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CONQUISTAS CONSTITUCIONAIS

5. A ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO GARANTIDOR DA CONSTITUIÇÃO

5.1 Críticas à estrutura do Supremo Tribunal Federal

O que nos interessa neste ponto é discutir como o Judiciário pode contribuir para garantir efetividade às normas constitucionais.

Muito se discutiu na Assembléia Nacional Constituinte, como visto no capítulo anterior, sobre a criação de um tribunal exclusivamente constitucional. Este tribunal teria

‘'^'STÉDILE, João Pedro. Os desafios da nova conjuntura. In: PARTIDO DOS TRABALHADORES. O m ovim ento p o p u la r e os desafios da nova c o n ju n tu ra (p rim e ira p arte). São Paulo: PT/Secretaria Nacional de M ovim entos Populares e Secretaria de Comunicação do Diretório Regional do PT-SP, s/d, p.

por atribuições somente aquelas afeitas ao controle de constitucionalidade, pelo que se dizia que funcionaria como um “guardião da Constituição”. Não tendo vingado aquela proposta, por força de um lobby muito forte dos integrantes do Supremo Tribunal Federal para que sua estrutura não fosse modificada, entretanto surtiu efeito uma alteração das competências do STF, diminuindo-as e voltando-as prioritariamente para a apreciação e julgamento de questões constitucionais''®^ Note-se que, assim, a composição e a forma de acesso aos cargos máximos do Judiciário no país continuaram como antes. Aliás, residem nestes aspectos as várias críticas, por ser um tribunal composto por Ministros nomeados pelo Presidente da República. Em tese, deveriam passar por uma sabatina no Senado - acontece, porém, que o Senado costuma legitimar, apenas referendar os nomes indicados sem maiores questionamentos (art. 101, caput e parágrafo único, CF). Isso levaria a um certo comprometimento daquele Ministro nomeado por um Presidente da República quando de um julgamento em que pesassem interesses palacianos, que ficaria propenso a levar em conta um sentimento de gratidão para com aquele que o nomeou. Outra crítica é que, sendo de livre nomeação do Presidente da República, nem sempre a pessoa mais competente, com maior gabarito técnico-profissional, com maior grau de conhecimento jurídico alcança o êxito em chegar àquele posto; de modo diverso, alguém que tenha tido alguma ligação mais próxima com o mais alto mandatário da Nação (reforce-se isto pelo nosso presidencialismo imperial), como um ex-Ministro de Estado, acaba por ter mais facilidade de merecer tamanha honraria''®^

Dois exemplos recentes vieram a engrossar o caldo das críticas à estrutura do Supremo: dois Ministros do STF pediram aposentadoria porque aceitaram convites de Presidentes da República para fazer parte de sua equipe de governo, tornando-se Ministros de Estado, especificamente os Ministros Célio Borja e Francisco Rezek.

De acordo com Dallari, num desses casos houve um desdobramento mais grave.

pois um dos M inistros permaneceu durante algum tempo com o cargo no Executivo e tempos depois foi novamente indicado para o Supremo Tribunal, voltando a ele com a

"“ De acordo com José Paulo Bisol, na entrevista em anexo, e Dalmo Dallari (O P o d e r dos Juizes. São Paulo: Saraiva, 1996). Contra, Nelson Jobim, também na Entrevista em anexo, para quem não houve pressão do STF.

aprovação do Senado, sendo, então, competente para julgar atos do governo a que tinha pertencido depois de deixar o Tribunal. Não houve ilegalidade form al nessa alternância “Supremo Tribunal - Poder Executivo - Supremo Tribunal” , m as foi seriamente questionado o aspecto ético, além de se difundir a idéia de que a condição de mem bro do Supremo Tribunal Federal deixou de ser a mais alta aspiração de um jurista brasileiro'"'’''.

Com certeza, todos estes dados pesam negativamente sobre a visão que se tenha do Supremo Tribunal do país. Na opinião franca do ex-senador Bisol, “com todo respeito aos caras que estão lá, ou por alguns deles, é um tribunal institucionalmente viciado, com alma de poder, com ranço de poder, um espírito que existe dentro dele como existem as coisas inconscientes dentro das pessoas, é algo que eles não conseguem dominar”'“’^

A solução para evitar a premiação dos “amigos do rei” estaria, para Dallari, num processo de escolha que envolvesse as entidades representativas dos advogados, juizes e do Ministério Público'^“ , à semelhança do projeto defendido por Bisol na Constituinte.

