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Potencial envolvimento de um mecanismo de stress oxidativo

+ Homogeneização Absorvância λ = 595 nm

4.3. Potencial envolvimento de um mecanismo de stress oxidativo

Nos últimos anos, a indução de lesões oxidativas no DNA por ROS tem sido implicada na mutagénese e cancerigénese e, por isso, tem atraido extensiva atenção. Sabe-se que ROS induzem uma série de alterações moleculares dos componentes celulares, levando a mudanças na morfologia e viabilidade celular (Sies, 1997).

No organismo, vários sistemas de captação de ROS intracelular actuam para prevenir a alteração fisiológica da célula. Contudo, durante a acção tóxica ou estados patológicos como cancro e doenças inflamatórias, a elevada formação de ROS excede a capacidade dos antioxidantes celulares, o que promove um stress oxidativo nocivo (Sies, 1997).

4.3.1. Efeito de antioxidantes na citotoxicidade da glicidamida

As enzimas antioxidantes têm a capacidade de processar as ROS do meio intracelular, desempenhando uma função crucial na via de stress oxidativo. O maior sistema enzimático antioxidante celular é composto pelas superóxido dismutases (SOD), catalase (CAT) e glutationo peroxidase (Px) (Cecarini et al., 2007). Cada uma destas enzimas possui um papel específico na destoxificação de ROS formadas naturalmente no interior das células aeróbias e/ou por acção tóxica. Vários estudos in

vitro observaram a capacidade de captação de ROS por parte deste sistema de defesa

celular para aferir acerca da via de lesão oxidativa dos agentes químicos e físicos (Simons et al., 2007; Cao et al., 2008).

Com base nos resultados obtidos para o maior agente antioxidante intracelular (GSH), a hipótese de um mecanismo citotóxico da GA pela via de stress oxidativo não pode ser ignorada. Neste sentido, para determinar se o stress oxidativo contribui para os

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efeitos citotóxicos da GA, utilizaram-se três antioxidantes: duas enzimas na forma peguilada – a CuZn-SOD peguilada e a CAT peguilada – e um antioxidante catalítico sintético – o SOD mimético MnTE-2-PyP.

As enzimas antioxidantes não conjugadas com o polietilenoglicol (PEG) podem não ter acesso aos locais intracelulares de geração de ROS, podendo também sofrer proteólise aquando da sua utilização em sistemas celulares. Beckman et al. (1988), reportaram que a conjugação covalente de SOD e CAT com PEG aumenta o tempo de semi-vida dessas enzimas e reduz a sua imunogenicidade e sensibilidade à proteólise intracelular. Para além disso, o PEG, devido às suas propriedades de superfície activa e consequente indução da fusão celular, permite aumentar a associação celular dessas enzimas de uma forma que aumenta a actividade enzimática celular, providenciando assim, uma prolongada protecção por redução parcial de ROS (Beckman et al., 1988). Deste modo, um acréscimo controlado da actividade específica da SOD-PEG e CAT- PEG pode ajudar a definir os mecanismos de acção tóxica nos tecidos, mediada por superóxido e peróxido de hidrogénio, respectivamente.

Os resultados de um conjunto de experiências, usando o ensaio de redução do MTT, são apresentados na Figura 12. As enzimas CAT-PEG e SOD-PEG foram utilizadas na concentração de 50 U/mL, conforme descrito na literatura (Cao et al., 2008). Nas concentrações referidas, ambas as enzimas apresentaram uma viabilidade celular da mesma ordem de grandeza dos controlos negativos (~100% e 101%, respectivamente) (Figura 12A e 12B). Os resultados indicaram que o tratamento com CAT-PEG (Figura 12A) ou SOD-PEG (Figura 12B), se reflecte num decréscimo muito ligeiro da viabilidade celular das MCF10A tratadas com 1 mM de GA, não sendo este valor significativo, nem possuidor de significado biológico. Desta forma, é possível concluir que estas enzimas não parecem ter qualquer efeito protector em relação à GA. Considerando que cada uma destas enzimas actua de forma específica na eliminação das ROS formadas, o efeito do peróxido de hidrogénio e do radical superóxido não se relacionou com o efeito citotóxico da GA. A ligeira diminuição da viabilidade celular observada poderá reflectir a variabilidade inerente ao ensaio do MTT, ou um eventual efeito das enzimas a nível da progressão do ciclo celular. No entanto, é de salientar que na ausência de GA, a exposição das células a CAT-PEG e SOD-PEG não mostrou, na concentração estudada, qualquer efeito na viabilidade das células MCF10A.

