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LISTA DE VARIÁVEIS

1.3 Secas e escassez de água

1.3.4 Novos desafios à gestão de secas e de escassez

De forma genérica e global podem ser apontados alguns problemas ou factores que, pela sua importância, caracterizam o principal paradigma actual e futuro para a gestão da água e que constituem, no fundo, o contexto base da gestão de secas e escassez. Entre esses poderão ser destacados: a problemática das Alterações Climáticas (AC), o crescimento da população mundial, os problemas de qualidade da água, ou a degradação ambiental dos ecossistemas (Dingman, 2002; Cech, 2005; MEA, 2005; UNEP, 2006; Louka, 2008; UN, 2008; UN, 2009). Porém, atendendo ao âmbito da presente tese e às características específicas da região em estudo, o Guadiana13, deverá salientar-se como principal desafio futuro a problemática das AC.

1.3.4.1 Alterações Climáticas

Tal como descrito anteriormente, a distribuição de água no mundo não é uniforme. Se se considerar a subdivisão do ciclo hidrológico segundo o meio onde a água se encontra, podemos identificar a fase atmosférica, a fase de interacção com o solo e a fase oceânica. Nesta linha, poder-se-á concluir, então, que a disponibilidade de água, numa dada região, vai ser

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Ver ponto 3.1.

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condicionada pelas características da fase de interacção com o solo (topografia, usos do solo, tipos de solo, características do subsolo, rede hidrográfica, etc.), mas também, e essencialmente, pelo comportamento global da fase atmosférica, nomeadamente através das designadas características climáticas regionais14.

Historicamente foi assumido que as características climáticas se repetiam em padrões mais ou menos constantes, em valor médio, à parte de variações diárias, sazonais ou anuais das condições meteorológicas. De facto, considerando uma escala de avaliação relativamente alargada, tanto em termos espaciais (países, intervalos de latitude) como temporais (épocas sazonais e anos), estas características permitiram servir como elemento diferenciador das diferentes regiões do mundo, de características mais áridas, de clima mais temperado e/ ou húmido, ou até de glaciares. Porém, de acordo com o histórico de registos existente, tem-se verificado que os principais parâmetros caracterizadores (precipitação e temperatura) têm sofrido uma variação bastante significativa nos respectivos níveis médios e também da sua variabilidade relativa, dando origem a uma preocupação crescente e à consequente avaliação mais aprofundada das condições climáticas mundiais e de eventuais alterações (IPCC, 2007).

Por Alterações Climáticas (AC) pode entender-se, segundo o Intergovernamental Panel for Climate Change (IPCC, 2007), qualquer alteração nas características climáticas de uma determinada região que possa ser identificada (p.e. por análises estatísticas) através dos correspondentes valores médios e/ou na variabilidade das suas propriedades, de forma persistente, por um período prolongado, de décadas ou mais. Segundo esta definição são incluídas tanto as alterações por efeito da actividade humana, como as devidas às variações naturais do clima.

Uma vez que, para a GRH, é, acima de tudo, fundamental conhecer os reais efeitos que as AC possam introduzir no ciclo hidrológico e na distribuição espacial e temporal da água, bem como na frequência e intensidade de fenómenos meteorológicos extremos numa dada região, será considerada, na presente tese, uma definição idêntica à assumida pelo IPCC. Assim, a análise desta temática deverá centrar-se, exclusivamente, na variação global de variáveis como a temperatura e a precipitação. De facto, dados do IPCC (2007) apontam para a verificação de uma tendência no aquecimento global, na subida do nível médio do mar e na redução da área coberta por gelo, em especial no Hemisfério Norte, tal como surge representado na Figura 1.15.

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Figura 1.15: Variações15 da temperatura média à superfície terrestre, do nível médio dos mares e da área coberta por gelo no Hemisfério norte dos últimos 150 anos (IPCC, 2007).

Assumindo que uma das principais causas das alterações descritas corresponde à emissão crescente de Gases de Efeito de Estufa16 (GEE), em particular do CO2, fruto, em grande medida, de actividades antropogénicas como a queima de combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural – e, em menor grau, da desflorestação e outras alterações no uso dos solos, é muito provável que as alterações climáticas anteriormente referidas se venham a agravar ao longo do século XXI, uma vez que se prevê que as emissões de GEE continuem, também elas, a aumentar nas próximas décadas (SIAM II, 2006). Esta é a principal razão subjacente à construção e utilização de modelos de simulação do clima para previsão de cenários futuros, tanto mais fiáveis quanto possível e que permitam ter uma base de referência para variáveis como a temperatura e precipitação. Essas variáveis são representadas segundo as projecções até ao final do séc. XXI, ainda que com um largo espectro de cenários possíveis. Da análise das Figuras 1.16 e 1.17 é possível verificar, para a Europa, um expectável aumento da temperatura média anual e uma redução da precipitação anual, variações que poderão ser especialmente significativas no Sul da Europa, incluindo a Península Ibérica (SIAM II, 2006).

