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Experiência a nível mundial no planeamento e gestão de situações de seca

LISTA DE VARIÁVEIS

2.2 Desenvolvimentos na avaliação e gestão de situações de seca

2.2.1 Experiência a nível mundial no planeamento e gestão de situações de seca

No que toca às políticas de planeamento e gestão de situações de seca deverá destacar-se o papel dos EUA como um dos países despoletadores da crescente importância dada a esta temática, conseguida, principalmente, pelo desenvolvimento de planos de gestão de seca e de sistemas de alerta precoce.

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Mais orientados para a realidade Europeia são destacados os resultados obtidos no âmbito de um projecto de investigação científica – MEDROPLAN (MEDROPLAN, 2007), levado a cabo em países situados na orla mediterrânica, procurando sistematizar um conjunto de boas práticas para uma maior preparação e prevenção na gestão de situações de seca.

Por fim, será descrita, com algum pormenor, a política Espanhola de avaliação e gestão secas, fundada em planos específicos de gestão de seca e num sistema de avaliação hidrológica, devidamente adaptados às características da Península Ibérica. Sendo considerado um dos exemplos mais relevantes a nível Europeu, proporcionou um importante apoio na definição das orientações gerais da política de planeamento e gestão de secas da UE (DG Env EC, 2007a).

2.2.1.1 Experiência dos Estados Unidos da América

Considerando os principais desenvolvimentos na gestão de secas, a nível mundial, salienta-se o exemplo dos EUA, cujo processo de implementação da política actual (gestão de risco, em detrimento da gestão de crise) remonta ao ano de 199834, embora tenha sido despoletado há mais de 20 anos (USACE, 1995).

De facto, merece especial realce o esforço e os desenvolvimentos levados a cabo pelas instituições dos EUA na operacionalização e sistematização da gestão deste tipo de situações. Segundo dados apresentados por Wilhite et al (2005), embora ocorram frequentemente situações de seca nos EUA, havendo estimativas que apontam para perdas anuais na ordem dos 6 a 8 mil milhões de dólares, a gestão de secas seguiu tradicionalmente, uma abordagem reactiva à ocorrência de impactos, em especial através da disponibilização de subsídios e apoios para as áreas mais afectadas. Verificou-se, também, que essa abordagem resulta ineficaz, podendo, até, ter contribuído para um aumento da vulnerabilidade, uma vez que tende a aumentar a dependência das ajudas governamentais e pode encorajar à manutenção de políticas desadequadas (Wilhite et al, 2005). Por estes factos tem sido dada especial atenção ao estudo e desenvolvimento científico em torno das situações de seca, procurando proporcionar um melhor apoio ao processo de Tomada de Decisão, tanto ao nível do conhecimento sobre as causas e factores relacionados, como dos seus efeitos sobre a sociedade humana.

A abordagem de prevenção e minimização deste tipo de impactos teve início nos estados da zona oeste dos EUA, historicamente mais afectados por secas, com a elaboração de planos de seca, por iniciativa estadual (USACE, 1995). A principal finalidade dos planos de seca passa pelo aumento da eficiência na preparação e alocação de meios de resposta, fomentando uma melhor monitorização e alerta, a avaliação prévia de riscos e impactos e a adopção de medidas preventivas e de mitigação dos impactos de seca (USACE, 1995; Wilhite et al, 2005).

Foi nesse contexto que nasceu, em 1995, o National Drought Mitigation Center35,

integrado na Universidade de Nebraska-Lincoln, e que tem, no fundo, liderado os principais desenvolvimentos na temática a nível mundial. As suas principais actividades incluem a manutenção de uma base de informação e do portal de secas, incluindo a participação na

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National Drought Policy Act of 1998 – Public Law 105-199 (Appendix A), July 16, 1998 35 http://drought.unl.edu/

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preparação do U.S. Drought Monitor36, entre outros (NDMC, 2009). Este centro, em colaboração

com o Western Drought Coordination Council, esteve na origem da definição de uma metodologia de avaliação e redução dos riscos de seca (Knutson et al, 1998), estabelecida posteriormente, através dos designados 10 passos do processo de planeamento de secas, globalmente aceites e seguidos a nível mundial (Wilhite et al, 2005a):

Passo 1: Designar uma comissão específica para as situações de seca. Passo 2: Definir os objectivos para o plano de gestão de secas.