Alguns autores referem que se obtêm melhores resultados para o efeito protector de citotoxicidade, com a utilização simultânea de SOD e CAT (Luo et al., 1999; Simons et

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al., 2007). Para além disso, referem que nessas situações, algumas vezes não conseguem

verificar protecção significativa com as enzimas isoladamente. A presença única de SOD mostrou não ter efeito protector em concentrações que são suficientes para aumentar a actividade de 50% de SOD quando combinada com a CAT (Luo et al., 1999). Estudos adicionais no âmbito deste trabalho poderão ajudar a esclarecer se o uso conjunto destas enzimas terá algum efeito sobre os resultados obtidos.

Um estudo adicional foi realizado por utilização de um antioxidante catalítico sintético (MnTE-2-PyP), um composto mimético da SOD. As porfirinas de manganês (MnPs) estão entre os mais eficientes antioxidantes catalíticos e têm mostrado efeitos notáveis em diferentes modelos de stress oxidativo (Patel and Day, 1999). Estes compostos têm a capacidade de destoxificar uma vasta gama de ROS, ou seja, O2•,

ONOO-, e radicais peroxilo (Patel and Day, 1999). A actividade tipo SOD da porfirina de manganês envolve a redução alternada e oxidação do centro de manganês, o que resulta em mudanças da valência entre Mn (III) e Mn (II), à semelhança das SODs nativas (Batinic-Haberle et al., 1998). A MnTE-2-PyP, em particular, possui características importantes de um antioxidante catalítico polifuncional, tal como possui elevada permeabilidade celular, solubilidade em água, uma taxa catalítica constante de dismutação de O2• e capacidade de inibir a peroxidação lipídica (Batini -Haberle et al.,

2002; Fernandes et al., 2010).

Neste sentido, a MnTE-2-PyP foi usada neste trabalho como um agente protector para a formação de uma vasta gama de ROS após tratamento com GA, na concentração de 1 µM e 5 µM. Estas concentrações encontram-se descritas na literatura como suficientemente protectoras contra a acção citotóxica do tert-butil-hidroperóxido (TBHP), um análogo de hidroperóxidos lipídicos (Fernandes et al., 2010). Com os nossos resultados (Figura 12C) observou-se que a viabilidade celular na presença de 1 mM de GA em células MCF10A (~68%) foi da mesma ordem de grandeza das células que sofreram co-tratamento com o SODm, nas duas concentrações testadas. No âmbito deste trabalho não foi testada a citotoxicidade do SODm per se em MCF10A. No entanto, resultados não publicados do nosso laboratório com estas células mostraram ausência de citotoxicidade deste SODm na concentração de 25 µM (24h; n=2).

Em suma, não se constatou um efeito protector para o efeito citotóxico da GA por parte do antioxidante catalítico sintético.

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Figura 12. Efeito de antioxidantes na viabilidade celular induzida pela glicidamida (GA 1 mM; 24 h de co-incubação) em células MCF10A, determinado pela redução do MTT e apresentado como percentagem relativa ao controlo de células não expostas. (A) Efeito da CAT-Peguilada (50 U/mL). (B) Efeito da SOD-Peguilada (50 U/mL). (C) Efeito da SOD mimético (MnTE-2-PyP 1 e 5 µM). Cada barra corresponde à média aritmética ± desvio padrão de duas experiências independentes (CAT-PEG e SOD- PEG; n=2) ou três experiências independentes (MnTE-2-PyP; n=3).

