• Nenhum resultado encontrado

3 “O JOGO DA DIREITA” NA CONSTITUINTE

4. CONQUISTAS E INSUCESSOS

4.6 Mandado de injunção

Quanto a este instrumento, configura, com certeza, a maior das novidades constitucionais. Muito se discutiu e ainda se discute sobre sua extensão e eficácia.

Deve-se relembrar que a ação de inconstitucionalidade por omissão, como prevista e defendida por José Paulo Bisol, garantiria a eficácia plena de qualquer norma constitucional, dando-se a qualquer juiz o poder de emitir a norma específica ao cidadão que a requisitasse para gozar qualquer direito constitucional, o que concretizaria o texto constante do art. 5°, § 1°: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Com aquele instrumento, não haveria necessidade do mandado de injunção. Segundo Bisol:

''“‘'BISOL, José Paulo. Entrevista (em anexo).

'"’^Na imprensa, críticas foram feitas à opção pela versão mais restritiva, já que o cidadão que não pertencer a nenhum a das corporações ali elencadas ficará desamparado (cfe. Folha de S. Paulo, 2.9.87).

““ O citado art. 103 da CF, em seu § 2°, reza que “declarada a inconstitucionalidade por omissão de m edida para tornar efetiva norm a constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das

O mandado de injunção eu nem queria colocar, porque eu tinha colocado aquele mecanismo que sempre que não houvesse um a lei regulam entando o direito, o ju iz tinha que decidir e definir os princípios legais que estavam faltando. Esses princípios da sentença prevaleceriam até que o poder competente fizesse a norma. (...) Eu universalizava o direito da ação de inconstitucionalidade por omissão. Então ficava um a coisa boa. Não precisava do mandado de injunção. Mas o pessoal falava assim: “não, mas por um a questão de tradição constitucional vamos colocar o m andado de injunção” . Eu disse: olha, se passar essa parte aqui pode ser um bis in idem, m as vocês podem colocar porque provavelmente não passa isso aqui. E foi o que aconteceu, não passou aquilo ali, passou o mandado de injunção. E aí o Supremo Tribunal se encaregou de matá-lo''“''.

Entretanto, ainda no início dos trabalhos do Congresso Constituinte, o senador Virgílio Távora apresentou uma sugestão de norma constitucional nos seguintes termos:

Sempre que se caracterizar a inconstitucionalidade por omissão, conceder-se-á m andado de injunção, observado o rito processual estabelecido para o m andado de segurança.

Semelhante redação foi dada a outra sugestão de norma constitucional, assinada pelo senador Ruy Bacelar. No relatório da Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, o deputado Darcy Pozza assim escreveu:

Os direitos e garantias constantes desta Constituição têm a aplicação imediata. Conceder-se-á mandado de injunção para garantir direitos nela assegurados, não aplicados em razão da ausência de norm a regulamentadora, podendo ser requeridos em qualquer juízo ou tribunal, observadas as regras de competência da lei processual.

Após os acordos já citados por Bisol, este acolheu o mandado de injunção em seu relatório, onde consta:

Art. 34 - Conceder-se-á mandado de injunção, observado o rito processual do m andado de segurança, sempre que a falta de norma regulam entadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania do povo e à cidadania.

Na Comissão de Sistematização, foram feitas algumas alterações no texto, como a que retirou a referência ao rito processual do mandado de segurança, proposta pelo

providências necessárias e, em se tra ta n d o de ó rgão ad m in istrativ o , p a ra fazê-lo em trin ta d ias” (grifos nossos).

senador Fernando Henrique Cardoso e acatada no segundo substitutivo por Bernardo Cabral, que condicionou a aplicabilidade do instituto ao “rito processual previsto em lei complementar”'‘°^ De qualquer forma , a adoção do instituto nos substitutivos mereceu elogios'"’® e sua inclusão no projeto de Constituição fmal da Comissão de Sistematização acabou sendo consagrada graças a um destaque do senador Euclides S calco (PMDB-

P R ) 4 1 0

O mandado de injunção foi aprovado em primeiro turno no plenário da ANC em 10.2.88, juntamente com o capítulo dos direitos individuais'"'. O Centrão apresentou um projeto seu de Constituição, que esperava fosse bem-sucedido em plenário, para modificar o que já havia aprovado. Tal projeto não vingou, o que não invalida, contudo, o interesse histórico de conhecer sua versão do mandado de injunção:

Art.6°-...

Parágrafo 51 - Conceder-se-á mandado de injunção, na fo rm a da lei, sempre que a falta de norm a regulam entadora tom e inviável o exercício das liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (grifo nosso).

'"’’BISOL, José Paulo. Entrevista, cit.

''°*Cfe. OLIVEIRA, Herzeleide M aria Fernandes de. O mandado de. injunção. R evista de In fo rm a ç ã o L egislativa. Brasília, n° 100/ out. dez. 1988, p. 50-52.

