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2. A CRISE DO DIREITO

2.3 Aspectos da Crise no Direito

2.3.2 O Judiciário

Questão da maior relevância, a face institucional da crise do Direito revela um descompasso entre as demandas da sociedade e as decisões dos tribunais, seja pelo arcaísmo das normas jurídicas, feitas para situações do século passado, seja pelas concepções conservadoras dos magistrados, que se negam a desempenhar um papel político mais claro, seja ainda pelo desaparelhamento e pela sobrecarga de trabalho.

” 0 p . cit., p. 36-63. ‘"’Idem, ibidem, p. 55-62. “"Idem , ibidem, p. 61. ‘'^Idem, ibidem, p. 63.

Quanto ao primeiro dos itens levantados, observa-se cada vez mais o crescimento de demandas coletivas, que involvem conflitos metaindividuais. O sistema jurídico brasileiro (e o Judiciário) não está devidamente aparelhado para solucionar essas questões, uma vez que todo o modelo se baseia no sujeito individual de direito''\ Assim, quando o Código de Processo Civil fala em partes, refere-se a partes individuais ou, quando muito, na figura do litisconsórcio, também incapaz de abranger casos em que se encontrem, por exemplo, quatrocentos réus - como realizar a citação em tal caso? como dar-se-ia a audiência? o que não seria incomum em se tratando de uma ação de reintegração de posse.

O Judiciário não foi estruturado para atender as questões mais candentes da sociedade. Além de toda a complexidade, de todo o formalismo, muitas vezes estéril - no velho estilo romano “Tício deve agitar três vezes o ramo de oliveira com sua mão direita e proferir as palavras sagradas, sob pena de não ter conhecido seu pedido” -, as demandas mais correntes tratam de assuntos econômicos - cobranças, execuções, despejos, partilhas - e servem a uma camada bastante pequena da população. Neste sentido, falar-se em acesso á justiça, para uma enorme parcela do povo, não significa muita coisa, ou o que é pior, significa entrar no prédio do Forum como réu em processo-crime. Não fosse apenas a distância geográfica entre a periferia e os escritórios de advocacia e o Forum (o próprio termo Forum, imponente resquício do latinório que ainda ronda nosso direito), existe a distância econômica: como pagar custas, honorários? E, mais grave, há a barreira social. Os homens da Justiça falam uma língua própria, que o povo não entende; os prédios onde funcionam as varas judiciais são batizados pomposamente de “Palácio da Justiça”. Os serviços de assistência judiciária têm conseguido amenizar o distanciamento, mas não extingui-lo, seja porque não vencem atender toda a demanda, porque trabalham de maneira assistencialista (não visam promoção, nem conscientização da clientela atendida), e porque, em geral, se instalam nas universidades, outra barreira sócio-cultural para o acesso a uma população mais pobre.

‘'^José Eduardo Faria e Roberto Aguiar, nas obras citadas, fazem uma abordagem mais detalhada desta questão.

Mesmo quando são empreendidas mudanças legais para tentar atenuar esses problemas, a mentalidade conservadora de grande parte dos juizes insiste em olhar o novo com os olhos do passado. Assim, o Código Civil, lex magna para muitos julgadores, é fonte primordial para solução de conflitos em concreto, ainda que em contrário a disposições constitucionais, como se não existisse uma Constituição cuja supremacia devesse ser respeitada. E, especificamente quanto às novidades trazidas pela Constituição, a resistência em assumir o papel que lhe foi determinado, como no caso do mandado de injunção, revela o arcaísmo e a falta de coragem política do Judiciário. Citando Roberto Aguiar, “o novo desperta resistências não porque seja injusto, mas porque desestabiliza a comodidade das reproduções”'*'’.

No tocante ao papel político, aliás, Dalmo de Abreu Dallari, em recente obra entitulada sintomaticamente O Poder dos Juizes, tece considerações críticas quanto à resistência de grande parte dos juizes em assumir a politicidade ínsita a sua função. Apesar de ser Poder Judiciário, da mesma forma que o Legislativo e o Executivo, seus membros não agem como tal, mesmo porque a tão propalada independência do juiz muitas vezes esbarra na tradicional dependência ao Executivo''^

Outro aspecto é o referente à sobrecarga e ao desaparelhamento dos órgãos julgadores. É, sem sombra de dúvida, um dos grandes problemas do Judiciário. Contudo, não se pode transformá-lo, como fazem muitos, no único vilão desta história. Trata-se de questão de fundo operacional, diversamente daquelas anteriormente levantadas, que atacam a própria estrutura do sistema jurídico. De qualquer modo, o aumento do número de juizes, de funcionários e de máquinas que agilizassem o serviço, contribuiria para uma redução da lentidão em que opera nosso poder jurisdicional.

“''Op. cit., p. 113.

''^DALLARI, Dalmo de Abreu. O P o d e r dos Juizes. São Paulo: Saraiva, 1996. A independência, no caso, é prejudicada pela vinculação orçam entária (em última instância, são os outros poderes que decidem o quanto e repassam a verba), como também pela nomeação de juizes dos tribunais (dos Estados e os Federais) pelos chefes do Executivo, o que possibilita escolhas arbitrárias, nem sempre por merecimento. Outro ponto destacado é a falta de democracia (interna e externa) do Judiciário, único dos poderes da R epública refratário a qualquer controle popular.

2.4 Alternativas

As alternativas que se colocam aos problemas apontados dizem respeito tanto às questões operatórias quanto às estruturais. De um lado, o aperfeiçoamento dos processos de seleção de juizes, o aumento do número de funcionários do Judiciário e a tecnologização de seus serviços, a deformalização dos procedimentos judiciais. De outro, o controle democrático do Judiciário pela sociedade; a reformulação do currículo mínimo dos cursos de Direito (o que promoveu a Portaria n° 1886/94 do MEC), não só formal, mas abrangendo obrigatoriamente o ensino de Filosofia, Sociologia e de novos direitos (como o Ambiental) e de adequação à realidade brasileira, que deve gerar uma mudança na mentalidade tradicionalmente conservadora dos operadores jurídicos (o que engloba também uma faceta deontológica: o juiz, o advogado, o promotor de justiça são cidadãos e não devem ter um moral própria, distinta dos demais cidadãos); a consideração de que o Direito (ou os Direitos) é fenômeno multifacetário, reproduzindo interesses os mais variados, muitas vezes contraditórios, produzido pela sociedade, não pelo Estado''^. Neste último aspecto, é relevante verificar do que se trata o pluralismo jurídico, como realidade e como proposta teórica.