0 20 40 60 80 100 120 Controlo GA 1mM V ia bi li da de C el ul ar ( % ) sem CAT-PEG CAT-PEG 50U/mL 0 20 40 60 80 100 120 Controlo GA 1mM V ia bi li da de C el ul ar ( % ) sem SOD-PEG SOD-PEG 50U/mL 0 20 40 60 80 100 120 Controlo GA 1mM V ia bi li da de C el ul ar ( % )

sem MnTE MnTE 1 µM MnTE 5 µM

A

B

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Num estudo in vitro anterior, CAT-PEG e SOD-PEG mostraram ter uma acção protectora proeminente e ligeira, respectivamente, na citotoxicidade da AA, que aconteceu em simultâneo com um aumento da produção de ROS intracelular, mostrando uma dependência directa da acção citotóxica da AA em relação à produção de peróxido de hidrogénio (Cao et al., 2008). Adicionalmente, em modelo animal, a AA não só foi associada com um aumento da concentração de substâncias reactivas com o ácido tiobarbitúrico (marcador da extensão da peroxidação lipídica), como também com aumentos na actividade da SOD e reduções significativas dos teores proteicos e de grupos SH em diferentes tecidos (Yousef and El-Demerdash, 2006). Se por um lado, o aumento da peroxidação lipídica podia ser consequência da deplecção de GSH para níveis críticos, devido à destoxificação da AA por conjugação (Fuhr et al., 2006), por outro, o exacerbar da actividade da SOD podia também ser vista como uma consequência da formação de superóxido durante a sua toxicidade. Visto que in vivo a AA é metabolizada a GA (Sumner et al., 1999; Doroshyenko et al., 2009), de alguma forma as alterações do status oxidativo em modelo animal reportadas podiam estar associadas também à GA.

Embora alguns autores tenham reportado a formação de ROS em células de mamífero tratadas com AA (Jiang et al., 2007; Zhang et al., 2009), os resultados do estudo do efeito de antioxidantes nas MCF10A, não apresentam correlação entre formação de ROS e citotoxicidade da GA. Na presença de algumas das principais enzimas da via oxidante, não ocorre destoxificação deste composto nas nossas condições experimentais.

No caso de o mecanismo de acção citotóxico da GA em MCF10A ocorrer por intermédio do aumento intracelular de ROS, seria expectável que pelo menos um dos agentes antioxidantes utilizados aumentasse a viabilidade celular das células expostas à GA, principalmente porque, a conjugação extracelular da GA não foi muito significativa. Contudo, os resultados obtidos não demonstraram uma acção antioxidante inibitória da citotoxicidade da GA.

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4.3.2. Quantificação de espécies reactivas de oxigénio

A produção de ROS intracelular foi medida usando uma sonda sensível a diferentes ROS, a DHR123 na concentração de 10 µM (Crow, 1997). Esta sonda, facilmente atravessa a membrana e a sua oxidação por ROS transforma-a na fluorescente rodamina (Crow, 1997). Desta forma, serve como sonda fluorogénica para detectar actividade oxidativa nas células e tecidos, nos quais as mudanças na intensidade de fluorescência da DHR123 reflectem os teores intracelulares de ROS.

Na abordagem seguida, o TBHP foi submetido exactamente e em simultâneo às mesmas condições da experiência, funcionando como controlo positivo. Este indutor de stress oxidativo mimetiza o efeito tóxico dos ácidos gordos peroxidados, sendo amplamente usado como modelo de peroxidação lipídica (Park et al., 2002b; Lazze et

al., 2003). O TBHP penetra facilmente nas membranas celulares (Awe and Adeagbo,

2002) e pode gerar radicais peroxilo (Piret et al., 2004) e aniões superóxido (Awe and Adeagbo, 2002). Consequentemente, a sua citotoxicidade pode ocorrer por alterações na permeabilidade das mitocôndrias (Piret et al., 2004), lesões oxidativas do DNA, peroxidação lípidica (Lazze et al., 2003) e apoptose (Piret et al., 2004). Além disso, o TBHP promove a deplecção de GSH no interior da célula (Lazze et al., 2003).

Inicialmente, foi efectuado um estudo cinético que consistiu na exposição concomitante das células MCF10A à sonda permeável e à GA, com medições fluorogénicas de acompanhamento durante 2h 20min (como descrito em 3.2.3). Este estudo, possibilitou não só verificar que o período de incubação das células com os compostos permitia um aumento na intensidade de fluorescência sem uma citotoxicidade pronunciada em todas as culturas celulares, como também garantir a existência de um valor mensurável no fim do tempo de incubação. Durante a análise observou-se uma oxidação da sonda nas várias culturas celulares de forma dependente do tempo de incubação, inclusivamente para o controlo positivo na concentração escolhida. Os níveis de ROS nas células tratadas com GA durante o time course corresponderam sempre aos níveis das células controlo (resultados não apresentados).