Ponto de vista contrário é defendido por Nelson Jobim. Na óptica do ex- constituinte, ex-Ministro da Justiça e atual Ministro do STF, a criação da Corte Constitucional não seria solução para essa luta por espaços de poder. Confira-se, a propósito, o seguinte trecho:

Sabe como se começou a chamar a Corte Constitucional? N ada mais era do que um a Corte corporativizada. A proposta era de que a composição da Corte fosse toda ela corporativa. Ou seja, ia-se pegar o Supremo Tribunal Federal, que tem o m odelo de composição da Suprema Corte Americana, e apropriar aquele grupo para as corporações. Tanto que a discussão era: tantos juizes de can-eira, tantos advogados, tantos promotores. Isto foi a característica da discussão do papel do Judiciário na Constituinte. E eu fui um dos grandes defensores dessa idéia. Fiz as vezes de “meio- cam po” num primeiro momento. Depois o M aurício Correa pegou mais adiante. Nós tínham os uma visão que, depois eu aprendi que estava errada, na época era honesta. N ós achávamos que nós íamos fazer uma grande reform a no Judiciário a partir de botar na m esa os operadores, os interessados, advogados, promotores. Fizemos um a grande discussão, com produção de textos, documentos. Fiz reuniões na O rdem dos A dvogados, de Brasília, lá na [avenida] W-3. Eu tenho um documento que eles assinaram, dizendo que concordavam com tudo. Mas as divergências que havia entre juizes, advogados e promotores não eram divergências que diziam respeito ao direito do cidadão, às formas de ter um procedimento mais acelerado. N ão era nada disso. Era um a divergência de espaço de poder. N a verdade, na verdade, a discussão sempre foi um a discussão de quem tem mais e quem tem menos, era um a partilha do poder do

"'^'■Op. cit., p. 114.

Entrevista, em anexo.

Estado entre as corporações. E aí os advogados queriam indicar, excluir do procedim ento de fixação o Legislativo e o Executivo. Queriam eles indicar os m embros“'*’’.

Pesadas as vantagens e desvantagens, parece-nos, ainda, ser menos arbitrária a escolha “corporativa” do que a nomeação deixada à escolha individual do ocupante da Presidência da República.

Outro argumento ainda hoje contrário à Corte Constitucional, também sustentado pelos dois Ministros do Supremo entrevistados é de que este modelo não funcionaria no Brasil, uma vez que o nosso sistema de controle de constitucionalidade, como sabido, é híbrido, por consagrar a um só tempo o controle difuso (incidental e concreto), desde 1891, e o sistema concentrado, do controle por ação (de norma in abstractó), presente desde 1934 para o fim de declaração de intervenção federal em Estado federado, e a partir de 1965 com caráter genérico. Em decorrência, ficaria prejudicada a possibilidade do acesso ao controle de constitucionalidade na via incidental, no sistema difuso, com a criação de uma Corte Constitucional''^*.

A par disso, mesmo com a manutenção dos dois sistemas e da estrutura do Supremo como anteriormente a 1988, houve uma modificação na importância da ação direta, com o aumento do rol de pessoas legitimadas para sua propositura, causando uma inversão na relação entre o sistema de controle concreto (difuso) e o sistema de controle abstrato (concentrado). Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes:

Não é menos certo, por outro lado, de que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou um a m udança substancial - ainda que não desejada - no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil. A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de

Entrevista, em anexo.

Jobim refere-se à questão nos seguintes termos: “Qual era a discussão? Criação de Corte Constitucional. Então, na discussão, eu era inicialmente favorável. Mas surgiu um problema, que foi discutido a pequena voz. Com a criação da Corte Constitucional, nós íamos criar problemas com relação ao controle concreto de constitucionalidade, o controle difuso. Era incompatível você pegar o modelo europeu e importar para um sistem a que era híbrido - tinha-se tornado híbrido a partir de 1965 -, o que importaria em um recuo. N ós recuaríamos. (...) Para nós criarmos um a Corte Constitucional, nós teríamos que adotar o modelo puro europeu, o que im portaria em renunciar ao modelo híbrido que os militares já tinham criado” . Veja-se também a entrevista, na íntegra, do M inistro Néri da Silveira, em que ele discorre magistralmente sobre o tem a do controle de constitucionalidade para defender sua posição.

constitucionalidade incidental ou difuso, ao ampliar, de forma m arcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103), perm itindo que praticamente todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam subm etidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas. Assim, se se cogitava anteriormente de um modelo misto de controle de constitucionalidade, é certo que o forte acento residia, ainda, no amplo e dominante sistema difuso de controle. O controle direto continuava a ser algo acidental e episódico dentro do sistema difuso. A Constituição de 1988 alterou, de m aneira radical, essa situação, conferindo ênfase não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, um a vez que as questões constitucinais passam a ser veiculadas, fundamentalmente, mediante ação direta de inconstitucionalidade perante 0 Supremo Tribunal Federal“'®.