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3 “O JOGO DA DIREITA” NA CONSTITUINTE

3.2 Os lobbies empresariais

Semelhante ao papel da UDR foi o realizado pelo grande empresariado nacional (e também o internacional), contudo de forma bem mais discreta. Utilizando-se de técnicas tradicionais de lobby e com uma boa base parlamentar (vários constituintes eram eles mesmos empresários ou estavam de alguma maneira comprometidos com os interesses empresariais, integrando o “Centrão”), seus principais alvos foram a definição da Ordem Econômica e os direitos sociais, principalmente os trabalhistas, obtendo tanto sucessos quanto reveses.

^“ F o lh a de S. P aulo, 3.6.88. Em outra edição, de 27.6.88, a mesma Folha de S. Paulo com enta que a criação do Estado de Tocantins pode efetivamente levar a UDR ao poder, podendo se tom ar um reduto da entidade que, provavelmente, terá o governador e a m aioria dos prefeitos.

^‘^’J o r n a l d e S. C a ta rin a , 8.6.88, e F olha de S. P aulo, 30.6.88. O texto constante do artigo 47 do ADCT da CF é o seguinte:

“art. 47. Na liquidação dos débitos, inclusive suas renegociações e composições posteriores, ainda que ajuizados, decorrentes de quaisquer empréstimos concedidos por bancos e por instituições financeiras, não existirá correção m onetária desde que o empréstimo tenha sido concedido:

I - aos micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos no período de 28 de fevereiro de 1986 a 31 de dezembro de 1987;

II - aos mini, pequenos e médios produtores rurais no período de 28 de fevereiro de 1986 a 31 de dezem bro de 1987, desde que relativos a crédito rural.

Os principais atores da equipe “do capital” certamente foram as federações de empresários, tendo a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) à frente, e sua expressão nacional, a CNI (Confederação Nacional da Indústria), e a união que se formou para congregar os interesses comuns para a Constituinte, a União Brasileira de Empresários (UBE ou apenas UB).

O uso da imprensa foi muito bem feito pelos grandes expoentes do empresariado. Para citar um exemplo, Mário Amato, à época presidente da FIESP, no artigo A nova República corporativista, critica o direito de greve irrestrito, conforme aprovado em primeira votação na ANC, o que, segundo ele, fará aumentar o número de conflitos trabalhistas e alçará os sindicatos a um papel político nunca visto, o que rivalizará com a força dos partidos políticos, transformando o Brasil numa república corporativista^®*.

As vezes apropriando-se de métodos utilizados normalmente pelos grupos de pressão populares, os empresários realizaram protestos contra a jornada de 40 horas e o direito à greve, o que, se fosse aprovado, significaria “retrocesso social e agravamento dos problemas econômicos vividos hoje no Brasil”^®. Até emendas populares foram apresentadas à ANC, como a defendida pelo presidente da FIESP, que propunha “a manutenção e o fortalecimento da economia de mercado, o aperfeiçoamento do regime de livre empresa e, conseqüentemente, uma clara delimitação do campo de ação do Estado na economia, desciplinando o seu poder de interferir”^’®.

Outra tática era propagar que o que estava sendo aprovado pela Comissão de Sistematização “não representa o desejo do povo. Há uma série de coisas que interferem na iniciativa privada”, como a estabilidade no emprego e o monopólio da distribuição de derivados de petróleo^’’.

Alguns dias depois, informa-se pelos jornais que “os empresários vão à luta em plenário”, e vão enfrentar a esquerda, unida para manter as conquistas sociais garantidas

' “ F olha de S. P aulo, 14.6.87. 5®^Folha de S. P aulo, 8.8.87.

” °MICHILES, Carlos et a l , op. cit., p. 243.

^’’“Constituição pode virar letra m orta”, foi o que disse o então vice-presidente da FIESP, Carlos Eduardo M oreira Ferreira, justam ente por causa daqueles “desvios”. Acrescentou, no entanto, que estava otim ista com a m udança desses pontos em plenário, graças ao grande lobby empresarial (uma Frente Nacional da Livre ln iciativ a)(0 E stad o de S. P aulo, 14.11.87).

na Comissão de Sistematização - CUT, CNBB, CPT, sindicatos, movimentos populares, os partidos de esquerda e o MUP do PMDB"’l

Ao fmal, revelou-se que o lobby empresarial não foi tão eficiente quanto parecia ser, tendo, no entanto, marcado pontos importantes a seu favor.