Em seguida, foi adoptado um protocolo delineado para a determinação dos teores intracelulares de ROS. Este consistiu na remoção total da sonda extracelular (excesso que não chegou a entrar nas células) e do composto tóxico, após finalização do período de incubação, de modo a efectuar-se uma leitura final determinante dos níveis

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intracelulares de ROS. Os resultados correspondentes aos níveis intracelulares de ROS em células MCF10A tratadas com GA são apresentados na Figura 13.

Da análise gráfica, observa-se que qualquer concentração de GA não diferiu significativamente do controlo negativo. De facto, a intensidade de fluorescência (relativa às células controlo), observada nas células tratadas com qualquer uma das concentrações de GA, correspondeu à mesma ordem de grandeza do controlo negativo, não apresentando significado estatístico, nem correlação com o aumento da concentração de GA. Os valores medidos nas duas experiências independentes efectuadas foram concordantes entre si.

Figura 13. Efeito da glicidamida nos níveis intracelulares de ROS em células MCF10A, avaliado por oxidação de DHR123. Os dados correspondem à média aritmética ± desvio padrão de unidades de fluorescência relativa (UFR) expressos em percentagem relativa ao controlo de células não expostas. Foram realizadas duas experiências independentes (n=2). Ter-butilhidroperóxido (200 µM) foi utilizado como controlo positivo.

Uma das hipóteses colocadas que poderia explicar de alguma forma os resultados obtidos, foi se a produção basal de ROS nas células MCF10A não seria suficientemente elevada que por saturação da sonda fossem impossibilitados aumentos da intensidade de fluorescência na presença de GA. No entanto, esta hipótese não parece ser plausível quando se verifica que para o TBHP a % obtida de UFR (~ 600) é 500 vezes superior ao valor das células não expostas, o que comprovou a não saturação da sonda. Por outro lado, devido à extensa gama de ROS detectáveis pela sonda DHR123, nomeadamente o

0 100 200 300 400 500 600 700 0,0 0,25 0,5 1,0 2,0 3,0 4,0 TBHP U F R ( % ) Glicidamida (mM)

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radical hidróxilo (•OH), o anião radical carbonato (CO3•-), o radical dióxido de azoto

(NO2•), o anião peroxinitrito (ONOO-) e o peróxido de hidrogénio (H2O2), este último

capaz de oxidar a sonda a rodamina devido à existência de catalisadores no interior das células (Wardman, 2007), os nossos resultados sugerem que a GA, nas concentrações testadas, não influencia os teores intracelulares de ROS nas células MCF10A. Além disso, o antioxidante catalítico sintético e ambas as enzimas peguiladas não influíram sobre a citotoxicidade da GA, sugerindo no seu conjunto que ROS não estão envolvidos nos efeitos tóxicos deste composto, pelo menos no modelo celular utilizado.

Correlacionando os resultados obtidos neste ponto com os resultados obtidos nos ensaios de modulação de GSH, tudo indica que o papel de GSH na destoxificação da GA não está relacionado com as espécies reactivas. A acção protectora verificada para o GSH parece acontecer por via de conjugação com o composto tóxico. Presumivelmente, a GA conjuga com o GSH via GST, dando origem a ácidos mercaptúricos, o que resulta na diminuição da quantidade de GA disponível para lesão citotóxica.

Embora vários estudos tenham associado a citotoxicidade e genotoxicidade da AA

per se à diminuição do sistema de defesa oxidativo nas células de mamífero (Park et al.,

2002a; Puppel et al., 2005; Zhang et al., 2009) e às modificações oxidativas nas bases do DNA (Blasiak et al., 2004; Jiang et al., 2007; Zhang et al., 2009), no caso particular da GA em si muito poucos resultados têm sido descritos e de acordo com os resultados obtidos com o presente estudo, a via de stress oxidativo não parece estar implicada na citotoxicidade da GA.