• Nenhum resultado encontrado

Evidências de tumores do tecido mamário em humanos

1.5. Acrilamida como provável cancerígeno humano

1.5.3.1. Evidências de tumores do tecido mamário em humanos

Os dados epidemiológicos de avalição do risco de cancro de mama, tal como para os restantes endpoints tumorais, face a uma exposição alimentar à AA, são limitados e inconsistentes (Mucci et al., 2005; Pelucchi et al., 2006; Hogervorst et al., 2007; Larsson et al., 2009a; Wilson et al., 2009b; Burley et al., 2010). Sendo que, a maioria deles, não encontrou evidência para uma relação causal entre consumo de AA e risco de cancro de mama. A Tabela VI resume os resultados de alguns estudos existentes de AA na dieta e cancro de mama.

Tabela VI. Estudos epidemiológicos de ingestão de acrilamida através da dieta e risco de cancro de mama.

NM – valor não mencionado/indeterminado; QFA – questionário de frequência alimentar; RR – risco relativo; IC – intervalo de confiança; Q1 – mínimo quintil/quartil; Q5 – máximo quintil; Q4 – máximo quartil; ER+ – receptor de estrogénio positivo; PR+ – receptor de progesterona positivo; ER+PR+ – ambos os receptores hormonais positivos; ER-PR- – ambos os receptores hormonais negativos; (a) RR: para o mais alto versus o mais baixo quintil de ingestão de AA; (b) RR: para uma adicional porção de batatas fritas por semana na idade pré- escolar; (c) RR: para um aumento de 10 vezes em aductos AA-Hb; (d) RR: para o mais alto versus o mais baixo quartil de ingestão de AA.

Nome do estudo/Desenho População Tamanho da amostra Acesso à dieta

Ingestão média (µg AA/dia) Principais conclusões

RR (95% IC)

P-value

Tendência Referência

Mínimo Máximo

Coorte

Women’s Lifestyle and Health

Sueca; 34-44 anos 91% Pré-menopausa 43404 667 casos QFA 80 itens 12,0 (Q1) 44,0 (Q5) (a) 1,19 (0,91–1,55) NM Mucci et al. (2005) Caso-controlo Hospitalar Italiana e Suíça;

Idade média 55 anos; 2900 casos; 3122 controlos QFA 78 itens <10,6 >34,3 (a) 1,06 (0,88–1,28) 0,37 Peluchi et al. (2006) Nurse’s Mother’s Study

(Caso-controlo)

Americana; 40-72 anos; 582 casos; 1569 controlos

QFA 30 itens

NM NM (b) 1,27 (1,12–1,44) NM

Michels et al. (2006) Coorte/subcoorte Holandês Holandesa; 55-69 anos

100% Pós- menopausa 66573/2589 1835 casos QFA 150 itens 9,5 (Q1) 36,8 (Q5) (a) 0,93 (0,73–1,19) 0,79 Hogervorst et al. (2007) The Danish Diet, Cancer and Health

Study (Caso-controlo) Dinamarquesa; 50-64 anos; Pós- menopausa 374 casos; 374 controlos Aductos de AA-Hb 20 pmol/g globina 209pmol/ g globina (c) 1,9 (0,9–4,0)

2,7 (1,1–6,6) ER+ 0,08 0,03 Olesen et al. (2008) Coorte

The Swedish Mammography

Sueca; 49-83 anos 61433 2952 casos QFA 1 e 2 67 itens 96 itens 16,9 (Q1) 32,5 (Q4) (d) 0,91 (0,80–1,02) 0,89 (0,74–1,08) ER+PR+ 1,17 (0,84–1,64) ER+PR- 0,91 (0,61–1,38) ER-PR- 0,06 0,22 0,76 0,64

Larsson et al. (2009a) Coorte

Nurses’ Health Study II

Americana; 25-42 anos

100% Pré-menopausa 90628 1179 casos QFA 130 itens 10,8 (Q1) 37,8 (Q5) (a) 0,92 (0,76–1,11) 0,61 Wilson et al. (2009b) Coorte

The United Kingdom Women’s

Britânicas; 35-69 anos 47% Pré-menopausa 33731 1084 casos QFA 217 itens 6,0 (Q1) 32,0 (Q5) (a) 1,08 (0,98–1,18) 1,20 (1,00–1,30) PRÉ-MENOP. 1,00 (0,90–1,10) PÓS-MENOP. 0,10 0,008 0,99 Burley et al. (2010) Coorte Holandês Holandesa; 55-69 anos