15Os pontos salientados nos gráficos correspondem a valores de pico anuais, enquanto a mancha envolvente a azul corresponde à margem de

incerteza associado à forma de obtenção dos valores (IPCC, 2007).

16 Os GEE têm a propriedade de absorverem e emitirem radiação infravermelha. Quando se aumenta a concentração de GEE na atmosfera há

uma maior parte da radiação infravermelha emitida pela Terra que é absorvida, estabelecendo-se um desequilíbrio entre a quantidade total de energia radiativa recebida do Sol e a quantidade total de energia radiativa emitida pela Terra. O equilíbrio restabelece-se com um aumento da temperatura na baixa atmosfera, a troposfera. Os principais gases de efeito de estufa presentes na atmosfera são o vapor de água, de concentração muito variável, o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), o ozono (O3), os clorofluorocarbonetos (CFC),

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Figura 1.16: Projecções multimodelo17 de aumento da temperatura média à superfície da Terra face aos valores de 1980-1999, por resultado de 3 cenários de emissões de GEE, B1 (mais baixo), A1B (intermédio) e A2 (mais elevado) (figura do lado esquerdo). Representação espacial da variação da temperatura média anual para o início (2020 a 2029) e final do século XXI (2090 a 2099), segundo esses mesmos cenários (figura do lado direito) (IPCC, 2007).

Figura 1.17: Projecções multimodelo de alteração dos padrões de precipitação (em %) para o final do séc. XXI (2090 - 2099), em relação ao período de 1980-1999, segundo o cenário A1B (intermédio) de emissões de GEE. No lado esquerdo são representados os valores médios para os meses de Dezembro a Fevereiro e, no lado direito, os valores para os meses de Junho a Agosto (IPCC, 2007).

Por, outro lado, no que toca a fenómenos extremos, em particular às situações de seca, espera-se uma intensificação na Europa e, em especial, na Península Ibérica, ocorrendo de forma mais frequente e com maior severidade (IPCC, 2008). Tal surge representado na Figura 1.18, através do previsível período de retorno associado a futuras situações de seca, identificadas como correspondentes, actualmente, a um período de retorno de 100 anos.

17 Modelos de circulação geral (General Circulation Models) que simulam o sistema climático terrestre incluíndo as interacções Oceano –

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Figura 1.18: Evolução, ao longo do século XXI, do futuro período de retorno para as actuais secas de severidade correspondente a um período de retorno de 100 anos (IPCC, 2008)

Face às alterações globais previstas, distingue-se uma dupla vertente de acção, em relação à problemática das AC, inclusive a nível da UE (CEC, 2007a), segundo dois conceitos principais: Mitigação e Adaptação. Se por um lado, é considerada imperativa a política de Mitigação, procurando evitar as consequências mais gravosas pela diminuição rápida das emissões de GEE, por outro, como as AC são consideradas um processo em certa medida irreversível, será necessário preparar as sociedades para a Adaptação a essas consequências, quer pela resolução dos problemas, quer antecipando a resposta às alterações que venham a ocorrer, com o objectivo de reduzir os riscos e os prejuízos com o menor custo possível.

Nesse contexto, desenvolvimentos no âmbito do Livro Branco da UE, referente às AC (CEC, 2009) apontam uma prévia avaliação da potencial afectação de diferentes domínios, incluindo da GRH. Sendo o sul da Europa apontado como uma das regiões mais afectadas, prevê-se que as AC irão impor fortes impactos na quantidade e qualidade da água, em especial no que toca a (CEC, 2009):

 Alterações na disponibilidade de água, com diminuição dos níveis médios de escoamento e intensificação da sazonalidade;

 Aumento expectável da área sujeita a pressões de escassez de água e agravamento dos problemas existentes;

 Aumento dos problemas de qualidade da água devido a temperaturas mais elevadas e fenómenos extremos mais frequentes;

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 Afectação de sectores-chave da economia de forma transversal, bem como dos ecossistemas e da biodiversidade.

No mesmo documento é ainda reforçado o papel da Investigação para melhor compreensão e modelação da afectação do ciclo hidrológico pelas AC e também dos impactos sobre a água, avaliando a dimensão económica dos mesmos e desenvolvendo ferramentas que facilitem a abordagem integrada de avaliação de medidas de mitigação e adaptação (CEC,2009).