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AVALIAÇÃO DO PROCESSO CONSTITUINTE: VALEU A PENA PARTICIPAR?

CONQUISTAS CONSTITUCIONAIS

2. AVALIAÇÃO DO PROCESSO CONSTITUINTE: VALEU A PENA PARTICIPAR?

Ao cabo do processo constituinte, foram empreendidas várias avaliações sobre a Constituição, de como era, do que refletia, quais tinham sido os avanços e insucessos de toda a batalha e de qual seriam os próximos passos. '

Por ocasião do fim das votações em primeiro turnOj ainda em julho de 1988, o jornal Folha de São Pauío (17.7.88) publicou um quadro em que media a participação das várias organizações não-governamentais ha feitura do novo texto, mostrando as vitórias e as derrotas nos pontos principais. Pela importância do quadro, decidimos réproduzi-lo abaixo:

PARTICIPAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES NO CONGRESSO CONSTITUINTE

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Como se vê, reforça-se aqui, de maneira bem ciara, p que já se havia afirmado no capítulo anterior, demonstrando que houve ganhos importantes mas também algumas derrotas em pontos capitais. Isto reflete exatámentè o que foi a Assembléia Nacional Constituinte e, conseqüentemente, a Constituição por ela produzida. Não houve sucesso por parte de nenhum grupo, setor ou classe, na tentativa de imprimir à nova Carta Política uma feição conforme seus interesses. Portanto, não se pode dizer que houve hegemonia de tal ou qual setor. Podemos dizer, com segurança, confirmando uma hipótese lançada para a consecução deste trabalho, que a Constituição espelhou o que realmente era o Brasil da época, com pontos que configuram um verdadeiro pluralismo jurídico, assim também com outros que denotam o empenho da representação das oligarquias em barrar aqueles primeiros!

Justamente nesse particular radicam as críticas, vindas de todos os lados, de que a Constituição então promulgada carecia de um fio condutor, de uma coerência lógica que lhe desse um caráter unitário. Para José Eduardo Faria, partidário dessas críticas -mesmo que observando o fenômeno por outro viés -, apesar de não haver uma força hegemônica capaz de transformar a ordem jurídica vigente para colocá-la a serviço das novas práticas sociais (as manifestações de pluralismo jurídico dos novos movimentos sociais), dada a heterogeneidade político-ideológica dos constituintes, estes tiveram a capacidade suficiente para “recusar as soluções convencionais do constitucionalismo liberal”, o que resultou num texto “bem distante do figurino concebido pelo positivismo normativista que sempre permeou a cultura jurídica brasileira moderna”''^^ Uma das causas foi a forma de funcionamento estabelecida no regimento interno da Constituinte, com a opção (por contingência ou por pressão popular) pelo procedimento mais longo da elaboração dos textos a partir das subcomissões, sem um projeto prévio a lhe guiar os trabalhos, a exemplo do que aconteceria caso se utilizasse o projeto da Comissão Afonso Arinos ou se se estabelecesse uma Grande Comissão, nos moldes da de 1946. Assim, “os constituintes acabaram agindo em conformidade com as pressões contraditórias dos lobbies, das corporações e dos movimentos organizados”'*^'*.

Entretanto, não se pode deixar levar pelo mito de que a Constituição seria o coroamento da transição política, sua condição necessária e suficiente. Isto equivaleria a uma daquelas visões parciais a que nos referimos acima. Ou seja, o Brasil real pós- constituinte, ainda muito distante do Estado-Providência formalmente instituído, continuava a padecer dos mesmos vícios políticos, porque o Brasil real engendra uma gama de métodos ilegais e informais de gestão administrativa, privilegiando decisões tecnocráticas às regras do jogo democrático''^^

Talvez por isso, difundiu-se a idéia contrária de que a Constituição não representava os interesses populares - o que configura a outra, oposta, daquelas visões parciais. Para João Gilberto Lucas Coelho, no entanto, as emendas populares tiveram um peso importantíssimo no texto final da nova Carta:

'•“ op. cit., 1989, p. 19. ibidem, p. 18.

...até um determinado momento, final do primeiro turno da elaboração da Constituição, e até o fmal não deve ter mudado muito, mais de sessenta por cento daquelas oitenta e três emendas que cumpriram o regimento interno - das cento e vinte e duas emendas populares apresentadas - tiveram algum conteúdo na Constituição. Isso não quer dizer que a Constituição seja boa ou ruim, eu quero é desmistificar um a outra coisa que se contruiu logo a seguir e que é talvez responsável pela ressaca muita própria da história brasileira, é que se passou para a população que não valeu a pena participar, e isto foi péssimo. Não é, é que a participação também significa que a gente vai disputar o jogo com quem pensa diferente da gente. Então, houve participação a favor e contra a reform a agrária, houve participação a favor e contra determinados direitos ou determinadas normas. A participação significou também o conflito, obviamente, porque tinha cidadãos de um lado e cidadãos do outro. Agora, passou-se isso e foi uma pena porque ao contrário disso, na m inha opinião, a Constituição brasileira é fortemente m arcada por essas divergências."*“