100% Pós-menopausa 62573 2225 casos QFA 150 itens 9,5 (Q1) 36,8 (Q5) (a) 1,15 (0,86–1,53) 1,31 (0,87–1,97) ER+ 1,47 (0,86–2,51) PR+ 1,43 (0,83–2,46) ER+PR+ 0,90 (0,48–1,68) ER-PR- 0,48 0,26 0,14 0,16 0,80 Pedersen et al. (2010) Coorte

Nurses’ Health Study

Americana; 30-55 anos 88672 6301 casos QFA 61 itens 116 itens 9,0 (Q1) 26,0 (Q5) (a) 0,95 (0,87–1,03) 0,99 (0,87–1,13) ER+PR+ 1,04 (0,80–1,34) ER+PR- 1,09 (0,63–1,87) ER-PR+ 0,88 (0,70–1,11) ER-PR- 0,50 0,99 0,88 0,35 0,52 Wilson et al. (2010) - 4 6 -

- 47 -

Apenas, muito recentemente, os estudos examinaram se a associação entre a exposição à AA através da dieta e o risco de cancro de mama difere de acordo com o

status do receptor hormonal do tumor da mama (Olesen et al., 2008; Larsson et al.,

2009a; Wilson et al., 2009b; Pedersen et al., 2010; Wilson et al., 2010) e apenas um deles utilizou biomarcadores de exposição (AA-Hb e GA-Hb) na avaliação (Olesen et

al., 2008).

Um estudo caso-controlo, sobre a população feminina americana, referiu um risco ténue de cancro de mama numa altura tardia na vida, associado ao consumo de batatas fritas durante o período pré-escolar (Michels et al., 2006). Os investigadores analisaram a hipótese de a dieta durante a idade pré-escolar poder implicar um risco de cancro na vida adulta num grupo de 582 mulheres com neoplasia mamária e 1569 controlos. Apesar de estar descrito que uma dieta rica em carbohidratos durante a puberdade afecta o crescimento da glândula mamária e aumenta a ocorrência de lesões pré-cancerígenas na vida adulta (Willett, 1987), existe uma considerável incerteza na base utilizada para obter os dados de consumo. Os próprios autores referem que o recordar diferencial, por meio da aplicação de um questionário às mães dos casos e controlos para avaliação das dietas dos filhos na pré-escola, numa estimativa de 40-60 anos anteriores e sem nenhuma informação sobre o teor de AA nos alimentos da dieta nessa altura, deve ser considerado como uma possível explicação para a associação observada. Os autores incentivam ainda à realização de outros estudos que avaliem se a associação entre a dieta pré-escolar e neoplasia mamária é reprodutível em dados prospectivos não sujeitos à polarização da memória (Michels et al., 2006).

Num dos primeiros estudos de coorte realizados, constituído por 43404 mulheres suecas maioritariamente pré-menopáusicas, o quintil mais elevado apresentou um pequeno aumento no risco relativo de cancro de mama em comparação com o quintil mais baixo. No entanto, o efeito observado não foi significativo e não houve nenhuma evidência de uma dose-resposta linear entre quantidade de AA consumida e risco de cancro (Mucci et al., 2005). Um segundo estudo caso-controlo italiano/suíço, usando dados de um sistema integrado de redes hospitalares, consistindo em 2900 casos e 3122 controlos, também não mostrou um efeito cancerígeno significativo no tecido mamário relacionado com o aumento da ingestão de AA (Pelucchi et al., 2006).

Em 2007, Hagersvost e colaboradores publicaram um estudo prospectivo de grande porte realizado na população feminina holandesa (coorte de 62573 mulheres), mais especificamente num subcoorte aleatório de 2589 mulheres com idades entre os 55 e os

- 48 -

69 anos. Após o acompanhamento por 11,3 anos foram documentados 327, 300 e 1835 casos de cancro do endométrio, ovário e mama, respectivamente. As conclusões dos autores, após eliminação do parâmetro fumo do tabaco (uma importante fonte de AA) em subgrupos, foram o aumento de risco de mulheres menopáusicas com cancro do endométrio e do ovário com o aumento da ingestão de AA na dieta, particularmente entre não fumadoras. O risco de cancro de mama não foi associado com a ingestão de AA, mesmo sendo a neoplasia com um maior número de casos observados (Tabela V) (Hogervorst et al., 2007).