3.3 Os militares

As ameaças dos setores conservadores foram ao ponto de ventilar um golpe contra a Constituinte, encetado pelos militares” ".

Os militares, na Constituinte, estabeleceram uma estratégia constante de uma verdadeira “operação de guerra” para garantir sucesso nas questões que lhes interessavam, como o papel constitucional das Forças Armadas e a anistia aos militares cassados, com inserção no Centrão e tendo como principais representantes Jarbas Passarinho (PDS-PA) e José Lourenço (PFL-BA)"’^

Por ocasião da publicação do segundo substitutivo do relator, os militares sentiram-se traídos por Cabral, por ter este modificado a redação do artigo que tratava das FFAA, que já tinha sido objeto de discussão e consenso entre os (até então) dois maiores grupos suprapartidários, “moderados” e “do consenso”, deixando-se influenciar pelo “grupo de esquerda”. A nova redação determinava que as Forças Armadas destinam-se “à garantia dos porderes constitucionais e, por iniciativa expressa destes, da ordem

'’"O Estado de S. Paulo, 22.11.87. Com a derrota em primeiro turno, o empresariado (UBE, CNC, CNI) se

uniu para a batalha do segundo turno, priorizando o direito de greve nos serviços essenciais e o turno de seis horas como temas a se m udar (Cfe. Folha de S. Paulo, 11.3.88). Perdendo outra vez nesses pontos, as atenções foram voltadas para a Ordem Econômica. Um a reunião foi realizada em Brasília com líderes da UDR, da CNI e representantes de empresas como Shell e da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, além de m embros do Centrão, em que ficou acertado que não se poderia abrir mão do projeto do Centrão (Cfe. Jornal do Brasil, 23.4.88).

” 'Folha de S. Paulo, 18.10.87.

'’''Folha de S. Paulo, 20.6.88. Jarbas Passarinho foi reconhecido como “um parlam entar preparado. Seus

votos são produto de suas convicções políticas e ideológicas”, e recebeu 3,5 do DIAP (op. cit., p. 335). Quanto a José Lourenço, a nota 0,25 é coerente com suas posições: “de estilo agressivo, é governista extremado e foi um dos líderes informais de Sarney na Constituinte. Um dos fundadores do Centrão, chegou a propor o fechamento da Constituinte. Lutou decisivamente para retirar do texto constitucional inúmeras conquistas trabalhistas e previdenciárias, especialmente os benefícios da aposentadoria” (op. cit., p. 115).

constitucional”, em vez de limitar seu papel, como na primeira redação, à defesa “da lei e da ordem”' ” .

O texto não foi alterado nas fases seguintes da ANC, consagrando-se, em definitivo, no art. 142 da CF.

3.4 O Centrão

Esta visão dos grupos de pressão de direita no Congresso Constituinte não estaria completa se não fosse dedicado um ponto especial ao “Centrão”, maior bloco parlamentar suprapartidário, que congregou os representantes da elite urbana e rural.

A primeira data em que aparecem notícias sobre a formação do Centrão é 20.8.87. Com o título “Centro Democrático” quer combater radicais, o Diário Catarinense dessa data informa que o bloco havia sido formalizado no dia anterior com a presença de 30 peemedebistas inconformados com a radicalização e contrários à liderança de Mário Covas. Informa ainda que o líder do novo grupo deverá ser o deputado cearense Expedito Machado'’®.

O grande lance da atuação do Centrão dar-se-ia na tentativa de mudar as “regras do jogo”. Preparando o ataque que levaria á vergonhosa mudança do regimento interno, o grupo lança “manifesto à Nação”, em defesa de sua tese, com vistas a dotar o País de Constituição “digna”' ’’. Para tanto, demonstra a força econômica e humana dos recursos de que dispõe: o “esquema” para estar completo nas votações incluía computador, contatos telefônicos e até aviões, para pegar os constituintes em seus Estados e levá-los a Brasília, quando houvesse dificuldade de encontrar lugar em vôos come^ciais'’^

” 'Folha de S. Paulo, 29.8.87.

