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OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS COMO GRUPOS DE PRESSÃO

1. GRUPOS DE PRESSÃO

1.1 Delimitação do termo

A Ciência Política e a Teoria Constitucional têm-se debruçado sobre este tema, na medida em que os grupamentos influenciam as relações reais de poder numa sociedade, várias vezes de forma determinante, embora quase nunca de maneira institucionalizada.

Nem a teoria liberal clássica, com seu exacerbado individualismo, nem a teoria democrática de Rousseau, em que prevalece a idéia de vontade geral, previam a existência ou a atividade dos grupos intermédios entre o cidadão e o Estado'^®. Aliás, Bobbio, ao descrever e analisar o que denomina de “as promessas não cumpridas da democracia”, entre elas inclui que “a sociedade democrática é pluralista, não monística”, justamente pela existência dos grupos intermediários'^’. Isto como constatação de que, nos meados do século XX, “os Grupos de pressão aparecem como elemento já provavelmente ineliminável do processo político dentro dos sistemas democráticos” Para Bonavides, são uma realidade que tendem a ofuscar (ou já o fazem?) os partidos e os sindicatos, rumando para a institucionalização - como ocorreu com os partidos no amadurecimento do sistema democrático - o que, aliás, já ocorreu nos Estados Unidos, onde a atividade dos grupos é bem mais aceita do que em outros países'^l

'^°BOBBIO, Norberto. op. cit., 1992, p. 11, e PASQUINO, Gianfranco. Grupos de Pressão. In: BOBBIO, Norberto, M ATTEUCCI, Nicola, e PASQUINO, Gianfranco. D icionário de Política. 6. ed., vol. 1. Brasília: UnB, 1994, p. 570.

’^'op. c it, p. 22-23.

‘^^PASQUINO, Giapfranco. op. cit., p. 570 (grifado no original).

'^^BONAVIDES, Paulo. C iência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 428 e 434-435. Nos EUA, desde 1946, com o Federal Regulation o f Lobbying Act, foi regulada a atividade dos grupos que há m uito funcionavam junto ao legislativo. Murillo Aragão destaca que, em bora seja muito rigorosa no tocante à visibilidade das informações, a legislação norte-americana permite o registro de consultores e empresas de consultorias, mas condicionada à declaração anual dos custos das ações de influência praticadas. Já no Brasil, a Câmara dos Deputados reconhece institucionalmente os grupos de pressão, conferindo-lhes direito de registro, de encaminhamento de representações e de participação em audiências públicas, enquanto o Senado Federal evita o reconhecimento institucional. Não existe com pulsoriedade de credenciam ento (qualquer pessoa pode praticar o lobbying desde que sua ação não esteja tipificada no Código Penal) e, ainda, não existe obrigatoriedade (nem mesmo para as entidades credenciadas junto à Câm ara) de inform ar quais matérias legislativas lhes interessam e serão objeto de alguma ação de influência (ARAGÃO, Murillo. G ru p o s de P ressão no C ongresso N acional. São Paulo: Maltese, 1994, p. 100).

Mas a comprovada existência dos grupos de pressão é benéfica ou maléfica para a democracia? São fator de estabilidade ou de degeneração? Certamente, onde há um nível de corrupção grande, onde os grupos desempenham um papel dominante, a resposta será indicativa de uma grave crise desse sistema. E isto nos dará pistas para nossa análise adiante.

Garcia-Pelayo, em exposição realizada durante um seminário sobre Constituição e Grupos de Pressão na América Latina, perscruta a importância das organizações de interesse para a Teoria Constitucional. Partindo de uma óptica sistêmica, o autor considera as interrelações entre os subsistemas Estado e Sociedade para concluir que estes não são mais independentes, porém totalmente interdependentes. As organizações de interesse, embora não tenham o direito formal, na prática têm um verdadeiro direito 'adquirido de aconselhar e mesmo de ingerir nas decisões de governo’^'*. Esta interdependência faz perecer a distinção entre o público e o privado, entre as funções e os papéis políticos, de um lado, e as funções econômicas, sociais e culturais, de outro. É um pluralismo das grandes organizações, em que, citando o exemplo de Galbraith, se confere ao presidente da GM o direito estabelecido de ser recebido pelo Presidente dos EUA quando vai a Washington'^^

Então,

nos encontramos com dois níveis dentro do campo organizacional. Um constituído pelas grandes organizações com acesso premanente aos centros efetivos do poder estatal; outro constituído por tout le reste, quer dizer, pelos indivíduos e organizações m enores, as quais simplesmente reagem, mas não têm iniciativa de ação frente às

policies estatais [grifos no original]’^*.

Esta configuração de poder assemelha-se a uma sociedade estamental, em que somente as “castas” mais elevadas têm o privilégio das decisões sobre o destino da comunidade.

'^''GARCIA-PELAYO, Manuel. Las Organizaciones de interés y Teoria Constitucional. In: GARCIA- PELAYO et al. C o n stitu ció n y gru p o s de presión en A m érica L atin a. México: UNAM , 1977, p. 4. '"'G A RCIA -PELA Y O , M anuel, op. cit., p. 18-19.