Nos estudos referidos, Mucci et al. (2005), Pelucchi et al. (2006) e Hogervorst et al. (2007) avaliaram a ingestão de AA na dieta das mulheres através de um QFA e, em todos os casos não foi encontrada evidência significativa de um risco elevado de cancro de mama. Contudo, cada um destes estudos foi limitado pelas incertezas nas avaliações de exposição, sobretudo porque os QFA têm como imprecisa as estimativas de ingestão de AA (Wilson et al., 2006; Mucci and Wilson, 2008). Recentemente, Burley et al. (2010), utilizando o mesmo sistema de avaliação de ingestão de AA num coorte de 33731 mulheres do Reino Unido com idades entre os 35 e 69 anos, reportaram uma fraca associação positiva entre a ingestão de AA na dieta e cancro de mama antes da menopausa, após ajuste para potenciais factores confundentes. Os mesmos autores referiram a ausência de evidência ou sugestão de uma associação global ou na pós- menopausa, no total dos 1084 casos de incidência de cancro de mama que ocorreram durante os 11 anos de acompanhamento do coorte. Contudo, é referido no estudo que as participantes pós-menopáusicas (maioria) tinham uma perspectiva de saúde consciente, ou seja com taxas de fumo relativamente baixas, baixo índice corporal e menores consumos de AA que reflectem os hábitos alimentares da população de meia idade do Reino Unido do sexo feminino. Nomeadamente, apresentaram um consumo relativamente baixo de batatas fritas, em geral preferiam chá ao café ou consumo de um café mais fraco do que noutros países. Por conseguinte, é possível que neste estudo tenha sido utilizada uma sobre representação de padrões mais saudáveis.

Um estudo de coorte nos Países Baixos encontrou indícios de uma associação positiva entre o consumo e um subgrupo com receptores hormonais positivos de mama (estrogénio (ER) e progesterona (PR)) em mulheres pós-menopáusicas, que nunca fumaram (Pedersen et al., 2010). Esta não foi estatisticamente significativa e os autores reconheceram a necessidade de mais estudos para confirmar ou refutar esta associação. No entanto, há outras evidências de que a AA pode interferir com o sistema hormonal

- 49 -

(Hogervorst et al., 2010). Dois anos antes, um estudo desenhado dentro de um coorte de mulheres dinamarquesas (Olesen et al., 2008) também já tinha reportado um aumento de risco de cancro de mama ER+. Da literatura epidemiológica associada à neoplasia do tecido mamário este foi o único estudo que utilizou biomarcadores de exposição nas estimativas de ingestão, observando uma ingestão média de AA de 0,57 µg/Kg pc/dia (~2 vezes superior à maioria dos estudos). Olesen et al. (2008) mediram os níveis de AA e GA vinculados à Hb em 374 casos e 374 controlos de mulheres pós- menopáusicas. Após ajuste estatístico para as fumadoras, as mulheres com níveis altos de AA-Hb apresentaram 2,7 vezes maior risco de cancro de mama ER+ em comparação com as mulheres com níveis baixos de AA-Hb, um incremento de 10 vezes nos níveis de AA-Hb. No entanto, não foi encontrada nenhuma associação significativa entre os níveis de AA-Hb e o risco global de cancro de mama, com ou sem ajuste para fumadores e outros factores confundentes. Os investigadores também reportaram uma fraca associação entre os níveis de GA-Hb e a incidência de cancro de mama ER+.

Embora o estudo do coorte dinamarquês seja muito importante devido à utilização de biomarcadores é limitado pelo número relativamente pequeno de indivíduos e das incertezas quanto à extrapolação da exposição da AA para uma vida inteira de exposição, quando foi avaliada por apenas alguns meses de medições do aducto AA-Hb (Olesen et al., 2008). Além disso, não é claro que a utilização de um ajuste multivariável para fumadores neste caso, dada a contribuição do fumo do tabaco para os níveis de aductos, ofereça um controlo adequado na confusão de contribuições. Para maiores certezas, este estudo deveria ser repetido num maior número de mulheres não fumadoras (Olesen et al., 2008).

