferação celular em células foliculares da tiróide e eventual progressão para adenomas das células foliculares (Dourson et al., 2008).

No caso dos tumores da glândula mamária só existe uma leve suspeita de alterações a nível endócrino, principalmente surgida em recentes dados epidemiológicos. Nestes, tal como referido anteriormente, existe uma maior associação de risco de cancro de mama humano quando correlacionada a ingestão de AA com um aumento de aductos de Hb e com ER positivo. Este dado pode sugerir que a acrilamida pode provocar cancro por vias não genotóxicas, como a alquilação de proteínas que poderiam alterar a função do ER (Olesen et al., 2008). Contudo, não existe nenhum estudo que corrobore esta hipótese.

O facto é que até à data, são limitados ou inexistentes os dados que suportam o envolvimento de um mecanismo de acção não genotóxico na cancerigénese associada à

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AA. Contudo, existem muitas provas irrefutáveis sobre a genotoxicidade da AA, nomeadamente do seu metabolito GA.

De um modo geral, ambos os mecanismos de acção na cancerigénese mamária não podem ser rejeitados com confiança e dadas as limitações dos estudos epidemiológicos, são necessários dados adicionais in vivo e in vitro que possam contribuir para o esclarecimento dos possíveis eventos genotóxicos da AA e GA neste tecido alvo.