A participação das organizações de interesses nas decisões estatais não é só um fato, mas, no ponto de vista- do eminente constitucionalista, é parte de um mecanismo necessário para o funcionamento da sociedade e do Estado de nosssos tempos, que escapa à institucionalização porque, mesmo onde essa tentativa ocorreu, não obteve sucesso.'^’

A posição acima apresentada, embora não deixe de ser relaista quanto à configuração de poder da sociedade, é carregada de conservadorismo, ao referendar a dominação dos grandes grupos econômicos em detrimento de tout le reste, aí incluídos os outros grupos que não têm acesso aos meandros burocráticos e, enfim, ao governo, como, na maioria das vezes, os movimentos sociais; portanto, sem força de influência nas decisões estatais. O renomado autor parece-nos posicionar-se, assim, passivamente ao lado da continuidade desta situação de apropriação do Estado pelos setores economicamente hegemônicos.

Norberto Bobbio coloca esta realidade entre mais uma das promessas não cumpridas da democracia: a representação política não é de todos, mas é representação dos interesses de alguns, que têm um acesso mais facilitado aos centros de poder'^®.

Ainda neste ponto, Paulo Bonavides recolhe vários argumentos contra e a favor da atuação dos grupos de prè^são. Entre os aspectos negativos, destaca-se que, entre tantos, os interesses particulares se sobrepõem ao bem-comum; os grupos vencem pela força, não pela razão ou bom senso; suas técnicas nem sempre são legítimas, como o suborno e a intimidação; eles promoveriam uma mistificação da opinião; há o perigo do fim da democracia representativa, com a assunção de uma “grupocracia”'^®. Por aspectos positivos tem-se entendido que o seu fim é legítimo, uma vez que dão um suporte de organização a interesses que não poderiam ser defendidos pelo cidadão solitariamente, dada a complexidade da tarefa governativa; que prestam função informativa á população, esclarecendo sobre pontos obscuros ou que não receberiam a devida atenção se não fosse a ação dos grupos, e (!) há autores que vêem como positiva a “despolitização” do conflito

'^’idem, ibidem, p. 22-23. ’^*op. cit., p. 24-26.

'^^Bonavides faz um a recolha das críticas, mas não é delas partidário. Entende que os grupos surgem em razão das deficiências do sistema representativo.

de classes, reduzindo-o a um conflito de interesses, garantindo a conservação do sistema capitalista'^“.

Mas o que caracteriza os grupos de pressão, ou grupos de interesse, ou lobbiesl De início, cumpre diferenciar o sentido dos termos que são utilizados como sinônimos.

A palavra lobby, de origem inglesa, significa saguão ou corredor. O lobbying é a prática dos membros de grupos que se acercam de burocratas ou parlamentares, nos corredores do Congresso ou nos saguões dos grandes hotéis onde estes se hospedam, na tentativa de influenciar-lhes as decisões'^'. A utilização de lobby com referência ao grupo em si, embora de uso comum, configura uma metonímia, pela qual a atividade realizada por um grupo passa a designar o próprio grupo. Ainda, deve-se ressaltar que, muitas vezes, o emprego do vocábulo é restrito a um determinado tipo de grupos de pressão, que se utiliza de certos meios e é proveniente de um setor econômico privilegiado. Esta é, aliás, a acepção, carregada de sentido pejorativo, pela qual os grupos de extração popular ou operária vão entender os seus fortes adversários ligados ao capital, que se utilizam não apenas de meios legais, mas abundantemente da corrupção'^l

A expressão grupos de interesse, por sua vez, embora seja a mais difundida, peca .pela extrema vagueza ou pela restrição de interesse a interesses econômicos'” .

'^°op. cit., p. 436-440.

'^'PASQUINO, Gianfranco. op. cit., p. 563. É exemplificativo o fato relatado em artigo intitulado “A Constituinte do Hotel Carlton”, publicado pela F olha de São P aulo, de 19.6.87, do ex-senador Severo Gomes, então relator da Comissão da Ordem Econôm ica da Assembléia Nacional Constituinte. O autor lança críticas às emendas aprovadas ao texto por ele elaborado (sem que o relatório original tenha sido votado), que configuram um retrocesso mesmo à Constituição de 1969, no tocante à definição de em presa nacional e à reform a agrária, por exemplo, tramadas num a Constituinte clandestina, realizada no Hotel Carlton, em Brasília, entre setores conservadores: os representantes do setor rural, da especulação im obiliária e do “entreguism o” .

'^"O Brasil, infelizmente, é escandalosamente pródigo em exemplos. Só para citar um: o envolvim ento da Em preiteira Norberto Odebrecht com contribuições de campanha e pagamento de comissões a parlam entares (os “anões do Orçamento”) para incluir obras no Orçamento da União, conforme investigado por Comissão Parlam entar de Inquérito e relatado na entrevista do ex-senador José Paulo Bisol, anexada ao final desta dissertação.

'^PA SQ U IN O , op. cit., p. 364. Entendimento semelhante vemos em Bonavides (op. cit., p. 427), para quem os grupos de interesse são potencialmente grupos de pressão, mas só o serão de fato quando passarem a exercer influência sobre o poder político para obtenção de alguma m edida governamental a favor de seus interesses.

Resta, então, o termo grupos de pressão, que indica, segundo Pasquino, “ao mesmo tempo, a existência de uma organização formal e a modalidade de ação do próprio grupo em vista da consecução de seus fins: a pressãó’\ que é

não tanto como pensam alguns autores, a possibilidade de obter acesso ao poder político, mas a possibilidade de recorrer a sanções negativas (punições) ou positivas (prêmios), a fim de assegurar a determinação imperativa dos valores sociais através do poder político'^''.