Recentemente, Larsson et al. (2009), investigaram a incidência de cancro de mama globalmente e por status de ER e PR, num coorte de base populacional de mulheres suecas composto por 61433 mulheres. Durante o seguimento médio de 17,4 anos, foram diagnosticados no coorte um total de 2952 casos incidentes de cancro de mama e da análise multivariada controlada por factores de risco, verificou-se que não existia uma associação significativa entre ingestão de AA a longo prazo (avaliada no inicio 1987 e em 1997) e o risco de cancro de mama global ou por status dos receptores hormonais. Além disso, verificou-se também que a associação entre a ingestão de AA e o risco de cancro de mama não diferiu entre fumadores e não fumadores (Larsson et al., 2009a). Num estudo semelhante, Wilson et al. (2009b), num coorte de 90628 mulheres americanas pré-menopáusicas, documentaram 1179 casos de cancro de mama invasivo

- 50 -

na pós-menopausa, sem evidência de que a ingestão de alimentos ricos em AA na pré- menopausa, dentro da gama de dietas dos E.U.A, estivesse associada a um aumento de cancro de mama na pós-menopausa. Os autores referem também resultados similares independentemente dos hábitos de fumar ou do status do ER e PR, embora não tenham estratificado estes dois parâmetros devido a informação de dados incompleta.

Em comparação com os estudos de coorte holandês (Pedersen et al., 2010) e dinamarquês (Olesen et al., 2008), o estudo sueco (Larsson et al., 2009a) teve um intervalo de ingestão de AA consideravelmente menor, o que dificulta a observação de uma associação positiva, se a houver (Tabela VI). Além disso, não foram obtidos dados individuais sobre o teor de AA nos alimentos, mas foram usadas pesquisas específicas para a idade, o que pode ter resultado numa classificação errada e, assim, numa atenuação das estimativas de risco. Adicionalmente, os autores ajustaram o risco relativo da AA para o consumo de café e não mostraram resultados não ajustados. Este facto poderá ser questionável, uma vez que o café foi marcadamente a fonte de AA mais importante na população estudada e o ajuste pode levar a uma subestimação do efeito da mesma (Hogervorst et al., 2010).

No presente ano, outro estudo prospectivo num coorte de 88672 mulheres americanas entre os 30 e os 55 anos de idade onde ocorreram 6301 casos de cancro de mama invasivo, não revelou nenhuma associação entre a ingestão de AA e cancro de mama global ou de acordo com o status dos receptores hormonais, dentro da gama de dietas dos E.U.A. Contudo, os níveis de ingestão de AA no subgrupo com quintil mais elevado foram muito menores do que o reportado nos estudos descritos anteriormente (Tabela VI). Aliás, a média de ingestão de AA nos coortes americanos (0,32 µg/Kg pc/dia e 0,24 µg/Kg pc/dia) (Wilson et al., 2009b; Wilson et al., 2010) foi muito menor do que a apresentada na maioria dos restantes estudos, principalmente em relação ao estudo que mediu aductos de Hb (0,57 µg/Kg pc/dia) (Olesen et al., 2008)Existem vários aspectos importantes que diferem entre os vários estudos descritos e que podem ser a causa de resultados díspares. Entre elas, diferenças entre o número de itens que constaram do questionário, a forma como foi avaliada a ingestão (baseada em índices de frequência de consumo de alimentos ou em ambos, frequência e tamanho das porções), nas origens dos dados dos teores de AA nos alimentos e nos subgrupos que foram investigados (por exemplo, fumadores/não fumadores) (Hogervorst et al., 2010). Existem ainda outras limitações associadas como as grandes variações nos níveis de AA

- 51 -

entre os alimentos de diferentes marcas dentro da mesma categoria alimentar, bem como em diversas categorias alimentares (Svensson et al., 2003). Embora estes estudos sejam controlados para factores de risco de cancro de mama, não se pode rejeitar a possibilidade de existirem factores confundentes residuais a partir das variáveis descritas ou de outros factores dietéticos correlacionados com o consumo de AA (Larsson et al., 2009a).

As evidências de riscos de tumores mamários por ingestão de AA na dieta não são claras. Contudo, dada a ampla e contínua exposição a AA, mesmo pequenos aumentos nos riscos relativos podem ser importantes numa perspectiva de saúde pública. A possibilidade de fracas associações terem sido perdidas nos estudos prospectivos pelo uso dos QFA e pela difícil medição do teor de AA nos alimentos, tal como as incertezas associadas ao desenho dos estudos com associação significativa, não aceitam nem excluem de uma forma taxativa os riscos de cancro de mama na população feminina.