Passo 3: Envolver as partes interessadas (stakeholders37) e resolver os conflitos. Passo 4: Avaliar os recursos existentes e identificar os principais grupos em risco. Passo 5: Elaborar o plano de gestão de secas.

Passo 6: Identificar as necessidades de investigação e colmatar as falhas institucionais. Passo 7: Integrar a componente científica com a componente política.

Passo 8: Divulgar o plano de gestão de secas e fomentar a consciencialização do público.

Passo 9: Desenvolver programas de formação.

Passo 10: Avaliar e rever os planos de gestão de secas.

Não obstante, apesar dos esforços assumidos quer a nível científico, quer a nível estadual, apenas em 1998 foi aprovado no Congresso norte-americano, o designado National Drought Policy Act (Public Law 105-199) que estabeleceu uma comissão (National Drought Policy Commission) com vista à elaboração de recomendações na criação de uma política federal integrada e coordenada. Esta comissão apresentou um relatório (NDPC, 2000), no qual se destacavam como princípios base:

 A incorporação de planos e da gestão de risco, bem como a adopção proactiva de medidas de mitigação;

 Uma maior colaboração entre os decisores e a comunidade científica;

 O desenvolvimento e incorporação nos planos de seca de uma estratégia integrada de aplicação de seguros e financiamentos;

 A manutenção de uma rede de apoios de emergência;

 A coordenação de programas de resposta efectiva e orientada aos utilizadores.

Este relatório deu origem à introdução, no Congresso dos EUA, em 2005, de um documento legal, o National Drought Preparedness Act (HR 1386), que não chegou a ser aprovado, e cujo objectivo principal era o de fomentar uma maior preparação para as situações de seca, proporcionar os esforços de resposta e de mitigação necessários, bem como autorizar a criação do National Drought Council para apoio e coordenação das actividades de planeamento e preparação para as situações de seca entre as diferentes entidades, desde o nível das

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Este produto será analisado em mais detalhe no ponto 2.2.4.

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comunidades ao Governo Federal, passando pelos níveis locais e estaduais, nomeadamente através da elaboração de um plano de acção para a implementação de uma política nacional de seca.

O referido documento previa, também, o desenvolvimento de um sistema integrado de monitorização das situações de seca, sistema esse que foi efectivamente desenvolvido a partir do National Integrated Drought Information System Act (NIDIS Act), aprovado e implementado no ano de 2006 (Public Law 109-430). Esse documento apresentou como principal objectivo o desenvolvimento de um sistema de alerta precoce de situações de seca:

 integrado, de recolha e agregação de informação de indicadores chave, permitindo a realização de previsões, bem como a avaliação das condições actuais e da severidade dos impactos respectivos;

 que permita a comunicação contínua das previsões e avaliações aos decisores (ao nível federal, estadual, local e das comunidades), sector privado e público em geral;

 que incorpore dados actualizados e produtos que permitam reflectir as diferenças locais, regionais e estaduais em condições de seca.

Liderada pelo National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), e correspondendo a uma iniciativa conjunta daquela instituição, com a Western Governors’ Association38 e com o National Drought Mitigation Center (Hayes et al, 2005), a implementação do NIDIS foi levada a cabo através da consolidação e agregação de dados de natureza física/ hidrológica, bem como de impactos socioeconómicos. Para tal inclui algumas das ferramentas e informação disponibilizadas por várias instituições, a integração das redes de observação, os contributos das pessoas afectadas pela seca e a disponibilização interactiva de informação através de um portal39 (Koblinsky & Wilhite, 2007), representado na Figura 2.1.

Figura 2.1: Aspecto do National Integrated Drought Information System (NIDIS, 2010)

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http://www.westgov.org/

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Contando com a colaboração de um vasto número de entidades oficiais, incluindo os US Departments of Agriculture, Commerce, Energy, Interior, Transportation e Homeland Security, e passando ainda pelo US Army Corps of Engineering (USACE), National Aeronautics and Space Administration (NASA) e Environmental Protection Agency (EPA), entre outras (NIDIS, 2010), pretendeu-se, com este sistema, obter um melhoramento, não só das técnicas de monitorização e previsão de secas, mas também da forma como a informação existente poderá apoiar o processo de tomada de decisão dos principais decisores (Hayes et al, 2005). Para tal, o portal de secas é parte de um sistema interactivo que assume como principais objectivos (NIDIS, 2010):

 Permitir um alerta precoce de situações de seca emergentes e a previsão de secas futuras;

 Tratamento e controlo de qualidade dos dados relativos à situação de seca e aos modelos de base utilizados;

 Disponibilizar informação relativa a riscos e impactos de seca a diferentes entidades e stakeholders;

 Disponibilizar informação relativa a situações de seca passadas para comparação com as situações actuais;

 Explicitar o processo de planeamento e de gestão de situações de seca;

Providenciar um fórum de discussão aberto a diferentes stakeholders, para assuntos relacionados com situações de seca.

