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LISTA DE VARIÁVEIS

5. Componente de revisão pública: definir uma metodologia para a aplicação dos anteriores componentes no desenvolvimento do plano de seca, sugerindo uma abordagem de

2.2.6 Avaliação socioeconómica de impactos de seca

Tal como destacado nos pontos anteriores do presente capítulo, a gestão da água, em especial em situações de seca ou escassez, pressupõe a gestão de riscos e, como tal, a tomada de decisão com base em condições de incerteza. Nessa linha, a multiplicidade e complexidade de objectivos dos mais diversos planos envolvidos (ambiental, social, legal, institucional, etc.), aumentam a complexidade da tarefa, obrigando a uma tomada de decisão devidamente fundamentada e apoiada em processos de avaliação consistentes, perceptíveis e com o maior grau de objectividade possível (Green, 1993). Além disso, a importância crescente dos impactos de seca tornam uma prioridade o aprofundamento e melhoramento das metodologias existentes de avaliação de impactos, de forma a melhor suportar a avaliação e gestão dos riscos e consubstanciar as políticas de mitigação dos mesmos (Changnon et al, 2000).

Atendendo à complexidade destes fenómenos e à multiplicidade de metodologias utilizadas na sua avaliação é considerado que os impactos de seca, directos e indirectos, deverão, ser especificamente avaliados para cada região de análise (Wilhite & Buchanan-Smith, 2005; Wilhite et al, 2007; Mysiak & Markandya, 2009; Ding et al, 2010). Tal deverá ser efectuado com base nos impactos ocorridos historicamente, mas deverá também considerar aqueles passíveis de ocorrerem em novas situações de seca, face ao estado actual de vulnerabilidades e possíveis tendências de evolução da frequência e intensidade do perigo de secas (Wilhite & Buchanan-Smith, 2005). Apenas com este tipo de informação será possível uma melhor preparação face a novas situações de seca, prevendo a aplicação atempada de medidas, de acordo com os impactos expectáveis para a região e para os sectores utilizadores. Tal permitirá, igualmente, contar com a disponibilização dos meios (monetários e humanos) necessários para

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a implementação das mesmas (Wilhite et al, 2007). A compilação de dados de impactos de forma homogeneizada e padronizada é, assim, identificada como uma necessidade para a Europa por Kraemer (2007) e Mysiak & Markandya (2009), em especial com vista à uniformização, sistematização e suporte da avaliação económica dos mesmos.

Por outro lado, embora os impactos de seca sejam habitualmente enquadrados segundo diferentes categorias62, a importância dos mesmos poderá ser quantificada economicamente, enquanto redução do benefício económico de uma dada região de análise (Ding et al, 2010), facilitando a comparação dos impactos verificados entre diferentes sectores utilizadores, regiões e situações de seca. Sendo escassos os trabalhos existentes nesta matéria (Ding et al, 2010) e, verificando-se algumas diferenças significativas nos conceitos de base considerados (Kraemer, 2007; Mysiak & Markandya, 2009), existem, todavia, alguns estudos que envolvem a quantificação económica de perdas em diferentes sectores utilizadores, devido a situações de seca, salientando-se Onta et al (1995); Dixon et al (1996); Jenkins et al (2003); Ward et al (2001), (2006); Booker et al (2005); Valiñas (2006). Verifica-se, nestes trabalhos, que a avaliação económica poderá constituir uma ferramenta importante, na medida em que os principais propósitos desse tipo de análises são (Colby, 1989; Green, 1993):

 Simplificar a natureza da escolha a um nível perceptível pelos decisores;

 Permitir a fácil compreensão dos componentes em jogo;

 Definir uma linguagem comum para discussão e negociação entre decisores.