” ‘^Diário Catarinense, 20.8.87. Sobre o deputado Expedito M achado consta no livro editado pelo D IAP o

seguinte comentário: “definiu suas posições como de ‘centro-esquerda’, mas foi um dos fundadores do Centrão, grupam ento conservador formado justam ente para reduzir a influência dos parlam entares de centro-esquerda nas votações dos direitos sociais e da ordem econômica. Sua prática nega seu discurso. Disse não à participação popular, votou contra a reform a agrária e votou a favor de cinco anos para Sarney”, que acom panha a m édia fmal 1,75 por sua atuação (op. cit., p. 146). Quanto ao governo Sarney, inconform ado com as tendências da Constituinte, é fato que o nascimento do grupo veio lhe trazer algum a esperança, como aponta a manchete de jornal: Governo aposta no crescimento do “C entrão” - Prisco

Vianna afirm a que bloco deve crescer e vê isso com otimismo (Diário Catarinense, 6.11.87). ” ’D iário Catarinense, 11.11.87.

No tocante às principais lideranças do Centrão não podem deixar de ser lembrados, além de alguns mais, Amaral Neto (PDS-RJ), Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP), Expedito Machado (PMDB-CE), Carlos Sant’Anna (PMDB-BA) e Ricardo Fiúza (PFL-PE)” ^

Enfim, o Centrão derrota a liderança do PMDB e os partidos de esquerda, ao conseguir, por 290 votos contra 16 e 3 abstenções, a modificação do regimento interno da ANC, em sessão tumultuada, com fortes protestos das galerias e retirada dos constituintes de esquerda. Na ocasião, o deputado José Lourenço declarou que se estivesse armado teria atirado em direção às galerias^“ .

É claro que Centrão, UDR e UB estavam afinados para as mudanças a fazer - poderíamos dizer que o Centrão foi o braço parlamentar daquelas entidades^^'. Mas o

” ®Diário Catarinense, 2.12.87.

^*°Folha de S. Paulo, 4.12.87 e 5.12.87. O Jornal do Brasil, de 11.12.87, fazia um balanço das “vitórias

do Centrão” . Segundo o artigo, o Centrão “- demonstrou controlar mais de 280 votos (a m aioria absoluta no plenário da Constituinte). Nada será aprovado agora sem seu consentimento; - conseguiu isolar politicam ente o seu m aior adversário, o líder do PMDB, senador M ário Covas, apontando-o como intransigente e ligado à esquerda; - vai forçar a esquerda a estar plenamente em plenário. Antes, pelo regimento, os artigos do projeto de Constituição só seriam derrubados se obtivessem pelo menos 280 votos contra. Agora, para esses artigos serem mantidos, precisam receber também 280 votos a favor; - será autom ática a votação de emendas ou destaques cujos pedidos de preferência tiverem 280 assinaturas; - poderá haver a apresentação de substitutivos integrais a títulos da Constituição. Ulysses e a esquerda queriam que os substitutivos só se referissem a capítulos; - as esquerdas estavam, ontem, sendo trituradas de vez diante da exigência de que pedidos de destaque para artigos do projeto de Constituição tivessem um mínimo de 140 assinaturas. Em conjunto, as esquerdas somam apenas 112 constituintes.”

Isto dá um a idéia de como foi o “estrago” causado pelo Centrão. Àquela altura, parecia que as m ínim as conquistas populares do projeto estavam ameaçadas, como denuncia uma entre tantas m anchetes daqueles dias: “Centrão surge para conter avanços da Constituinte” (Diário Catarinense, 2.1.88).

U m outro aspecto a ser levantado - talvez já o tenha sido, mas não custa e não é desnecessário repeti-lo, se é o caso - é o tratamento dado pelo jornal O Estado de S. Paulo à m ovimentação da ANC, postando-se claram ente (sem nenhuma preocupação de sutileza) a favor da atuação do Centrão, como se vê de seus editoriais e dos títulos de alguns artigos, como aquele de 27.11.87, data em que se costuravam acordos sobre a alteração do regimento interno: “Acordo não justifica recuo do Centrão”, quase um “puxão de orelhas” nos “meninos” do grupo que medraram frente à possibilidade de perder a votação e a adiaram mais alguns dias, quando, enfim, ganhariam.