O NIDIS agrega informação proveniente de diversas redes de monitorização e bases de dados e sistematiza, nos tópicos da página principal do U.S. Drought Portal, o acesso directo a 3 elementos principais: o US Drought Monitor, o Seasonal Drought Outlook e o Drought Impact Reporter (Koblinsky & Wilhite, 2007).

O US Drought Monitor40 corresponde a uma avaliação semanal da situação de seca para

a globalidade dos EUA, tendo por base uma avaliação integrada de diferentes tipos de indicadores e resultando num mapa que apresenta a classificação da severidade de seca, atendendo, não só a informação de base climática e hidrológica, mas incorporando também a avaliação e experiência dos principais especialistas e gestores de recursos hídricos de todo o país, de modo a reflectir os reais impactos verificados a nível local e regional (Hayes et al, 2005). Em paralelo, com base na experiência acumulada dos EUA e em proveitosas sinergias e colaborações entre os cientistas e especialistas em secas deste país e dos outros países da América do Norte, Canadá e México, foi possível desenvolver o North American Drought Monitor41 (Figura 2.2), disponibilizado mensalmente desde 2002, com base na mesma filosofia do US Drought Monitor, mas estendida a estes dois países (Hayes et al, 2005).

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Este produto será analisado em mais detalhe no ponto 2.2.4.

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Figura 2.2: Mapa de avaliação do North American Drought Monitor referente ao final de Abril de 2010 (NCDC, 2010)

No que toca ao Seasonal Drought Outlook, de previsões da evolução do desenvolvimento geral das condições de seca para os 3 meses seguintes (Seasonal Drought Outlook do Climate Prediction Center42), constitui mais um dos produtos base da avaliação de

seca levada a cabo para o território dos EUA. Na Figura 2.3 pode ser visualizado um exemplo desta previsão. Esta previsão da evolução a 3 meses é divulgada mensalmente, juntamente com as previsões sazonais de evolução do clima. Tomando como ponto de partida as áreas classificadas no US Drought Monitor como estando em situação de seca, é avaliada a possível evolução (melhoramento ou agravamento) dessa situação, tendo por base as tendências sazonais de evolução do clima, quando a influência de oscilações como o ciclo ENSO43 são mais pronunciadas, e/ou projecções de médio prazo de evolução do PDSI, nos restantes casos (Svoboda et al, 2004; Hayes et al, 2005).

42 http://www.cpc.noaa.gov/products/expert_assessment/seasonal_drought.html

43El Niño Southern Oscillation – o ciclo ENSO consiste na variação cíclica interanual, por vezes bastante acentuada, de características como a

temperatura superficial do oceano pacífico, a precipitação convectiva, a pressão do ar e a circulação atmosférica que se verifica na região equatorial do oceano Pacífico, influenciando muito significativamente o clima das regiões banhadas por esse oceano e a evolução de muitos fenómenos meteorológicos tais como secas, cheias e tornados (CPC, 2010)

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Figura 2.3: Exemplo de projecção a 3 meses, em Maio de 2010, do possível desenvolvimento da situação de seca (CPC, 2010b)

O Drought Impact Reporter44, por sua vez, corresponde a uma ferramenta interactiva de

base web, desenvolvida pelo NDMC e lançada em Julho de 2005, com o objectivo de permitir a compilação, quantificação e descrição espacial dos principais impactos das situações de Seca verificadas nos EUA (NDMC, 2006a; Wilhite et al, 2007). Este mecanismo surgiu da necessidade de criação de uma base de dados dos impactos de seca, uma vez que a abordagem de gestão de risco implica que haja uma informação e avaliação atempada da intensidade e distribuição espacial dos impactos associados. A informação disponibilizada por uma ferramenta como o Drought Impact Reporter irá auxiliar a tomada de decisão, identificando o tipo de impactos que estão a ocorrer e quais as regiões onde tal acontece (NDMC, 2006a).