Um ponto base da avaliação económica de impactos, como por exemplo de situações de seca, consiste, então, na identificação dos aspectos positivos e negativos das consequências esperadas. Assim, genericamente, será necessário (Green, 1993):

 Quantificar a natureza da alteração em causa;

 Especificar essa alteração de forma a poder ser relacionada com um valor económico;

 Relacionar essa alteração com parâmetros que possam ser previstos;

 Avaliar a dimensão da população, grupo(s) ou sector(es) afectado(s) pela alteração;

 Quantificar, de forma aproximada, o benefício, ou custo, dessa alteração para toda a população, grupo ou sector.

Segundo Gibbons (1986) o valor total de um recurso pode ser definido, de uma forma simplificada, como o montante máximo que um utilizador estaria disposto a pagar para usufruir do mesmo. Não obstante, em termos económicos, a água poderá ser considerada um “produto” final ou apenas intermediário. No primeiro caso poderão ser reconhecidas as utilizações urbanas, em especial ao nível doméstico, enquanto no segundo enquadram-se as actividades que utilizam a água para a produção de outros bens ou serviços, tais como a agricultura ou a produção de energia eléctrica a partir dos aproveitamentos hidroeléctricos. O conceito económico entre estas definições varia consideravelmente, sendo que, no primeiro caso, a água contribui directamente para a utilidade ou satisfação pessoal do utilizador, e, no segundo, o valor da água é induzido pelo valor económico do produto ou bem final resultante.

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Existem várias metodologias de estimativa do valor económico da água, de acordo com o tipo de utilização. Estas metodologias têm sido revistas, enumeradas e detalhadamente descritas em diversos estudos relativos à economia da água e de outros recursos naturais, tais como Gibbons (1986), Colby (1989), Green (1993), CGER (1997), Houston et al (2002), FAO (2004), Raucher et al (2005), Birol et al (2006), Grafton (2009). Podem resumir-se, genericamente, em duas categorias principais: (i) a partir de valores praticados no mercado, quando o bem é transaccionável ou, (ii) de forma indirecta, quando este não o é. Apresentam-se, a seguir, para cada categoria, uma breve descrição de alguns dos métodos mais utilizados para a valoração económica da utilização da água, tomando por base, de uma forma geral, as referências bibliográficas indicadas e ainda que outras referências bibliográficas possam ser salientadas, de forma específica, sempre que necessário.

2.2.6.1 Avaliação a partir dos preços de mercado

Consiste na avaliação de um bem que é transaccionável num mercado competitivo. Porém, como estes, normalmente, não são mercados perfeitamente livres, é necessário aplicar algumas correcções de forma a estimar o real valor económico do bem ou serviço em questão. Esta medida monetária do benefício económico dos consumidores, pode, então, ser determinada a partir de funções da procura (representam o valor que o utilizador individual estaria disposto a pagar pelo consumo de cada unidade adicional de um determinado bem), sendo definidas, de forma específica, atendendo aos preços praticados e às características dos utilizadores da região (rendimento económico, tipos de habitação, clima da região, etc.) (Groom et al, 2006; Olmstead, 2010). A partir dessas funções é possível determinar o benefício económico dos utilizadores através do designado excedente do consumidor, isto é, a diferença entre o valor que o utilizador está disposto a pagar por um determinado bem ou serviço e o valor que este efectivamente paga (preço de mercado)63. Essa medida, cuja quantificação surge representada esquematicamente na Figura 2.14, poderá permitir avaliar alterações no benefício de utilização de um bem ou serviço por alterações nos níveis de consumo (V1).

Figura 2.14: Representação esquemática do excedente do consumidor, a partir de uma função da procura hipotética, para um dado volume de água (V1), consumido ao preço (P1).