Para José Paulo Bisol, apesar de todos os cortes realizados durante os trâmites do processo, “a Constituição era democrática. E era uma Constituição assim voltada para a cidadania. O cidadão não existia no Brasil. Realmente ela conseguiu criar essa idéia de cidadania, essa cultura do cidadão, isso nós não tínhamos. Isso foi a Constituinte que

criou”''^

Para a CNBB, a avaliação a ser empreendida certamente deveria ter como base o documento Por uma Nova Ordem Constitucional, comparando-o com o texto final da Constituição. E qual foi o resultado desta avaliação? Antes de mais nada, teve-se como sucesso, por si só, o processo de mobilização popular lutando por uma sociedade mais participativa. E, apesar de vários pontos em que não foi possível consagrar no texto reivindicações populares, a entidade acompanhou o entendimento de que não se pode concordar com a versão irresponsável de que as emendas populares de nada serviram, tendo sido desprezadas durante a elaboração da Carta Magna, uma vez que grande parte delas teve seus conteúdos acolhidos. O Conselho Permanente da CNBB expressou através de nota entitulada Texto constitucional: valores e expectativas, de 26/08/88, uma avaliação mais ampla, destacando o mérito da afirmação da cidadania como principal ponto de referência, como sempre defendido pela entidade, alargada para além dos limites tradicionais considerados pela ciência política. Também mereceram relevo os

‘'“ Cfe. FARIA, José Eduardo, op. cit., 1989, p. 81-84. ‘'^'^COELHO, João Gilberto Lucas. Entrevista (em anexo).

instrumentos jurídicos criados para fazer valer os preceitos constitucionais, como a ação direta de inconstitucionalidade, o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo, 0 habeas data e a ação popular. Entre os pontos considerados negativos, a Reforma Agrária e o não reconhecimento do direito à vida, desde a concepção''^^

Outra avaliação aconteceu por ocasião da Assembléia da CNBB, em abril de 1989, gravada no documento entitulado Exigências éticas da Ordem Democrática, que reconhece os obstáculos à consolidação democrática e ressalta as exigências para alcançá- la^^^

Para garantir a efetividade do texto constitucional, a vigília da CNBB se estendeu no sentido de popularizar a Constituição, de velar pela implementação das leis complementares e ordinárias que garantam a consolidação do arcabouço jurídico e de acompanhar os processos de elaboração das Constituições estaduais e das Leis Orgânicas dos Municípios. Ainda, é de se destacar a visita dos 11 bispos da Presidência e Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB ao Congresso Nacional, no dia 28/06/89, para entregar o documento Apelo ao Congresso Nacional, em que pedem a mais rápida aprovação das leis complementares exigidas pela Constituição''^®

Na visão de Dom Cândido Padin,

os setores populares, embora tenham despertado sua consciência e saibam o que devem defender, não têm meios de atuação política que garantam esses resultados e os grupos de chefia política são contrários a essas reivindicações. Então houve naturalmente uma predominância de interesses políticos no Congresso para dificultar a aprovação dessas propostas, sem dúvida nenhuma. M esmo assim, eu acho que o resultado foi extremamente positivo. A Constituição tem normas que jam ais se pensava serem possíveis no Brasil. Principalmente, a distinção... o ponto de partida é a definição do regime democrático, nos primeiros artigos da Constituição. Ali consta que ela se baseia na participação do povo - os direitos humanos devem constituir o objetivo principal da atuação do Congresso. Por isso, formou-se o que hoje em dia chamam as cláusulas pétreas da Constituição, os direitos individuais, e um capítulo novo que não havia nas anteriores constituições, os direitos coletivos, que é a garantia de defesa, por exemplo, dos sindicatos, que não podem mais sofrer intervenção do governo. Defesa de projetos de lei de origem popular - nunca houve no Brasil isso, está ali regulamentado o número de assinaturas que esses projetos devem apresentar, mas enfim é possível, seguindo esses princípios. Além do habeas corpus, o habeas data, é um a novidade, exigir a documentação que o governo tem sobre as pessoas -

"''C fe. CNBB, op. cit., p. 23-26. '‘^^idem, ibidem, p. 26-27. 430,

em relação ao regime m ilitar nem se fala, a gente não podia saber do que constava a seu respeito nos arquivos oficiais. Hoje é possível requisitar a publicação daquilo que constou sobre aquela pessoa. E assim outras coisas: salário mínimo, em bora isso não tenha sido realizado. Agora, por quê? Porque principalmente houve um a preocupação, isso por parte dos políticos de chefia política do Congresso, isto é, certos preceitos da Constituição que defendem direitos do povo estão sujeitos a uma regulam entação, quando se diz, de acordo com a lei, na forma da lei - isto significa que enquanto não houver uma lei regulamentando, o Congresso não está atendendo os desejos do povo"''.

A análise da então coordenadora do projeto empreendido pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ação Catarinense Pró-Constituinte e Constituição) não destoa das anteriores:

Todos saímos cansados, porque foi um trabalho de um ano, praticamente, mas satisfeitos com o resultado. O resultado que a gente esperava, objetivo, era fazer com que toda a comunidade - se a gente pudesse ter feito no Brasil seria m elhor ainda - participasse democraticamente de um processo democrático, visando a Constituição realmente como a Lei M aior de um país. E são pessoas que jam ais ouviam, tinham ouvido falar do que era uma Constituição, sabendo o que era, sabendo dos seus direitos, seus deveres. Nós temos certeza que depois disso aí as pessoas não foram mais as mesmas. Ficaram mais conscientes, pode ser coincidência ou não. M as houve, a partir daquela data, um grau de exigência, de cobrança m aior em relação aos nossos políticos, até no voto, a qualidade do voto também, porque tudo isso era enfatizado, além do que era uma Constituinte, o objetivo dela, a gente enfatizava qual era o papel do político, a responsabilidade do voto, do voto não ser vendido, tudo isso era colocado. Incomodava um pouco algumas pessoas, mas eu acho que depois disso nós conseguimos que as pessoas mudassem, se conscientizassem do papel da cidadania, todo 0 mundo ficou um pouquinho mais cidadão"'^.