^*'Nada mais natural, então, do que os elogios de Caiado ao desempenho do Centrão (O Estado de S.

Paulo, 7.1.88). Sobre “As Contradições do ‘Centrão’”, escreveu Florestan Fernandes:

“O ‘C entrão’ configura-se como a primeira formação política autodefensiva e ofensiva dos estratos mais altos e privilegiados da burguesia na história brasileira. Ele abrange os principais atores, em termos de ideologias e interesses de classes, do golpe de Estado de 1964, e os arquitetos dirigentes decisivos - não os conciliadores, famintos de poder - do pacto conservador de 1984 e da concepção da ‘nova’ República como a via prática de transição lenta, gradual e segura (na qual estava com preendida a convocação de um ‘Congresso Constituinte’ e uma última tentativa política de solução pacífica da crise burguesa). Por isso, ele articula, apesar de sua heterogeneidade, o grande capital nacional com as m ultinacionais e o sistem a capitalista mundial de poder; e agrega todos os tipos de privilégios, arcaicos e

grupo necessitava de outras alianças, diversificando os parceiros para abarcar uma outra parcela da população (e do eleitorado), que lhe permitisse ter uma certa penetração na classe trabalhadora, também a fim de desfazer a imagem negativa que tinha para o povo^*^. É o que justifica a mudança de projetos para obter apoio do sindicalista Luiz Antônio de Medeiros, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, especificamente no que se refere à indenização por dispensa imotivada que substituiria a “estabilidade” no emprego, devendo ser retroativa a 1.° de fevereiro de 1987, data de instalação da ANC^*^

Entretanto, a força demonstrada em dezembro de 1987 não se manteve no começo de 1988. Tanto que o grupo teve de recuar para que a Constituinte “andasse”, mantendo um dos pontos mais combatidos pelo Centrão - o princípio constitucional da democracia direta^*'*. E a crise só faz aumentar: perdendo outra votação importante, a do direito de propriedade, o grupo começa a diminuir, com a saída de parlamentares que tiveram sua imagem prejudicada junto a suas bases por fazerem parte do Centrão - como os deputados evangélicos^*^ Tanto que um de seus fundadores, o deputado Luís Roberto Ponte (PMDB-RS) lastima a flagrante desagregação, que imputa a erros cometidos por alguns de seus membros mais afoitos, como Roberto Cardoso Alves e José Lourenço, cuja atuação fisiologista, aliada ao que chamou de “campanha difamatória” empreendida pela esquerda, levou a identificá-lo junto à opinião pública como “um grupo de direita, anti- povo”^“ . A desarticulação do Centrão, daí para diante, aumenta cada vez mais, com a conseqüente perda de importância e de votos (perdeu todas as votações do capítulo dos

modernos, típicos de nosso desenvolvimento desigual” (FERNANDES, Florestan. A s Contradições do

"C entrão”. Folha de S. Paulo, 26.4.88. Também publicado em FERNANDES, Florestan. A Constituição Inacabada. São Paulo: Estação Liberdade, 1989, p. 259-262).

'*^Para tentar m udar a imagem do grupo junto à opinião pública, um de seus articuladores, Bonifácio de Andrada, defende o projeto de seu grupo contra as críticas que o acusam de conservador, advogando ser o m ais realista para levar o Brasil ao desenvolvimento e ao progresso. (ANDRADA, Bonifácio de. O projeto

do Centrão e a realidade nacional. O Estado de S. Paulo, 24.1.88). '" F o lh a d e S . Paulo, 9.1.88.

’^''Folha de S. Paulo, 21.1.88. ’*'Folha de S. Paulo, 10.2.88.

direitos sociais e na definição de empresa nacional, na Ordem Econômica) do grupo no interior da ANC'^’. No segundo turno de votações, a situação não se modificou'^^

Além desse principal lobby parlamentar, outros lobbies atuaram segundo os interesses específicos e esporádicos de cada constituinte. Assim, o “grupo da cana”, o “grupo da pecuária”, o “grupo das transportadoras” e até o lobby dos funcionários do Banco do BrasiP*^