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2.2.6.2 Avaliação por métodos indirectos

Quando o bem em causa não é directamente transaccionável (e.g. utilização de água de origens próprias) ou não existem dados suficientes para a definição de funções da procura, são utilizados métodos de avaliação indirecta do valor económico da utilização da água. Esse valor poderá ser obtido através de funções de produção, custos de substituição, métodos indutivos, por valoração de preferência expressa, ou por transferência de benefícios:

a) Funções de produção

Nos casos em que a água constitui um factor intermédio de obtenção de outro bem transaccionável, logo, com um preço perfeitamente definido no mercado, o valor económico da utilização da água pode ser obtido a partir da produção desse bem. Assim, tomando como exemplo a produção de culturas agrícolas, através do estabelecimento de funções matemáticas entre os factores de produção e o produto final, é possível determinar o valor devido à água. Admitidos todos os outros factores fixos, esse valor poderá ser determinado pela variação do valor económico da produção obtida.

b) Custos de substituição

Este método tem como objectivo quantificar os custos de substituição ou reposição do bem natural em falta, como por exemplo os volumes de água em falha, em situação de seca. Para tal é assumido que o valor económico referente aos volumes de água em falta é quantificável e pode ser aproximado pelo custo de colmatação do mesmo, por recurso a origens alternativas. Este método é especialmente aplicável quando existe um nível de garantia que deva ser assegurado (volume a satisfazer numa determinada percentagem de tempo ou volume), para uma determinada utilização da água.

c) Métodos Indutivos

Este tipo de metodologias passa pela utilização de técnicas estatísticas para inferir o valor de uma determinada variável, que não tenha um preço directamente quantificável. Como exemplos poderão ser referidos os seguintes métodos:

- Método do custo de viagem: Permite estimar o valor de uma actividade recreativa, p.e., pela determinação dos custos que os praticantes terão de incorrer para beneficiar dessa actividade (incluindo os custos da viagem e da estadia). Por análise estatística é procurada uma relação entre a distância percorrida e a probabilidade de se consumar a prática da actividade e, através da mesma, é deduzido o valor económico correspondente.

- Método dos preços hedónicos: Permite determinar o valor económico de determinados bens não directamente quantificáveis, pela influência dos mesmos na transacção de outro tipo de bens como, por exemplo, a quantificação do valor da vista de mar, através da análise estatística do preço das casas que dela beneficiam e de outras que não. Nesse caso, admitindo que o preço das casas depende de um número previamente estipulado de parâmetros, incluindo a vista de mar, e que é possível fazer uma avaliação em que os demais parâmetros em causa não sofrem variações significativas, é possível estimar o valor associado à vista de mar.

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d) Métodos de preferência declarada

Consistindo numa das técnicas mais antigas de valoração económica de um determinado bem ou serviço, este tipo de metodologias consiste na realização de inquéritos, de forma a avaliar directamente, com as pessoas envolvidas, quais as escolhas que fariam e/ou quanto estariam dispostas a pagar pelas mesmas. Existem duas tipologias fundamentais para a realização dos inquéritos, sendo que, em ambas, se deve atender a técnicas específicas, de âmbito sociológico, para a concepção, preparação, execução e tratamento dos dados finais deste tipo de questionários e estudos. Esses dois tipos de abordagem são:

- Valoração de contingência: neste método os utilizadores são directamente questionados de quanto estariam dispostos a pagar por um determinado bem ou serviço. Para isso são habitualmente referenciadas situações hipotéticas ou experimentais, que pretendem traduzir a representação mais fidedigna possível da situação em causa, na expectativa de aproximar a real atitude do utilizador perante a mesma.

- Análise conjunta: são apresentadas diferentes hipóteses de base em relação ao que se pretende avaliar, cada uma com um custo associado previamente determinado/ estimado, levando as pessoas inquiridas a optar por uma delas. Posteriormente, por avaliação dos resultados dos inquéritos, é estimado o valor que os utilizadores estariam dispostos a pagar por uma determinada opção.

e) Transferência de benefícios

Este método consiste, simplesmente, na consideração de valores, ou de intervalos de variação dos mesmos (p.e. de quanto os utilizadores estariam dispostos a pagar para evitar cortes no fornecimento de água nos sistemas de abastecimento urbano, resultado de uma situação de seca), obtidos noutros estudos de valoração económica que, pelas características da região de base considerada e/ou da tipologia do estudo em causa, poderão ser consideradas aplicáveis à avaliação que se pretende levar a cabo.