A informação dos impactos provém de várias fontes (NDMC, 2006a, Wilhite et al, 2007):

 agências governamentais;

relatos de impactos da seca existentes on-line e em publicações científicas;

 relatos proporcionados pelos meios de comunicação social;

 novos registos, submetidos pelo público em geral.

Todos os registos de impactos, em especial os submetidos on-line através do correspondente site, são revistos pela equipa do NDMC e, caso sejam considerados válidos, são alocados à região onde ocorrem, segundo uma de 6 categorias principais: agricultura, água/ energia, ambiente, incêndios, social e outros (NDMC, 2006a). No formato de consulta, o interface

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gráfico tem o aspecto da Figura 2.4, sendo possível listar os principais impactos ao nível dos diferentes Estados e respectivos Counties, para diferentes períodos temporais (de 1 semana, a 1 ano, ou qualquer outro período definido pelo utilizador). De acordo com o período seleccionado é atribuída uma escala de cores em função do número de impactos reportados (NDMC, 2006a).

Figura 2.4: Aspecto da página principal do Drought Impact Reporter (NDMC, 2006a) Por fim refira-se que, como parte de um projecto levado a cabo pela USDA Risk Management Agency45 (RMA), o National Drought Mitigation Center e a University of Nebraska – Lincoln46 (Departamento de Engenharia e Ciências computacionais), iniciado em 2005, foi criado um sistema de suporte à decisão, especificamente orientado para avaliação de diversos tipos de riscos climáticos para o sector agrícola, para os EUA, o NADSS – National Agricultural Decision Support System (Hayes et al, 2005). Actualmente, após uma forte evolução, este sistema corresponde ao designado Greenleaf Project47, assente numa plataforma que integra algumas

das mais recentes tecnologias Google (GREENLEAF, 2008). Tendo como principal objectivo a disponibilização de dados climáticos de forma centralizada e de fácil acesso e utilização, o sistema congrega informação de diferentes fontes (Hayes et al, 2005; GREENLEAF, 2008):

Resultados semanais do US Drought Monitor;

Dados de impactos de seca do Drought Impact Reporter;

45 http://www.rma.usda.gov/ 46

http://www.unl.edu/

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 Dados de monitorização de estações meteorológicas;

 Séries de índices de seca: SPI e PDSI;

Resultados de humidade do solo simulados pelo Newhall Simulation Model (Newman & Berdanier, 1996).

O Greenleaf Project possibilita, ainda, ao agricultor, apoio à tomada de decisão no que toca à selecção das culturas e da altura de sementeira. Para isso, o utilizador poderá, para diferentes culturas, definir as datas de plantação e ser-lhe-ão fornecidas informações fundamentais como o risco de formação de geadas ou as necessidades hídricas até à maturação, face à evolução da precipitação (GREENLEAF, 2008).

2.2.1.2 Projecto MEDROPLAN

O projecto de investigação científica MEDROPLAN – Mediterranean Drought Preparedness and Mitigation Planning, financiado através do Euro-Mediterranean Regional Programme for Local Water Management (MEDA Water) da Comissão Europeia, juntou, entre 2003 e 2007, cientistas e decisores de países mediterrânicos como Chipre, Grécia, Itália, Espanha, Marrocos e Tunísia. Desse projecto surgiu uma compilação de linhas orientadoras (MEDROPLAN, 2007) com vista à transição da gestão de crise para uma abordagem mais proactiva de prevenção e gestão do risco de secas, tendo por base as boas práticas de avaliação e gestão de secas desses países. Além disso, foi objectivo do projecto, fundamentar com desenvolvimento científico específico o processo de planeamento e gestão de recursos hídricos e também de iniciativas de política agrícola, no âmbito da prevenção e preparação para a gestão de situações de seca. Nesse âmbito foram apresentados alguns exemplos que permitiram demonstrar como os conceitos desenvolvidos podem ser aplicados a situações específicas e contribuir para a elaboração de planos de gestão de seca.

As principais linhas de acção do projecto podem, então, ser subdivididas nas seguintes subcomponentes, igualmente reflectidas na Figura 2.5 (MEDROPLAN, 2007):

1. Estrutura base do planeamento de secas: agregar os diferentes componentes,