'"’^O J o r n a l do B rasil, de 20.9.87, com enta que o substitutivo do relator Bernardo Cabral manteve um grande avanço: o mandado de injunção, que permite ao cidadão exigir judicialm ente, do Estado, o cum prim ento de normas constitucionais.

‘" “Cfe. F olha de S. P aulo, 4.10.87. De acordo com a F olha, trata-se de um instituto “elaborado pela tradição constitucional norte-americana, destinado a permitir que o cidadão obtenha o respeito de seus direitos e garantias” . Sobre sua origem, para alguns veio mesmo do direito americano (DUARTE, M arcelo. M andado de Injunção. R evista de In fo rm ação L egislativa. Brasília, n° 110/ abr. jun. 1991, p. 127-136), enquanto para outros tantos é herança da inconstitucionalidade por omissão do direito português (p. ex. SARAIVA, Paulo Lopo. O mandado de injunção, os direitos sociais e a ju stiça constitucional. R ev ista de In fo rm a ç ã o Legislativa. Brasília, n° 108/ out. dez. 1990, p. 77-92). Para José Paulo Bisol (entrevista em anexo) esta questão não é importante porque não é uma questão de fundo - nas suas palavras, é apenas “eruditamente interessante”.

‘" 'F o lh a de S. P aulo, 11.2.88. Alguns dias depois, quando da aprovação em primeiro turno dos direitos sociais, o senador Fernando Henrique Cardoso, no artigo Direitos Sociais, frisa que, no geral, o capítulo dos direitos sociais é m uito avançado e apela para a figura do m andado de injunção na questão da indenização a ser definida para a demissão imotivada, já que “quanto ao pagamento sobre a postergação indefinida de lei com plem entar para regulamentar o princípio da proteção do emprego cabe responder que, graças ao ‘mandado de injunção’, se não houver lei o princípio terá eficácia imediata, o que constitui estímulo suficiente para que se aprove logo a regulamentação” (Folha de S. P aulo, 25.2.88).

Tal projeto, acrescente-se, não faz menção à aplicação imediata dos direitos e garantias ali previstos. Com a primeira derrota, o Centrão e os grupos de pressão que lhe apóiam não desistem de adiar os direitos sociais e as garantias constitucionais. Reunidos em Brasília, os membros do “Movimento de Unidade Empresarial” chegaram a 24 pontos em comum para a apresentação de destaques supressivos para o segundo turno da votação da Constituição. Entre várias questões referentes à área trabalhista e à ordem econômica, destacam-se duas reivindicações: “ 1 - O mandado de injunção não se aplicaria a ‘direitos’ [apenas às liberdades e prerrogativas]. Estes ficariam na dependência de aprovação, pelo Congresso, de normas regulamentadoras. Os empresários argumentam que, da forma como está, o texto permite que o Judiciário acabe assumindo funções legislativas” e “2 - Cairia a ‘aplicação imediata’ das normas definidoras dos direitos e garantias individuais”'" ^

Todavia, no segundo turno a história não foi diferente, com o fracasso do Planalto e do Centrão na tentativa de suprimir a ação de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de injunção e a aplicação imediata dos direitos e garantias'"^

Durante todo este percurso, houve pequenas modificações de redação, inclusive com a retirada de qualquer referência a procedimento, e o mandado de injunção acabou sendo aprovado com a redação que vingou na Constituição (art. 5°, LXXI)'*''*.

“"^Folha de S. P aulo, 7.7.87. '"^Folha de S. P aulo, 15.8.88.

'"'‘Sobre sua natureza e aplicação, ainda quando de sua aprovação em primeiro turno na Constituinte, opinaram alguns juristas de renome, entrevistados pela F olha de S. P aulo. Para Miguel Reale Júnior, o instrumento deveria “forçar que haja elaboração legislativa”, mas seria necessário colocar nas Disposições Transitórias um prazo mínimo depois do qual deveria ser considerada a omissão na feitura da norm a regulam entadora do dispositivo alegado. Já Manoel Gonçalves Ferreira Filho entendia que no segundo turno de votação deveria ser extinto o mandado de injunção, porque “isto é apenas um artifício para não atingir os direitos sociais, mas na prática vai resultar na ineficácia do dispositivo”, entendendo ainda que a ação de inconstitucionalidade por omissão já era suficiente para exigir a norma complementar. Para Celso Bastos, o mandado de injunção, criado para evitar que dispositivos constitucionais virassem “ letra m orta”, dependeria ainda da interpretação do Supremo Tribunal Federal. N a visão de Dalmo de Abreu Dallari, o instrumento não esclarece sua finalidade, pois “não sabemos se o ju iz vai legislar ou pedir ao legislativo que faça a lei”. O advogado trabalhista Otávio Bueno Magano, por sua vez, defendia a supressão do instituto em segundo turno, porque ele “ainda não está soHdificado o suficiente no Brasil para virar norm a constitucional”, avaliando que, da forma como havia sido aprovado, o juiz, ao julgá-lo, “não legislará, mas som ente dará ordem para que a autoridade competente legisle” (Folha de S. P aulo, 9.7.88).